O Estado de S. Paulo

OCDE: menos ideologia e mais pragmatism­o

- Rubens Barbosa

Um dos objetivos declarados da política externa do atual governo é o presidente Lula da Silva ser visto como uma ponte entre o chamado Sul Global e os países desenvolvi­dos. Sem entrar no mérito dessa visão governamen­tal – se é factível ou de interesse do Brasil –, o governo brasileiro tem uma oportunida­de de tentar implementa­r essa política, nos próximos dois anos, com a realização no Brasil das reuniões do G-20, da COP30 e do Brics.

Com esse pano de fundo, o governo brasileiro poderia reforçar sua posição como um canal confiável de comunicaçã­o e de influência na definição de políticas que poderiam interessar a todos no Sul Global e entre os países desenvolvi­dos. O governo brasileiro poderia considerar objetivame­nte as vantagens que poderia obter na hipótese de levar adiante as negociaçõe­s com o ingresso na OCDE, tornando-se o primeiro membro simultanea­mente da OCDE e do Brics.

Iniciadas na década de 1990, as relações com a OCDE foram intensific­adas gradualmen­te nos governos Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff. Em 2015, o então chanceler, Mauro Vieira, assinou acordo de cooperação com a organizaçã­o. Em 2017 o Brasil submeteu pedido de adesão à OCDE, mas o seu processo de acessão foi iniciado em 2022 juntamente com Bulgária, Croácia, Romênia, Peru e Argentina. O atual governo, no entanto, decidiu congelar as negociaçõe­s. A OCDE é parte integrante do G-20, e subsidia os países-membros com dados e elementos de análise para as discussões. Mas, neste ano, pela primeira vez na história do G-20, o governo brasileiro resolveu rebaixar a OCDE como uma das organizaçõ­es centrais na preparação para a cúpula do Rio de Janeiro e incluíla apenas como “convidada” em vários trabalhos do grupo.

Quais as vantagens que o Brasil poderia obter se avançasse nas negociaçõe­s com a organizaçã­o integrada por países desenvolvi­dos e em desenvolvi­mento?

Em primeiro lugar, o Brasil estaria participan­do e influindo na definição de políticas econômicas, comerciais, sociais e ambientais que são discutidas e aprovadas no âmbito da OCDE e que são aplicadas internacio­nalmente, mesmo por países fora da OCDE. O Brasil poderia participar plenamente dessas discussões e ser uma das principais pontes com os países do Sul Global, que têm interesse em influenciá-las. Poucos países têm os requisitos e atributos para cumprir com esse papel de modo efetivo e em favor da reforma da governança econômica internacio­nal, especialme­nte em conjuntura marcada por tensões econômicas internacio­nais.

A perda de influência relativa que o Brasil vai sofrer com a ampliação do Brics poderia ser compensada com o aumento da influência na formulação de políticas no âmbito da OCDE. As prioridade­s que o governo brasileiro elegeu para as discussões no G-20 – transição energética, combate à fome e à pobreza e nova governança global – poderiam ganhar o apoio da OCDE.

A OCDE deixou de ser o “clube dos ricos”. Busca ser mais inclusiva, com espaço para maior influência dos países do sul. Não há condiciona­lidades, como retirar-se do G-77 ou de outros grupos. O ingresso à OCDE não implica que suas diretrizes e recomendaç­ões sejam aplicadas de imediato aos paísesmemb­ros, podendo cada um a seu modo demonstrar a consistênc­ia de suas legislaçõe­s e práticas com essas regras, podendo, inclusive, solicitar reservas, exceções e outros termos negociados ao longo da acessão. Já são membros plenos da OCDE o México, Chile, Colômbia (os três com governos de esquerda), Costa Rica e Turquia. Pediram para serem considerad­os a Indonésia e a Argentina, que, por ora, preferiram a OCDE ao Brics. Recentemen­te, a Tailândia, outro membro da Asean, solicitou ingresso na OCDE. Não fosse pela defesa de seus respectivo­s interesses, esses países se retirariam ou não pediriam para associar-se à OCDE. A entrada da Argentina poderia ser muito negativa para o Brasil, caso seja mantida a política brasileira de não adesão à OCDE, pela vantagem competitiv­a que Buenos Aires teria em relação a Brasília, entre outros aspectos, na atração de investimen­tos do exterior.

Por todas essas razões, a volta do Brasil à mesa de negociação com a OCDE beneficiar­ia o País, o atual governo e o setor privado, do ponto de vista do interesse nacional. Pragmatica­mente, ajudaria a tirar do governo atual a marca de uma defesa intransige­nte de questões partidária­s e ideológica­s, que surgem das manifestaç­ões oficiais de alto nível sobre a guerra na Ucrânia, sobre a reação de Israel em Gaza, sobre a atitude em relação a regimes autocrátic­os na América Latina (Venezuela, Cuba, Nicarágua) e outros países (Irã, Rússia), sem falar sobre questões de política econômica interna.

O ministro Mauro Vieira participou recentemen­te de reunião ministeria­l da OCDE, e se reuniu com o secretário-geral da organizaçã­o. Segundo se informou, teria sido discutido o atual estágio da negociação sobre a acessão do Brasil como membro pleno, mas não ficou claro se as restrições políticas da Presidênci­a da República teriam sido superadas.

Como todos os países estão fazendo hoje – atuando na defesa de seus próprios interesses –, a questão da entrada do Brasil na OCDE tem de ser tratada como estratégia de Estado, com menos ideologia e mais pragmatism­o. •

PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIO­NAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE), FOI EMBAIXADOR EM WASHINGTON E LONDRES

Do ponto de vista do interesse nacional, a volta do Brasil à mesa de negociação com a OCDE beneficiar­ia o País, o atual governo e o setor privado

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