‘Aos Meus Amigos’ revê afetos e dores dos anos 1990
Romance da dramaturga Maria Adelaide Amaral, que explora temas como desilusão, perda e amizade, ganha nova edição após 30 anos
“O tema do reencontro de amigos é universal.” De fato, uma breve busca na memória e conseguimos pensar em alguns livros e filmes que trazem a amizade como ponto central de uma história. A fala que abre este texto é de Maria Adelaide Amaral, autora de Aos Meus Amigos, livro lançado em 1992, que acaba de ganhar nova edição pela Editora Instante.
O livro acompanha um grupo de amigos que se reencontram após o suicídio do mais querido deles: Leo. A história é inspirada na morte de Décio Bar, jornalista, crítico, escritor, mas também artista plástico, compositor de samba, e um amigo da autora, que morreu em 1991. O intelectual teve grande influência na vida de Maria Adelaide e a perda do amigo a levou a escrever o livro dedicado a ele.
Segundo a autora, ele foi um grande responsável por enriquecer seu repertório literário. “Sempre fui muito curiosa e sempre li muito, mas minhas leituras eram caóticas. E ele, digamos assim, soube dar uma direção a elas”, comenta a autora de 81 anos. “Ele me apresentou alguns autores fundamentais, como Simone de Beauvoir, Sartre, Erich Fromm”, continua.
O livro é considerado um dos melhores romances da década de 1990 e usa flashbacks e memórias compartilhadas para explorar assuntos como amor, perda, envelhecimento e desilusão com os ideais da juventude. Dada a universalidade dos temas, o romance segue extremamente atual, mesmo que tenha sido lançado há mais de 30 anos.
Personagens bem construídos, bons diálogos, que nos fazem entender melhor a relação entre aqueles amigos e deles com Leo, e a escrita fluida de Maria Adelaide são pontos de destaque na obra, que ganhou uma adaptação feita pela própria autora para a televisão, a série Queridos Amigos, lançada em 2008 e disponível na íntegra no Globoplay.
Referências pessoais se unem à história, que tem um conjunto de inspirações em amigos e conhecidos da autora na vida real. Não é uma ou outra pessoa em específico. São aspectos de personalidade que estavam sempre perto de Maria Adelaide, seja por suas andanças em redações jornalísticas, seja como autora e colaboradora de novelas e minisséries, seja como boa observadora do mundo à sua volta.
Em Aos Meus Amigos, Maria Adelaide faz uma homenagem às amizades, tendo sua relação com Décio como ponto de partida. É curioso ouvi-la falar dele, pois a história se cruza com o livro, não coincidentemente. Mas também dá para entender um pouco do quanto essa relação a influenciou. “Estudávamos à noite e, muitas vezes, matávamos aula para ir ao cinema, assistir aos filmes da nouvelle vague, Cinema Novo. A gente ficava perambulando pelo centro da cidade de madrugada, não tínhamos receio de nada. Ficávamos debruçados no Viaduto do Chá, conversando às duas da manhã”, relembra.
Um jeito de viver a cidade que tem reflexos, inclusive, nas suas andanças e pesquisas para sua dramaturgia. Foi caminhando em cemitérios da cidade que Maria Adelaide entendeu como funcionava um funeral bem mais de perto. Observando reações de pessoas, a estrutura o “passo a passo” de um velório. Imagens que fazem parte do livro
Tanto a experiência de uma cidade de São Paulo dos anos 1960 – foi nessa década que a capital paulista passou a ser a mais rica do País – quanto o olhar atento para suas vivências ajudaram a fazer nascer a autora Maria Adelaide. Antes de se tornar um dos nomes brasileiros mais importantes na dramaturgia, tendo assinado peças ganhadoras de prêmios, novelas e minisséries para a TV, ela desejou ser atriz. Mas antes de fazer história na TV, trabalhou como jornalista na editora Abril.
PREÇO. Ao mesmo tempo que se eterniza por conta de suas minisséries, talvez não exista mais tanto espaço para suas produções atualmente, principalmente, segundo ela, por serem produções caras. “Maurício de Nassau não sai (a Globo engavetou a produção no passado, ocupando o espaço com
Queridos Amigos). Duvido que saia porque é muito caro. Estava escrevendo sobre Carlos Gomes. Não vai sair na TV porque é caríssimo. É uma grande história também. Mas essa eu vou levar para o teatro”, diz.
E o que será que faz a cabeça de Maria Adelaide diante de tantas opções de séries e seriados? “Tem muita gente escrevendo bem. Bom Dia, Verônica (Netflix) é muito boa,
Justiça, de Manuela Dias (atualmente com uma segunda temporada disponível no Globoplay), é muito boa também, Os Outros (Globoplay) foi fantástica. Fim (Globoplay) tem similaridades com
Queridos Amigos, mas de outra geração, em outra cidade. E Nada, série argentina, que está no Star+”, finaliza ela. •
“Sempre li muito, mas minhas leituras eram caóticas. E ele (o escritor e jornalista Décio Bar, que morreu em 1991) soube dar uma direção a elas e me apresentou autores fundamentais, como Sartre e Erich Fromm” Maria Adelaide Amaral
Autora e roteirista