Opala & CIA

ESPECIAL

A histórica tentativa de QUEBRA DO RECORDE brasileiro de VELOCIDADE com um OPALA, que SUPEROU OS 230 KM/H

- Por Rogério Ferraresi / Fotos de Arquivo

O projeto que levou dois ases do volante a desenvolve­r um Opala vitorioso

Com o objetivo de quebrar o recorde brasileiro de velocidade, os irmãos Bird e Nilson Clemente decidiram investir na preparação do Opala 3800, com o qual competiam nas pistas. A decisão foi tomada no fim do ano de 1970 e a meta era tentar superar a marca obtida alguns anos antes pelo DKW Carcará que, em 29 de junho de 1966, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, alcançou a média de 212,903 km/h. Homologado pela CBA (Confederaç­ão Brasileira de Automobili­smo) como o primeiro recorde oficial de velocidade obtido no Brasil por um automóvel nacional, o feito também foi devidament­e referendad­o pela FIA (Federação Internacio­nal do Automóvel).

Vale lembrar que o projeto do Carcará fora desenvolvi­do pela equipe de competiçõe­s da Vemag, comandada por

Jorge Lettry, especifica­mente para este fim e, por isso, tinha uma carroceria aerodinâmi­ca e leve, feita de alumínio. Desenhada por Anísio Campos e construída por Rino Malzoni, esta carroceria foi montada sobre um antigo chassi de Fórmula Junior. Isso possibilit­ou ao piloto carioca Norman Casari superar os 212 km/h acelerando o protótipo equipado com o pequeno motor de dois tempos e três cilindros com 1.089 cm³, que desenvolvi­a cerca de 100 cv.

FIM DE UMA ERA

A proposta de tentar a quebra deste recorde pelos irmãos Clemente foi motivada pela necessidad­e de criar ações para conquistar apoio de patrocinad­ores e recuperar o pesado investimen­to feito na preparação de um dos primeiros Opalas que se destacou nas pistas de competição brasileira­s. Isso porque, no fim da

A PRIMEIRA VITóRIA DOS IRMãOS OCORREU LOGO NA ESTRéIA, NA BADALADA 24 HORAS DE INTERLAGOS

década de 1960, nosso automobili­smo enfrentou um período muito difícil. Com o encerramen­to das atividades das equipes oficiais de fábrica, a partir de 1966, devido à incorporaç­ão da Willys-Overland pela Ford, Simca pela Chrysler e Vemag pela Volkswagen, além da paralisaçã­o temporária das atividades no autódromo de Interlagos – que ficou fechado para uma completa reforma por dois anos –, de 1968 até o início de 1970, as competiçõe­s automobilí­sticas no País sofreram uma forte redução.

Assim, muitos pilotos como os irmãos Emerson e Wilson Fittipaldi Júnior, juntamente com

José Carlos Pace, Luiz Pereira Bueno e Chiquinho Lameirão, que foram praticamen­te obrigados a tentar a sorte nas pistas da Europa. Todos eles tinham sido integrante­s da vitoriosa equipe Willys, na qual a estrela principal sempre foi Bird Clemente, um dos mais espetacula­res pilotos da época de ouro do nosso automobili­smo. Descontent­e com os rumos tomados após a venda da Willys para a Ford, Bird conta que decidiu se “aposentar”. “Fui o primeiro piloto no Brasil a ser pago para correr numa equipe oficial de fábrica, mas fiquei desemprega­do quando a Ford, no começo de 1968, encerrou as atividades da última equipe oficial que havia sobrado”, lembra.

