IMPORTADO
FABRICADA NA ARGENTINA, esta pick-up CHEVROLET C-10 era denominada Brava e equipada com o clássico motor seiscilindros IDÊNTICO AO DO NOSSO OPALA
Achamos rodando no Brasil uma curiosa picape C-10 produzida na Argentina
Intrigante. É como pode ser definida a história desta picape Chevrolet C-10 fabricada na Argentina, no fim da década de 1960, mas que veio parar no Brasil muitos anos antes de ser viabilizado o acordo que criaria o Mercosul. Afinal, numa época em que Argentina e Brasil se esforçavam para implantar e consolidar suas indústrias automobilísticas, não era nada comum a “troca” deste tipo de mercadoria. Na verdade, existia naquela ocasião uma acirrada disputa entre a indústria argentina e a brasileira, semelhante a que se vê no futebol envolvendo times e seleções dos dois países. Por isso, inclusive, era mais fácil, talvez até mesmo mais barato, trazer o mesmo modelo dos Estados Unidos do que do país vizinho.
Vale lembrar que o mercado brasileiro também já tinha sua própria versão da picape Chevrolet C-10, com preço bem mais acessível do que um modelo similar que precisava recolher as devidas taxas de importação. Isso provoca mais curiosidade ainda sobre detalhes de como este modelo C-10, ano 1968, veio para o Brasil. O carro pertence atualmente ao paulistano Frederico “Fred” Ebel, que relata ter comprado o raro modelo em 2010. Ainda segundo Fred, o antigo proprietário, que mora em Santo André (Grande São Paulo), só soube informar que a picape estava com sua família há muitos anos e que o pai dele utilizava o utilitário normalmente na cidade de Londrina (PR), onde moraram no passado.
ORIGEM AMERICANA
Ao contrário da Chevrolet C-10 brasileira, que teve o desenho da carroceria desenvolvido aqui pela engenharia da GMB, o modelo argentino era o mesmo fabricado nos Estados Unidos. Provavelmente isso se devesse à maior flexibilidade nas exigências do governo do país vizinho com relação aos índices de nacionalização do que o regime automotivo brasileiro, o que possibilitava
Verdadeiro mistério de como veio parar em nossas ruas, a picape conserva todo o charme e a originalidade de época
NãO TãO EXIGENTE QUANTO O BRASIL NA QUESTãO “NACIONALIZAçãO” A ARGENTINA TINHA A MESMA CARROCERIA DO MODELO AMERICANO
importar parte dos componentes como, por exemplo, a carroceria. O objetivo era de reduzir os custos da produção na Argentina, que tinha escala bem menor do que os da fábrica brasileira da GM. Isso porque o mercado argentino, na ocasião, já era bem menor do que o nosso.
O modelo que ilustra a reportagem é da segunda geração da linha C-10, lançada no mercado americano em 1967 com o slogan publicitário “Action Line”. Por sinal, a primeira geração da C-10 americana, que fora lançada nos Estados Unidos em 1960, também foi montada na Argentina no começo dos anos sessenta, onde foi denominada Apache. Mesma denominação do modelo lançado no mercado americano em 1955 e que, no Brasil, acabou sendo popularmente conhecido por “Martha Rocha”. Isso era uma alusão aos para-lamas dianteiros protuberantes que remetiam às famosas “duas polegadas a mais” nos quadris da bela baiana Miss Brasil 1954, que acabaram por lhe tirar o título de Miss Universo e deixá-la em segundo lugar no concurso realizado em Long Beach, na Califórnia.
Já a segunda geração da C-10 argentina começou a sair da linha de montagem localizada em San Martin, província de Buenos Aires, em 1968, mas com índice de nacionalização bem maior do que a versão anterior. Denominada Brava, a nova picape era oferecida com duas opções de motorização. Curiosamente, os mesmos motores Chevrolet que equiparam o Opala 3800 e 4100 cm³. Este também foi utilizado no Chevrolet 400, versão argen
O BANCO INTEIRIçO E O CâMBIO DE TRêS MARCHAS NA COLUNA DE DIREçãO PERMITEM ACOMODAR ATé TRêS OCUPANTES NA CABINE
tina do Chevy II Nova. Outra novidade da Brava foi a adoção do diferencial com tração positiva “Posi-Trac”. Este modelo foi fabricado na Argentina até 1974, quando foi substituído pela terceira geração da C-10 americana. Esta, entretanto, foi produzida somente até 1978, quando a GM decidiu encerrar suas atividades no país vizinho.
Ao interromper suas atividades de produção, a GMA (General Motors de Argentina) detinha apenas 2% de participação no mercado local. De 1960 e 1978, a empresa produziu 207 mil veículos comerciais, sendo maior parte da linha C-10, mas também montou caminhões e ônibus, além de 195 mil automóveis como o Chevrolet 400, Chevrolet Chevy (versão do Chevy Nova lançado no mercado americano em 1968) e Opel K-180, modelo idêntico ao nosso Chevette 4-portas, mas que lá era equipado com o motor de quatro cilindros do Opala reduzido para 1.797 cm³. A GM só retomou a produção na Argentina quase vinte anos depois, em 1997, na nova fábrica de Alvear, província de Rosário, onde monta atualmente o Chevrolet Agile, importado atualmente para o Brasil.
ALEGRIA DA GAROTADA
É bem provável que a rara C-10 da re
portagem tenha sido importada legalmente, já que na ocasião isso era permitido, apesar de o modelo similar nacional ter preço mais atraente. Independente de como tenha entrado no Brasil, trata-se de um modelo exclusivo, mais devido à sua origem, principalmente por não ter sido fabricada nos Estados Unidos. A picape de Fred se destaca também pela suspensão traseira com molas helicoidais e a caçamba Fleetside. O motor é o mesmo seis-cilindros do Opala, com 4.100 cm³. A caixa de câmbio manual de três marchas tem alavanca na coluna de direção. O utilitário está bem original e realmente merece a placa preta como veículo de coleção.
Mas nem por isso seu proprietário a trata como um “bibelô” intocável, protegido numa redoma de vidro. “Esta picape é o grande xodó dos meus filhos, que adoram o carro. Sempre a usamos para carregar nossas bicicletas quando vamos passear juntos, em parques públicos, aos domingos. Muitas vezes, costumamos ir juntos, em comboio, com vários amigos. E aí sai até briga para saber quais as três crianças de sorte que irão ou voltarão comigo na C-10, que tem banco inteiriço”, encerra Fred.