Miklos volta à carreira solo com novo disco
Música Rock Depois de 46 shows no ano passado com os Titãs, ele agora lança álbum ao vivo e planeja fazer ‘de tudo um pouco’
Paulo Miklos dança em um gingado do twist, ao som de um piano que toca no bar do outro lado das cortinas. Estala os dedos, enquanto é acompanhado timidamente pelos três integrantes da sua banda em carreira solo – que o acompanham desde 2016, quando deixou a mais numerosa banda do rock nacional, Titãs, e também uma das mais bem-sucedidas, para embarcar em uma jornada de autodescobrimento.
O pianista interrompe a música para um locutor (sim, um locutor) anunciar o show. Miklos e banda sobem ao palco diminuto e o ocupam bem. Estão diante de 500 pessoas (capacidade máxima do Blue Note São Paulo), em uma casa de shows na beira da Avenida Paulista, na noite de quarta-feira, 15 de março de 2023.
Poucas semanas depois, Miklos embarcaria nos ensaios para a icônica, megalomaníaca e, também, histórica turnê de reunião dos Titãs com a formação original. Quarenta e três dias depois da apresentação no Blue Note, estreava Titãs: Encontro, na Jeunesse Arena, casa de shows na Barra da Tijuca, no Rio, com capacidade para 14 mil pessoas.
Miklos passou 46 noites em palcos com a antiga banda ao longo de 2023, em uma turnê que se tornou exemplo, para o mercado nacional, de que é possível levar mais artistas brasileiros a grandes palcos e arenas de estádios (foram 6 shows no Allianz Parque, em São Paulo, para 50 mil pessoas cada um, por exemplo).
Findada a turnê no dia 31 de dezembro em Fortaleza, Paulo Miklos, hoje com 65 anos, iniciou 2024 se despedindo, mais uma vez, dos números astronômicos da ex-banda. Se, em 2016, a saída foi mais sentida para todos, é claro, agora o sentimento é de realização de um feito e tanto. Se comparado a uma entrevista a este mesmo Estadão de 2017, para anunciar o seu primeiro disco dessa nova fase, chamado A Gente Mora no Agora. Na ocasião, inevitavelmente, Miklos falava mais do presente e do futuro do que da partida do grupo.
Em 2023, ele não integrou a banda, apenas se juntou para a turnê de reunião, de modo que, neste papo do início de maio de 2024, Miklos olha para trás sem qualquer pudor e, sim, entusiasmado pelo feito ao lado dos antigos companheiros.
“Foram 50 mil por dia (os shows dos Titãs no Allianz), isso é uma loucura”, surpreende-se Miklos. “Faço com a mesma disposição do que um show menor, claro. O tamanho não importa, porque a sensação é a mesma. E o frio na barriga, também.” E na sextafeira, dia 3, o ex-Titãs lançou o registro ao vivo daquele show para 500 pessoas que o viram em uma quarta-feira à noite na Avenida Paulista, em março de 2023, com disco nas plataformas digitais e o vídeo divulgado no YouTube.
RECONEXÃO. Funciona quase como uma reconexão com o Paulo Miklos intimista, que precisou voltar para as coxias por alguns meses para que o Paulo Miklos das multidões tomasse a frente. Simples, direto, exposto. Paulo Miklos nunca lançou um registro ao vivo seu, sozinho. Claro, podemos mais uma vez voltar à megalomania dos Titãs, que fizeram, juntos e ao vivo, história com o Acústico MTV, em 1997, sucesso comercial absoluto, com mais de 1,7 milhão de cópias vendidas.
“O Acústico MTV foi um dos grandes momentos da minha carreira. Era a comemoração pelos 15 anos dos Titãs. Gravamos no Rio, foi uma coisa astronômica, mesmo, tive um pico de popularidade”, relembra Miklos. Naquela gravação, diferentemente dos Acústicos atuais, a banda gravou com orquestra sem interrupções. “Repetimos alguma coisa no final, mas foi cru, mesmo.”
Cru, também, é Paulo Miklos (Ao Vivo) – embora tenha passado por uma caprichada produção de Rafael Ramos, diretor artístico da Deck, gravadora de Miklos. Ficam, na versão final, até algumas interações do artista com a plateia, que ele tentou tirar da gravação, mas foi convencido por Ramos a manter. “Ele me falou: ‘É o que faz a diferença’.”
O registro do show, ao vivo, também é um retrato desse artista sem muletas, sem outros companheiros de banda famosos para dividir holofotes e microfones. Aqui, Miklos não sai de cena, não há tempo para uma dancinha no fundo do palco. Um sorriso, dado ali em um Blue Note lotado, é visto por todos. O suor das têmporas, também.
Aqui, a sutileza também faz a diferença. Esmiúça a própria discografia, nos álbuns solo que lançou pós-Titãs, A Gente Mora no Agora (2017) e Do Amor Não Vai Sobrar Ninguém (2022), com destaque para as versões intimistas de Vou Te Encontrar e Um Misto de Todas as Coisas, joia agridoce do trabalho de 2022. É um arranjo novo, inclusive nas músicas gravadas com os Titãs, revisitadas ali, como Sonífera Ilha, Flores, Comida e Pra Dizer Adeus. Ou em Um Bom Lugar, uma adaptação do rap de Sabotage, que completaria 51 anos em 2024. A versão de Um Bom Lugar de Miklos se conecta no show com Sabotage Está Aqui, do álbum de 2022.
“Faço (um grande show) com a mesma disposição de um show menor. A sensação é a mesma, o frio na barriga, também”
O SEGUNDO ADEUS. O fim da turnê dos Titãs coloca Miklos em rota consigo mesmo de novo. E Miklos é um tipo de poliartista de uma época em que isso significava se expressar por mais de uma forma de arte.
Foi como ator que Miklos se expandiu ao fazer o filme O Invasor (2001), dirigido por Beto Brant. Mas sua carreira no cinema e TV é ampla, desde o personagem Gonzales, vilão dos filmes de Carrossel, até séries densas como Manhãs de Setembro e Últimas Férias. Mais recentemente, interpretou Adoniran Barbosa no filme Saudosa Maloca, lançado em 2024. Miklos volta agora ao universo de Estômago, filme de Marcos Jorge, de 2007, com continuação prevista para estrear em agosto de 2024. Se for questionado: “E agora, Paulo, o que vem por aí?”. Ele abre um sorriso: “Novos discos, novos shows, novos filmes”. •
“O ‘Acústico MTV’ foi um dos grandes momentos da minha carreira. Eram os 15 anos dos Titãs, tive um pico de popularidade” Paulo Miklos
Cantor e ator