‘Estamos entregando o que falamos que íamos entregar’
Para secretário da Fazenda, ações de Legislativo e Judiciário são essenciais para atingir metas fiscais Graduado na PUC-SP, com doutorado na Unicamp, ajudou a elaborar o plano de governo do presidente Lula
“É evidente que, quando você constrói o cenário do resultado primário, você estabelece a meta, mas o resultado não é fruto só das nossas ações. Ele é fruto das ações de Executivo, Legislativo e Judiciário”
Osecretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, mantém-se otimista em relação ao desempenho da economia neste ano – mesmo não sendo possível ainda avaliar o impacto negativo da tragédia no Rio Grande do Sul na atividade econômica, nem o impacto positivo posterior, decorrente das medidas de apoio à reconstrução do Estado. A projeção do governo, revisada recentemente, para o PIB deste ano é de alta de 2,5% – no Boletim Focus, a estimativa do mercado é de 2,05%. Para 2025, a projeção é de avanço de 2,8%, o que os analistas consideram muito otimista.
Sobre as críticas à gestão fiscal – que ganharam força após o governo ter flexibilizado as metas de ajuste fiscal estabelecidas para 2025 e 2026 –, o economista diz acreditar que há exagero. “Estamos entregando exatamente o que falamos que íamos entregar e que ninguém acreditava”, diz Mello, que ajudou a elaborar o plano de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e integra a linha de frente do time do ministro Fernando Haddad.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista.
Em entrevistas ao Estadão/Broadcast, o investidor Luis Stuhlberger e o ex-presidente do BC Arminio Fraga demonstraram preocupação com uma recente deterioração fiscal. A Fazenda tem uma visão oposta. A que se deve essa divergência? Depois que a Moody’s indicou a possibilidade de aumento da nota do Brasil, eu comecei a ver várias dessas reações, de que o fiscal está muito ruim, de que o fiscal piorou muito. Mas piorou em relação a quê? Ah, às expectativas? Então vamos pegar as expectativas do começo de 2023. A expectativa da dívida como proporção do PIB era de 79%. No fim do ano, fechou em 74,4%, quase cinco pontos abaixo. Então, se é em relação à expectativa que se tinha, está muito melhor no principal indicador fiscal. Não tem surpresa negativa, e sim positiva. (No fim de 2022, porém, a dívida estava em 71,7% do PIB). No dia 12 de janeiro de 2023, o ministro (Haddad) deu uma coletiva anunciando uma série de medidas que ele tomaria para reduzir o déficit primário e falou: ‘Eu sei que o PLOA (projeto de lei orçamentária de 2023) projeta um déficit de 2,2% do PIB, mas eu vou mirar em 1% do PIB’. (Na ocasião, o ministro projetou déficit entre 0,5% e 1% do PIB). No fim do ano deu 2,2%, mas pagamos os precatórios e o calote nos governadores.
E se descontar esses dois pagamentos?
Dá 1,1% do PIB, exatamente o que o ministro falou que a gente ia entregar. E quando a gente falava que ia entregar 1% do PIB, a maior parte dos analistas duvidava. Então, superamos as expectativas.
E o descolamento das expectativas neste ano?
No começo, todo mundo falava ‘vai chegar o primeiro (relatório) bimestral (de receitas e despesas, fechado em março) e o governo vai ter de contingenciar R$ 56 bilhões e, ainda assim, não vai ser suficiente para projetar o déficit zero’. Chegou o primeiro bimestral, contingenciamento zero (não houve contingenciamento, mas o governo bloqueou R$ 2,9 bilhões para evitar estouro no limite de despesas) e projeção de chegar à meta no final do ano. Vamos ver o segundo bimestral, eu estou confiante.
Mas os investidores se dizem traídos porque o ajuste não está sendo entregue na velocidade prometida. Nós estamos entregando. Entregamos o déficit de 1% no ano passado, que foi exatamente o que dissemos que íamos fazer, e estamos prontos para entregar um déficit zero, perto do equilíbrio orçamentário neste ano. Agora, é evidente que, quando você constrói o cenário do resultado primário, principalmente os cenários mais longos, você estabelece a meta mas o resultado não é fruto só das nossas ações. Ele é fruto de um conjunto de ações de Executivo, Legislativo e Judiciário. Nós mandamos um conjunto de medidas ao Legislativo, ele foi muito correto, parceiro, e aprovou praticamente todas as medidas, mas aprovou, o que é natural numa democracia, de uma forma modulada, diferente do que a gente previa. Isso impacta a nossa projeção para frente. Algumas medidas atrasaram, outras foram enviadas e acabaram não sendo apreciadas, como juros sobre capital próprio (a mudança na tributação desse benefício foi aprovada aquém do que desejava a Fazenda). O resultado não depende só do que o governo federal faz.
O sr. considera que há espaço para mais medidas de arrecadação via Congresso?
Eu acho que existe uma estratégia, que boa parte dos Poderes do País entendeu. E isso ajuda. É claro que é difícil negociar, há questões que envolvem lobbies poderosos. Falamos de (tributar) offshores e fundos fechados, que envolvem poucas pessoas, mas pessoas com muito capital. Mesmo Carf (a volta do voto de desempate a favor do Fisco), é para casos grandes. Todos esses ajustes mostram o compromisso do ministro com uma agenda de recompor a base fiscal sem prejudicar os mais pobres. Como? Corrigindo distorções tributárias, sendo muito criterioso nos programas que nós fazemos, de incentivos, para que sejam bem desenhados, atinjam quem precisa e sejam efetivos. E perseguir o equilíbrio fiscal.
Como as desonerações serão compensadas?
O ministro vai anunciar. Mas, se você está abrindo mão de receita, vai precisar ter outra fonte. •