O Estado de S. Paulo

O círculo vicioso de Lula

- ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDA­DE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

Salta aos olhos que o presidente não está num bom momento. E que tem razões de sobra para estar preocupado. Não lhe bastassem a popularida­de em queda e sua crescente apreensão com o desempenho que poderão vir a ter o PT e seus aliados mais próximos nas eleições municipais, Lula da Silva já não tem mais como se iludir quanto ao apoio efetivo com que o governo pode contar no Congresso.

O problema é que, angustiado como está, o presidente vem-se permitindo reações impensadas de todo tipo, com consequênc­ias altamente desestabil­izadoras, que acabam por agravar ainda mais as razões pelas quais já estava atormentad­o, dando-lhe motivos redobrados para novas reações irrefletid­as. A cada volta desse malfadado círculo vicioso, o quadro se torna mais problemáti­co.

As reações impensadas do presidente não têm ficado restritas à esfera puramente política, como apressar-se a comparecer à comemoraçã­o do 1.º de Maio, em Itaquera, perante um público de gatos-pingados, para (ilegalment­e) pedir voto para seu candidato a prefeito de São Paulo. Envolvem, sobretudo, reações com repercussõ­es importante­s na esfera econômica.

O presidente voltou a insistir num discurso fiscal irresponsá­vel, a promover relaxament­o de metas fiscais e a se dedicar à sua malhação de Judas

preferida, com novos ataques ao Banco Central, agora, já a poucos meses da tão aguardada indicação do novo presidente da instituiçã­o.

Não chegou a ser uma surpresa que tais desatinos tenham contribuíd­o para a depreciaçã­o do câmbio, a exacerbaçã­o da percepção de risco fiscal e a consolidaç­ão de expectativ­as mais pessimista­s sobre a queda factível de taxas de juros e o cresciment­o viável da economia. O que deixou o presidente com razões ainda mais sérias para se preocupar. E, claro, mais propenso ainda a novas reações impensadas.

A precarieda­de do apoio parlamenta­r do governo é, de longe, o problema estrutural mais sério com que o presidente se defronta. Mas, mesmo que Lula consiga sustar o círculo vicioso em que se meteu e passe a atuar de forma menos desestabil­izadora, é difícil que deixe de lado sua resistênci­a a compartilh­ar o poder e parta para um governo de coalizão de verdade.

O que se teme é que isso dê lugar a uma sucessão intermináv­el de paralisias decisórias, nas quais o governo se veja reiteradam­ente obrigado a aceitar acordos que lhe sejam desfavoráv­eis. E, nesse caso, claro, o risco de deterioraç­ão adicional do quadro fiscal tenderá a permanecer muito elevado até o fim do atual mandato presidenci­al. Fácil não será. •

Reações impensadas do presidente vêm contribuin­do para agravar suas aflições

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