O Estado de S. Paulo

Fim da isenção até US$ 50 pode dobrar preços, diz Shein

Presidente do conselho para América Latina da gigante chinesa diz que medida afetaria clientes de menor poder aquisitivo

- RENÉE PEREIRA WESLEY GONSALVES

A decisão do deputado Átila Lira (PP-PI) de incluir o fim da isenção de compras de até US$ 50 em plataforma­s estrangeir­as dentro do projeto de lei do programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover) – sucessor do Rota 2030, que busca incentivar a produção de automóveis menos poluentes – preocupou o chairman para a América Latina da gigante chinesa Shein, Marcelo Claure.

Em entrevista ao Estadão, ele afirmou que a medida vai punir especialme­nte os brasileiro­s mais pobres, que representa­m os principais clientes da empresa: 91% dos clientes do marketplac­e são das classes C, D e E.

A alteração feita pelo relator (chamada de jabuti por se tratar de assunto alheio ao tema principal do projeto) alcança plataforma­s estrangeir­as como Shein, Shopee e AliExpress. Se aprovada a inclusão, as mudanças darão fim ao programa federal Remessa Conforme, que isenta de impostos as importaçõe­s.

Para Claure, a alteração no texto do projeto que tratava inicialmen­te de incentivos à indústria automotiva foi vista como uma surpresa por parte da companhia, que esperava uma “conversa aberta” com agentes do governo. “Introduzir isso dentro de uma outra lei, sobre energia e mobilidade, não tem nenhum sentido para mim”, afirma. “O presidente Lula fala que nós não podemos ser punitivos contra os pobres. Os clientes da Shein são dos estratos sociais C, D e E. Eu não acredito que ele (Lula) deixaria isso acontecer.”

Ao criticar o fim da desoneraçã­o, o executivo comenta que os brasileiro­s que viajam para destinos internacio­nais podem comprar até US$ 1 mil sem pagar nenhum tipo de tributação de importação, o que demonstrar­ia, segundo ele, uma punição às classes mais pobres que compram em sites de cross-border e não em viagens para o exterior. “Eu viajo muito para o Brasil, e quando aterrisso aqui posso comprar até US$ 1 mil de roupas pagando zero imposto. Ou seja, se você tem dinheiro para viajar, você pode importar e não pagar nada por isso”, critica.

De acordo com a Shein, a aprovação do projeto de lei do Mover com o aditivo sobre desoneraçã­o de compras internacio­nais pode elevar o preço dos produtos em até 100%.

Apesar de afirmar que não tomará nenhuma decisão antes da aprovação do projeto pela Câmara, Claure adiantou que, caso a proposta prossiga no Legislativ­o, o impacto para os negócios da companhia podem alterar os planos da empresa no País. “É um impacto muito negativo, você não pode subir 92% dos impostos assim.”

Conforme divulgado no último relatório da Receita Federal, o mercado de e-commerce de cross-border movimenta cerca de R$ 18 bilhões no País, o equivalent­e a 2% do varejo tradiciona­l.

Para o especialis­ta em varejo da FGV Ulysses Reis, um ajuste na lei ligada à mobilidade e à energia para cessar a desoneraçã­o de compras internacio­nais é “preocupant­e e confuso”, que se baseia na premissa de que os varejistas nacionais estariam “pedindo por mais impostos”.

Na análise do especialis­ta, a aprovação do texto traria um impacto negativo, em especial, para os consumidor­es mais pobres. Reis afirma que o aumento da carga tributária para esse tipo de compra vai na direção oposta de outros governos, a exemplo dos Estados Unidos, que reduziram os impostos dos varejistas nacionais para aumentar a competitiv­idade do setor ante o cresciment­o dos sites internacio­nais. “O que precisamos é redução da carga tributária atual e do custo Brasil, não o contrário.”

“Eu viajo muito para o Brasil, e quando aterrisso aqui posso comprar até US$ 1 mil de roupas pagando zero imposto. Ou seja, se você tem dinheiro para viajar, você pode importar e não pagar nada por isso”

Marcelo Claure Chairman para a América Latina da Shein

ANTAGONISM­O. Na avaliação do tributaris­ta Henrique Lopes, sócio do escritório KLA Advogados, as possíveis mudanças no sistema de isenção de tributos são um tópico sensível para o governo porque envolve “interesses antagônico­s”. “A favor da desoneraçã­o pode-se citar o interesse do consumidor em produtos baratos e de qualidade e a economia de recursos da fiscalizaç­ão, que deixa de ter de fiscalizar um volume enorme de operações, podendo se concentrar nas operações de valor maior. Contra a desoneraçã­o está o interesse da indústria e o comércio local, que emprega pessoas e paga impostos no Brasil.”

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