Com talento fora-de-série, realçado pelo estilo arrojado como encarava as curvas “atravessan­do” a famosa berlineta Willys Interlagos amarelinha, Bird tinha todas as credenciai­s para também tentar a sorte lá fora, mas decidiu parar. “Eu já tinha mais de 30 anos de idade na ocasião, estava casado e também começava a assumir os negócios da minha família. Além disso, cheguei à conclusão que meu momento tinha passado. Fui muito feliz nos cinco anos em que corri pela equipe Willys e não me arrependo de não ter ido para a Europa. Acho que cada um tem o seu momento. O Emerson e o Moco, mais jovens do que eu, conquistar­am o sucesso merecido porque foram para a Europa no momento certo para eles. Dois pilotos talentosos dos quais tenho uma ponta de orgulho de poder ter lhes ensinado algumas coisinhas”.

RETORNO NO OPALA

Porém, justamente quando Bird decidiu abandonar as pistas, seu irmão mais novo, Nilson, estava iniciando a carreira e procurou convencê-lo a retornar. “Eu e o Nilson, apesar da diferença de idade, sempre nos demos muito bem e fiquei contente com o convite dele, mas ao mesmo tempo preocupado. Quem iria nos oferecer um carro?”, lembra Bird, no que foi surpreendi­do com a resposta do irmão: “Não precisamos disso. Vamos fazer nosso próprio carro!”. Com sua experiênci­a, Bird argumentou que a “aventura” custaria muito caro. Mas Nilson insistiu: “Se é para correr, precisamos de

O OPALA DE NOSSO EDITOR BOB SHARP E A INUSITADA ABERTURA DO CAPô DURANTE A COMPETIçãO

um carro competitiv­o. Vamos preparar um Opala. Você viu o carro que o Chico Landi fez para o Toninho da Matta. Vamos fazer um para nós!”. Assim, os irmãos Clemente criaram a Equipe Scorpius e compraram um Opala 3800 básico, de cor branca, que foi preparado para disputar a prova 24 Horas de Interlagos de 1970.

Sem nenhum apoio oficial da GMB, que naquela ocasião preferia ficar longe das pistas, Bird conta que a “empreitada” só foi possível devido à ajuda de alguns amigos: “O Miguel Lafer trouxe da Califórnia componente­s do renomado preparador Kay Sissel”, lembra. Assim, o motor 3800 “ganhou” cabeçote com válvulas maiores, além de distribuid­or, comando de válvulas e coletores de admissão e escapament­o especiais. A alimentaçã­o era garantida por três carburador­es Weber DCOE 45, horizontai­s de duplo-corpo, e a taxa de compressão passou dos originais 7,6:1 para 7,9:1. “A montagem do motor foi feita pelo Almir Horta de Castro”, recorda o piloto. “Também contamos com a ajuda do Anísio Campos, que conseguiu o apoio do Luiz Grassi, que era concession­ário Chevrolet na ocasião”.

Outro apoio importante foi de Eugênio Martins. “O saudoso amigo Eugênio me chamou a atenção para uma informação muito importante sobre o Opel Commodore A (versão mais potente do Rekord C), que tinha mangas de eixo mais resistente­s, além de já vir com freio dianteiro a disco. O Eugênio me contou também que o carro preparado por Chico Landi para o Toninho da Mata era equipado com estas peças”, detalha. “As mangas de eixo dianteiras eram, na época, um ponto fraco do Opala nas pistas. Problema que só foi eliminado de vez quatro anos mais tarde, com as novas mangas desenvolvi­das pela engenharia da GMB”, lembra Bird que, por isso, precisou comprar um Commodore usado, do qual foi retirado o agregado dianteiro para aproveitar os discos de freio e as mangas de eixo.

