O centenário da marca alemã Opel no mercado brasileiro
OS MODELOS COMEÇARAM A SER COMERCIALIZADOS da marca germânica FAZENDO SUCESSO aqui em 1912 e até hoje, agora batizados como Chevrolet, continuam
Amarca alemã Opel está diretamente associada ao desenvolvimento dos modelos da família Chevrolet brasileira. Do Opala ao Omega, do Chevette ao Corsa, do Monza ao Vectra, do Kadett ao Astra, da Meriva a Zafira, todos eles com projeto originado no departamento de engenharia da fábrica de Rüsselsheim, embora a concepção da Meriva, um monovolume aproveitando a plataforma Corsa, seja brasileira, o que chegou a gerar ciúmes da engenharia da Opel, que reivindicou o desenho. Mas a comercialização dos modelos Opel no Brasil é bem mais antiga e foi iniciada há exatamente cem anos. Tudo começou em 1912, quando o imigrante alemão Willy Borghoff, que havia chegado ao Rio de Janeiro em 1909, constituiu sociedade com Antonio Lourenço dos Santos para a abertura da empresa Borghoff, Santos & Co., instalada na Av. Rio Branco, 45, da então capital federal.
Borghoff, que fora piloto de motocicletas na Europa, também era um automobilista pioneiro e com seus conhecimentos mecânicos passou a importar os modelos da Opel. Os primeiros veículos da marca alemã ainda tinham influência técnica da Darracq, empresa francesa que havia transferido tecnologia para a Opel. O motor de quatro cilindros em linha, de arrefecimento por água e termosifão, vinha com o rudimentar sistema elétrico por magneto e embreagem cônica de couro. O câmbio de quatro marchas não era sincronizado e o chassi tinha suspensão por feixes de mo
las, direção por setor e rosca sem-fim, freios a tambor nas quatro rodas, que eram de madeira e nas quais vinham montados pneus Excelsior.
ESTRATÉGIA ARROJADA
Os carros vindos da Alemanha chegavam ao porto do Rio de Janeiro já montados, inclusive com óleo no motor e no câmbio, e após a liberação na alfândega, só necessitavam da colocação de água no radiador e de gasolina no tanque para rodar. Mas o automóvel era na época um luxo caro, que poucos brasileiros podiam pagar. Como já havia uma forte concorrência de importadores de outras marcas, o mercado da capital federal rapidamente ficou saturado. Vale lembrar que, no fim de 1911, haviam registrados no Rio de Janeiro apenas 711 táxis, 382 automóveis particulares e 146 caminhões.
Mas Borghoff tinha planos arrojados e desenvolveu uma estratégia para ampliar as vendas no Brasil: passou a despachar as unidades excedentes para os portos de Salvador, Porto Alegre e de Santos. Desta forma, começou a vender os modelos Opel em outras capitais brasileiras. Depois de desembarcar os veículos na cidade escolhida, mandava colocar anúncios nos jornais com o seguinte texto: “Por volta dos dias 10 a 15 deste mês visitará esta cidade o vendedor do famoso carro alemão Opel. Ele fará demonstração pública das qualidades do veículo e estará à disposição dos interessados em adquirir”.
Assim, na data programada, o próprio Borghoff viajava para a cidade escolhida e dirigia-se até a alfandega para liberar os carros, quando tinha que pagar dois terços do valor do imposto em ouro e o restante em moeda corrente. Depois, em um local previamente programado, fazia a demonstração para vender os carros, algo que na época era um verdadeiro acontecimento na cidade. As vendas eram feitas à vista e em dinheiro vivo, sem qualquer tipo de parcelamento. Assim, somente os muito ricos tinham a possibilidade de comprar um automóvel na época.
