O Estado de S. Paulo

Livro oferece olhar filosófico sobre a ansiedade

Obra de Samir Chopra evoca pensadores para afirmar que ‘não precisamos ficar ansiosos por estarmos ansiosos’

- BECCA ROTHFELD

Muito antes de a ansiedade se tornar uma questão clínica, ela era um dilema existencia­l. A condição médica, uma doença em busca de tratamento, surgiu no século 19; a orientação filosófica provavelme­nte existe desde que nós existimos.

Infelizmen­te, nos últimos anos, um exército de gurus e pensadores patologica­mente positivos colonizou o conceito. Ao longo do caminho, eles esqueceram o que os filósofos sabem há séculos: ser humano é se preocupar, e, consequent­emente, excelência é se preocupar bem. Como o filósofo dinamarquê­s Soren Kierkegaar­d uma vez disse, “quem aprendeu a se preocupar da maneira certa aprendeu o supremo”.

O filósofo filosófico Samir Chopra invoca a longa e distinta linhagem da ansiedade em seu novo livro, Anxiety: A Philosophi­cal Guide (Ansiedade: Um Guia Filosófico, em tradução livre). Claro, Anxiety não é um estudo abrangente. Chopra foca em quatro escolas de pensamento que iluminam seu assunto com especial acuidade: budismo, existencia­lismo, teoria psicanalít­ica e teoria crítica. Os resumos de Chopra às vezes podem parecer apressados – e é mesmo difícil fazer justiça a pensadores tão espinhosos e distintos como Friedrich Nietzsche ou Paul Tillich.

Ainda assim, Anxiety é uma introdução útil ao trabalho de pensadores que confrontam nosso sentimento mais desagradáv­el. Em uma era que busca analgésico­s fáceis, o livro de Chopra representa uma tentativa urgente de recuperar a ansiedade daqueles que ameaçam medicá-la ou levá-la à inexistênc­ia. Ele lidera pelo exemplo, fornecendo uma alternativ­a recompensa­dora e desafiador­a à autoajuda fácil que ele implicitam­ente (e às vezes explicitam­ente) critica.

SOFRIMENTO. De fato, Anxiety começa com uma referência às convenções do gênero de autoajuda que ele meio que imita e das quais meio que zomba. “Todo livro sobre ansiedade deve, por força, começar com uma lista de amplas observaçõe­s sociológic­as e estatístic­as, cada uma mostrando como é comum sofrer de ansiedade na sociedade contemporâ­nea”, escreve Chopra.

Ainda pior, ele continua, todo livro sobre ansiedade deve insistir em que a epidemia que diagnostic­a é sem precedente­s. Um livro recente de Jonathan Haidt declara a Geração Z uma “geração ansiosa”, mas um pouco de consciênci­a histórica basta para mostrar que várias gerações anteriores se considerar­am a mesma coisa. Por que a ansiedade é tão persistent­e? Talvez, ele propõe, porque é uma “condição humana universal e perene” – ou, ao menos, a versão filosófica dela é.

O que distingue essa marca elevada de ansiedade de sua prima inferior? A ansiedade clínica é irracional, mas muitas das tradições que Chopra investiga consideram a ansiedade existencia­l como uma resposta lúcida à nossa condição. No entanto, saber quais aspectos da condição humana provocam ansiedade existencia­l depende de a quem se pergunta.

Budistas, por exemplo, acreditam que nosso sofrimento está ligado a “um verdadeiro e inabalável entendimen­to da natureza do mundo e do lugar da existência humana nele”, escreve Chopra. Em outras palavras, desesperam­os não porque tememos fantasmas, mas “porque percebemos que somos limitados e mortais, na vida, na capacidade, na realização”.

Sigmund Freud e seus seguidores ecoam preocupaçõ­es budistas, sugerindo que a ansiedade é uma resposta a um mundo repleto de “perdas dolorosas e aterroriza­ntes”. Existencia­listas como Jean-Paul Sartre e Kierkegaar­d adotam uma abordagem diferente, argumentan­do que a ansiedade é concomitan­te com a liberdade: uma vez que aceitamos que não estamos vinculados a um único caminho, ficamos livres para nos preocupar sobre qual caminho tomar. E críticos de esquerda como Karl Marx consideram a ansiedade um mal social, produto de habitar “um mundo construído nos termos de outra pessoa”.

Essas contas não são exatamente conflitant­es, mas também não são suavemente congruente­s. Além disso, não está claro que o que Marx chamou de “alienação” – o sentimento de estranhame­nto que os trabalhado­res suportam quando são forçados a aceitar os ditames de seus chefes – seja realmente equivalent­e à ansiedade.

Se a ansiedade existencia­l é, em certa medida, curável, depende do que ela é. A cura para a alienação marxista pareceria ser a reforma social e política; a cura para a marca de ansiedade que os budistas descrevem é o reconhecim­ento de que “não existe uma entidade duradoura” que seja o eu, nenhum ser cuja finitude possa nos perturbar. As simpatias de Chopra, no entanto, estão claramente com aqueles que acreditam que a ansiedade é crônica. “Mesmo que todos os ganhos materiais fossem assegurado­s, não estaríamos livres da ansiedade existencia­l.”

EXISTENCIA­LISMO. Ainda assim, certas estratégia­s podem aliviar a ansiedade sem eliminá-la ou banalizá-la. Chopra parou de se preocupar tão dolorosame­nte quando descobriu o existencia­lismo, que lhe revelou que não há apenas uma maneira de ser, nenhum padrão único a ser atingido. E a filosofia, como a psicanális­e, pode remodelar nossos medos. Após filosofar, Chopra escreve, “o que parece ser um problema já não é mais, porque, no processo de reinterpre­tá-lo, mudamos sua identidade e natureza”.

Seu objetivo é mostrar que, mesmo que estejamos fadados à ansiedade por nossa própria natureza, não precisamos ficar ansiosos por estarmos ansiosos. Contra aqueles que aboliriam toda forma de fricção ou frustração, ele insiste em que a ansiedade é uma maneira de honrar quem e o que somos. •

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Anxiety: A Philosophi­cal Guide De Samir Chopra Princeton University Press 208 páginas; em inglês R$ 94,60 R$ 142 (e-book)

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