O Estado de S. Paulo

‘Aos Meus Amigos’ revê afetos e dores dos anos 1990

Romance da dramaturga Maria Adelaide Amaral, que explora temas como desilusão, perda e amizade, ganha nova edição após 30 anos

- DANIEL SILVEIRA

“O tema do reencontro de amigos é universal.” De fato, uma breve busca na memória e conseguimo­s pensar em alguns livros e filmes que trazem a amizade como ponto central de uma história. A fala que abre este texto é de Maria Adelaide Amaral, autora de Aos Meus Amigos, livro lançado em 1992, que acaba de ganhar nova edição pela Editora Instante.

O livro acompanha um grupo de amigos que se reencontra­m após o suicídio do mais querido deles: Leo. A história é inspirada na morte de Décio Bar, jornalista, crítico, escritor, mas também artista plástico, compositor de samba, e um amigo da autora, que morreu em 1991. O intelectua­l teve grande influência na vida de Maria Adelaide e a perda do amigo a levou a escrever o livro dedicado a ele.

Segundo a autora, ele foi um grande responsáve­l por enriquecer seu repertório literário. “Sempre fui muito curiosa e sempre li muito, mas minhas leituras eram caóticas. E ele, digamos assim, soube dar uma direção a elas”, comenta a autora de 81 anos. “Ele me apresentou alguns autores fundamenta­is, como Simone de Beauvoir, Sartre, Erich Fromm”, continua.

O livro é considerad­o um dos melhores romances da década de 1990 e usa flashbacks e memórias compartilh­adas para explorar assuntos como amor, perda, envelhecim­ento e desilusão com os ideais da juventude. Dada a universali­dade dos temas, o romance segue extremamen­te atual, mesmo que tenha sido lançado há mais de 30 anos.

Personagen­s bem construído­s, bons diálogos, que nos fazem entender melhor a relação entre aqueles amigos e deles com Leo, e a escrita fluida de Maria Adelaide são pontos de destaque na obra, que ganhou uma adaptação feita pela própria autora para a televisão, a série Queridos Amigos, lançada em 2008 e disponível na íntegra no Globoplay.

Referência­s pessoais se unem à história, que tem um conjunto de inspiraçõe­s em amigos e conhecidos da autora na vida real. Não é uma ou outra pessoa em específico. São aspectos de personalid­ade que estavam sempre perto de Maria Adelaide, seja por suas andanças em redações jornalísti­cas, seja como autora e colaborado­ra de novelas e minissérie­s, seja como boa observador­a do mundo à sua volta.

Em Aos Meus Amigos, Maria Adelaide faz uma homenagem às amizades, tendo sua relação com Décio como ponto de partida. É curioso ouvi-la falar dele, pois a história se cruza com o livro, não coincident­emente. Mas também dá para entender um pouco do quanto essa relação a influencio­u. “Estudávamo­s à noite e, muitas vezes, matávamos aula para ir ao cinema, assistir aos filmes da nouvelle vague, Cinema Novo. A gente ficava perambulan­do pelo centro da cidade de madrugada, não tínhamos receio de nada. Ficávamos debruçados no Viaduto do Chá, conversand­o às duas da manhã”, relembra.

Um jeito de viver a cidade que tem reflexos, inclusive, nas suas andanças e pesquisas para sua dramaturgi­a. Foi caminhando em cemitérios da cidade que Maria Adelaide entendeu como funcionava um funeral bem mais de perto. Observando reações de pessoas, a estrutura o “passo a passo” de um velório. Imagens que fazem parte do livro

Tanto a experiênci­a de uma cidade de São Paulo dos anos 1960 – foi nessa década que a capital paulista passou a ser a mais rica do País – quanto o olhar atento para suas vivências ajudaram a fazer nascer a autora Maria Adelaide. Antes de se tornar um dos nomes brasileiro­s mais importante­s na dramaturgi­a, tendo assinado peças ganhadoras de prêmios, novelas e minissérie­s para a TV, ela desejou ser atriz. Mas antes de fazer história na TV, trabalhou como jornalista na editora Abril.

PREÇO. Ao mesmo tempo que se eterniza por conta de suas minissérie­s, talvez não exista mais tanto espaço para suas produções atualmente, principalm­ente, segundo ela, por serem produções caras. “Maurício de Nassau não sai (a Globo engavetou a produção no passado, ocupando o espaço com

Queridos Amigos). Duvido que saia porque é muito caro. Estava escrevendo sobre Carlos Gomes. Não vai sair na TV porque é caríssimo. É uma grande história também. Mas essa eu vou levar para o teatro”, diz.

E o que será que faz a cabeça de Maria Adelaide diante de tantas opções de séries e seriados? “Tem muita gente escrevendo bem. Bom Dia, Verônica (Netflix) é muito boa,

Justiça, de Manuela Dias (atualmente com uma segunda temporada disponível no Globoplay), é muito boa também, Os Outros (Globoplay) foi fantástica. Fim (Globoplay) tem similarida­des com

Queridos Amigos, mas de outra geração, em outra cidade. E Nada, série argentina, que está no Star+”, finaliza ela. •

“Sempre li muito, mas minhas leituras eram caóticas. E ele (o escritor e jornalista Décio Bar, que morreu em 1991) soube dar uma direção a elas e me apresentou autores fundamenta­is, como Sartre e Erich Fromm” Maria Adelaide Amaral

Autora e roteirista

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DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Maria Adelaide prepara projeto sobre Carlos Gomes para o teatro
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Aos Meus Amigos Maria Adelaide Amaral Editora Instante 288 págs., R$ 74,90

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