CONQUISTANDO A PRAÇA
Ainda em 1912, os táxis do no Rio de Janeiro passaram a ser equipados com taxímetro, que foi instalado em 1.613 veículos. Uma demonstração de que o número de carros de aluguel havia dobrado em apenas um ano. Isso que chamou a atenção de Borghoff, que decidiu conquistar os motoristas profissionais para a marca Opel desenvolvendo
um curioso plano de pagamento a prazo. Mas esse tipo de venda, exclusivo para os motoristas de táxi, só era feito no começo do ano e antes do carnaval.
O “chauffeur” escolhia o modelo Opel na loja de Borghoff (mas que devia ser sempre um modelo aberto de seis lugares) podendo pagar uma parte do valor e o restante ele assinava uma nota promissória, que só precisaria resgatar a partir da quarta-feira de cinzas. Isso era possível porque, na época, era moda alugar um carro aberto para desfilar durante as festividades, algo muito apreciado pelos janotas ricos do início do século 20. O custo desse tipo de serviço era tão elevado que, dias depois, os motoristas de táxi cariocas tinham dinheiro suficiente para pagar o restante da dívida. E, desta forma, Borghoff aumentou o número de modelos Opel na praça.
Assim, em pouco tempo, Borghoff tornou-se uma figura muito conhecida no Rio de Janeiro e até o inventor Alberto Santos-Dumont se tornou amigo do comerciante alemão. Mas em 1914, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, a importação de automóveis europeus, que até então dominavam o nascente mercado brasileiro, foi tremendamente prejudicada e teve inicio o domínio dos modelos americanos, inicialmente com o Ford Modelo T, e que duraria até meados da década de 1960, quando se consolidou a indústria nacional.
NOVOS NEGÓCIOS
Para sobreviver, a empresa de Borghoff redirecionou suas atividades para os serviços de oficina e a importação e comércio de autopeças,
O OLYMPIA FOI RECEBIDO COM FESTA NA RIO 1936 CIDADE DO DE JANEIRO EM
enquanto a importação dos modelos Opel, que ficou parada durante a guerra, acabou sendo gradativamente reduzida durante a década de 1920, quando a Ford e a General Motors iniciaram a montagem de modelos CKD (trazidos desmontados) no Brasil, o que diminuiu drasticamente o espaço para os modelos importados das marcas europeias. Assim, no fim dos anos vinte, Willy Borghoff desistiu de importar os modelos alemães.
Na mesma ocasião, os irmãos Carl e Wilhelm Opel decidiram transformar a empresa, até então familiar, em sociedade anônima. E, quando eles anunciaram a venda de 80 % das ações da empresa para General Motors, em 1929 (mesmo ano em que entrou em funcionamento a fábrica da GMB em São Caetano do Sul, SP), provocaram uma grande comoção nos setores ultranacionalistas germânicos, especialmente no ainda então incipiente Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP). Isso acabou dificultando, posteriormente, o relacionamento da família Opel com o ditador Adolf Hitler.
VIAGEM NO HINDENBURG
Como a Borghoff, Santos & Co. havia desistido de vender automóveis, os modelos Opel passaram a ser trazidos pela empresa Theodor Willie & Cia,
A OPEL 1950 RETORNOU AO MERCADO BRASILEIRO NO COMEçO DA DéCADA DE
O OPEL KADETT CHEGOU A SER TRAZIDO POR IMPORTADORES INDEPENDENTES DURANTE A DéCADA DE 1960
que também tinha sua sede no Brasil na cidade do Rio de Janeiro. O retorno oficial da marca alemã ao mercado brasileiro ocorreu em abril de 1936 e de maneira espetacular, por ocasião da pioneira viagem transatlântica do LZ 129 Hindenburg – o maior dirigível até então construído pela Luftschiffbau-Zeppelin – e que fez escala na então Capital Federal. Para grande surpresa dos cariocas, o Hindenburg (o mesmo que no ano seguinte incendiaria em Lakehurst, Nova Jersey, EUA), trouxe no compartimento de carga um modelo Opel Olympia verde claro conversível. Além disso, era a primeira vez no mundo que um automóvel era aerotransportado.