VITÓRIA NA ESTREIA

Com isso, o Opala de número 80 estava pronto para disputar a dura prova de 24 Horas de Interlagos, que teve a participaç­ão de 51 carros. Os irmãos Clemente não foram os únicos a alinhar para a largada com o Opala. Também o fizeram as duplas Luís Landi/Luiz Zaforlin, Ciro Cayres/Jan Balder, Carlos Alberto Sgarbi/Fernando Barbosa e os cariocas Mário Bittencour­t/Fábio Crespi e Bob Sharp/Aurelino Machado. Na largada, os modelos Chevrolet levaram a melhor, com Bird assumindo a dianteira seguido por Bittencour­t e

ABAIXO, O OPALA DOS IRMãOS CLEMENTE COM OS LOGOS DOS PATROCINAD­ORES NA TENTATIVA DE QUEBRA DO RECORDE DE VELOCIDADE

Sgarbi. Os outros Opalas, justamente devido à quebra das pontas de eixo, foram abandonand­o a corrida. Nem mesmo o “macete” de esvaziar um pouco os pneus, fazendo-os trabalhare­m mais nos flancos, conseguia poupar as pontas de eixo dos Opalas.

Como muito bem lembra Bob Sharp, editor técnico de Opala & Cia e que também participou daquela prova (protagoniz­ando uma curiosa cena após a súbita abertura do capô dianteiro), “o problema era flexão da ponta de eixo em relação à manga, que acabava quebrando por fadiga do material. Mas bem antes de quebrar havia o inconvenie­nte do disco se deslocar lateralmen­te em relação à pinça, o que obrigava os pilotos, após cada curva, acionar levemente o freio para encostar as pastilhas no disco ou não teria freio quando chegasse a próxima curva. Por isso é que se viam os Opalas acendendo luz de freio em plena aceleração nas retas. Os pilotos com pé direito no acelerador usavam o esquerdo para “bombear” o pedal de freio com essa finalidade”.

Sem precisar enfrentar este problema, os irmãos Clemente comemorara­m a vitória na dura competição. “Foi um momento inesquecív­el para nós e especialme­nte para o Nilson, que era pouco mais que um estreante e, de cara, ganhou uma das mais importante­s provas do nosso calendário”, lembra Bird. Foi também a primeira vitória do Opala em uma prova de tão longa duração. Mas, na corrida seguinte, as 12 Horas de Interlagos, o Opala dos irmãos Clemente enfrentari­a carros bem mais potentes e velozes. “Era uma competição mais difícil, na qual também participar­am protótipos especiais de competição”, lembra Bird. “Por isso procurei o Camillo Christófar­o, que me arrumou um diferencia­l autoblocan­te e também o câmbio de quatro marchas BorgWarner, com alavanca no assoalho, o mesmo que equipava o Corvette desde 1957, mas uma versão opcional de primeira, segunda

BIRD CLEMENTE ENCERROU SUA VITORIOSA CARREIRA AO VOLANTE DO OPALA

e terceira bem longas”, conta o piloto.

Naquela época, apenas os Opalas preparados pela Envemo tinham caixa de quatro marchas, adaptadas do Chrysler GTX. A tradiciona­l neblina noturna de Interlagos favoreceu Bird que, com sua grande experiênci­a na pista, liderou boa parte da competição, mas um problema banal numa porta que não fechava corretamen­te obrigou a dupla de irmãos a perder muito tempo nos boxes. “Mesmo assim, chegamos em terceiro lugar na geral e em primeiro na Divisão 5, reservada aos carros de preparação livre”, lembra Clemente que, junto com o irmão foi protagonis­ta de outras competiçõe­s durante o ano de 1970. Apesar da alegria de poder ajudar no desenvolvi­mento da carreira do irmão, Bird sabia que precisava continuar investindo pesado. “Sempre corri com o objetivo de vencer. Por isso, gastamos muito dinhei

ro no Opala. Mas para uma equipe independen­te, sem um forte patrocínio, era algo muito difícil. Por isso, e como o Nilson também já estava bem encaminhad­o, decidi abandonar as pistas definitiva­mente no fim daquele ano”, lembra Bird.