Após ser descarregado da aeronave, o carro trafegou pelas ruas do Rio de Janeiro “protegido” por batedores da polícia em motocicletas e seguido por uma carreata com personalidades da época. Segundo consta, este foi o Opel de número 500 mil fabricado em Rüsselsheim, tendo o modelo sido assim denominado em alusão aos Jogos Olímpicos de Berlim de 1936. O carro ficou em exposição no salão da Theodor Willie & Cia, que vendeu muitas unidades do Olympia até estourar a Segunda Guerra Mundial, quando novamente as importações foram paralisadas. Por isso, somente no começo dos anos cinquenta os modelos Opel voltaram a ser comercializados no Brasil, tanto trazidos pela própria GM como por importadores particulares. E rapidamente a marca voltou a recuperar mercado, especialmente o modelo Kapitän, mesmo que no princípio ele ainda mantivesse o estilo pré-guerra. Posteriormente, sua carroceria foi reestilizada, com desenho inspirado nos modelos da GM americana.
Assim, os modelos Opel continuaram normalmente sendo comercializados no Brasil até o fim da década de 1960, mesmo após o governo do presidente Juscelino Kubitscheck por em prática, a partir de 1956, o plano que incentivou o estabelecimento da indústria nacional de automóveis e que acabou criando novas normas para a importação de veículos montados. Na ocasião, o governo estipulou um valor máximo para a importação de automóveis de passeio. Na primeira metade
O OPEL REKORD A TAMBÉM TEVE ALGUMAS UNIDADES IMPORTADAS NO COMEÇO DOS ANOS SESSENTA
dos anos sessenta este valor era de US$ 3,5 mil FOB (Free on Board, ou seja, contabilizando todas as despesas até o carro ser embarcado no navio). Além disso, era necessário pagar as elevadas taxas para internar o carro no País.
SUBSTITUIDO PELO OPALA
Quando o governo militar assumiu o poder, em março de 1964, houve certo relaxamento nas normas para a importação, inclusive referente ao valor FOB, que perduraram até 1976. Assim, por volta de 1967, dois anos antes do lançamento do Opala, ainda era possível importar um Opel Rekord C, zero-quilômetro, já que ele não ultrapassava o valor FOB de US$ 4 mil estipulado pelo novo governo. Em São Paulo, duas empresas importavam regularmente o Rekord C: a Petrolauto, que vendia o modelo da Opel, com diversos acessórios opcionais por NCr$ 25 mil. Já a Autobrasil trazia a versão mais luxuosa, Commodore A, por NCr$ 27 mil. Na mesma época um Galaxie 500 novo, já fabricado no Brasil, era vendido nos revendedores Ford por NCr$ 22 mil, enquanto modelos similares importados dos Estados Unidos, como o Chevrolet Impala ou Oldsmobile Cutlass, não custavam menos de NCr$ 38 mil.
Em 1969, quando o Galaxie já custava NCr$ 31 mil, o Opala foi lançado no mercado brasileiro com preços a partir de NCr$ 16 mil. Isso inviabilizou a importação do Rekord C. Mesmo assim, os importadores partiram para um modelo mais barato da linha Opel: o Kadett B que, na versão fastback, chegou ao Brasil em quantidades razoáveis na segunda metade dos anos sessenta. A importação dos modelos Opel perdurou até 1976, mas em escala bem reduzida, sendo preferidas nos anos setenta as versões esportivas Opel Manta e também o charmoso 1900 GT, mas do qual foram trazidas poucas unidades pela Morganti Importação. A partir de então, a importação oficial de veículos para o País só foi restabelecida em 1990. Na ocasião, a GMB, voltou a importar modelos da linha Opel como o Calibra (1994/96), o Astra (1995/96) e o Tigra (1998/99), mas utilizando a marca Chevrolet para “rebatizá-los”.
ESTA CURIOSA VERSãO SEDã COM DUAS PORTAS FOI EXCLUSIVA DO REKORD C