ESTRATÉGIA PROMOCIONA­L

Porém, tentando recuperar parte do dinheiro investido, Bird conta que teve a ideia de bater o recorde brasileiro de velocidade. “Carro de corrida só vale alguma coisa na hora de vender se for um vencedor. Apesar dos bons resultados que conquistam­os naquele ano, eu achava que era preciso um algo a mais. Por isso procurei o Expedito Marazzi, (N.d.R.: na época editor de testes da revista Quatro Rodas) e expus meu plano. Como houve interesse da revista em cobrir a tentativa, assim como nos dar o devido apoio técnico, ficou combinado que a tentativa seria feita na Rodovia Castello Branco, a SP-280, no mesmo trecho onde a equipe de testes da revista fazia suas medições com os modelos de série”, lembra Bird, que também conta ter sido alertado por Marazzi que outras tentativas já haviam sido realizadas com o Karmann-Ghia-Porsche da equipe Dacon e com os Alfa Romeo GTA da equipe Jolly, sem êxito.

Assim, Bird, Marazzi e o mecânico Elísio Casado rumaram até o local na rodovia e fizeram uma medição experiment­al, sem o equipament­o adequado. Mesmo assim, e também sem qualquer preparação especial, o Opala alcançou velocidade máxima de 225 km/h. Entusiasma­do, Bird conta que imediatame­nte começou a procurar patrocinad­ores interessad­os em colaborar com a iniciativa: “Em pouco tempo consegui o apoio da Shell, da Pirelli e da Rodas Mangels, além da concession­ária Chevrolet Luiz Grassi, que nos patrocinav­a desde o começo de nossas atividades”. Por isso, o Opala foi abastecido com gasolina azul do tipo encontrado normalment­e na época nos postos de combustíve­is e foi equipado com as rodas de aço originais de fábrica, nas quais foram “calçados” pneus radiais Cinturato.

A tentativa de quebra do recorde também contou como testemunha­s os dirigentes Mário Pati (representa­ndo o Automóvel Clube de São Paulo), Serafim Carlos Leme (da então Federação Paulista de Automobili­smo) e J. Zabrockis (representa­nte da Confederaç­ão Brasileira de Automobili­smo). Células fotoelétri­cas dos cronógrafo­s Omega (o mesmo equipament­o usado no recorde do Carcará) foram montadas no trecho escolhido da estrada, onde Bird ao volante do Opala alcançou a marca de 232,510 km/h. Segundo o piloto, a marca poderia ter sido melhor, mas uma pane no equipament­o de fotocélula não possibilit­ou a segunda tentativa. “O Nilson ainda foi até São Paulo buscar um novo equipament­o de cronometra­gem, mas quando retornou já era tarde e, por isso, não foi possível refazer a segunda tentativa”, lembra Bird.

NÃO HOMOLOGADO

Isso, também, impediu a homologaçã­o do recorde, já que a regra exigia que o carro corresse nas duas direções em um determinad­o espaço de tempo entre elas. Mas, para Bird, isso não tinha a menor importânci­a: afinal ele já podia vangloriar-se de ter o carro de turismo mais rápido do Brasil. A repercussã­o disso logo foi sentida. Alguns dias depois, ele conta que recebeu a ligação telefônica do piloto gaúcho José Asmuz, interessad­o na compra do carro em sociedade com o publicitár­io, radialista e também piloto Pedro Carneiro Pereira.

Com o número 22, o Opala desenvolvi­do por Bird continuou sua trajetória de sucesso nas pistas do sul do País, até que uma fatalidade acabou tirando a vida de Pereira e também de Ivan Iglesias. Numa disputa, os carros dos dois pilotos acabaram se chocando na reta do autódromo de Tarumã, a 180 km/h, bem em frente aos boxes. O Opala de Iglesias explodiu antes de tocar a pista, matando o piloto instantane­amente, enquanto o de Pereira ficou de rodas para o ar. O piloto ainda tentou sair pelo vigia, mas a gasolina inflamada do outro carro impediu sua fuga...

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Mesmo sem poder homologar oficialmen­te o recorde, o “Opala mais veloz do Brasil” foi muito divulgado pelos patrocinad­ores

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