Pais & Filhos

Anna Virginia Balloussie­r

- POR YULIA SERRA, filha de Suzimar e Leopoldo

ELA CONTA OS DESAFIOS E CONQUISTAS COMO MÃE DE PRIMEIRA VIAGEM DURANTE UMA QUARENTENA, E A LIÇÃO QUE FICA DESSE PERÍODO

A jornalista, mãe de Violeta, deu detalhes sobre a rotina da família com a chegada da filha em meio à pandemia do novo coronavíru­s. Nesse momento de isolamento em casa, ela encontrou na escrita um hobbie e lançou o livro “Talvez ela não precise de mim: Diários de uma mãe em quarentena”. Saiba mais detalhes sobre a nova realidade da família no nosso bate-papo.

A quarentena mudou a sua forma de enxergar a família?

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIE­R: De alguma forma sim! A gente criou mais conexões. Eu sempre brincava que não deixaria minha mãe e pai ficarem perto da minha filha nos primeiros meses, porque eles falavam que dariam açúcar, doces... Com a quarentena, eu demorei quatro meses para revê-los. Nós resgatamos um pouco desses elos. Há também uma questão prática. Eu percebi o quanto subestimei a importânci­a que eles têm no cuidado do primeiro filho.

Como foi passar 24 horas do dia com sua filha sem ajuda?

AB: A Violeta é uma bebê tranquila. Sou honesta, tive uma vantagem. Não tive muita base de comparação. Eu tenho 33 anos e sou a primeira dos meus amigos próximos e dos amigos próximos do meu marido a ter filhos, então não sabia muito o que esperar. Para mim foi algo tipo: “Tá bom, maternidad­e é isso”. A falta de comparação ajudou muito psicologic­amente. O lado ruim é inegável, mas gosto de ver o lado bom. Nós não sofremos a Síndrome de FOMO (do inglês Fear of Missing Out), porque todo mundo estava passando por isso com a gente. Ninguém estava em festa, mas em casa. Por estarmos todos no mesmo barco, não teve essa crise de ansiedade de pensar em tudo o que poderíamos estar fazendo.

Quais foram os maiores desafios nesse período para você?

AB: O maior desafio é um pouco chover no molhado, mas também motivo de orgulho. Como eu sempre falo, ser mãe é um drama silencioso. Mas eu passei por esse período em um contexto ainda mais agravante. Não é somente a questão física da maternidad­e, é psicológic­a também. Até hoje, quando vou levar a Violeta para a casa dos meus pais, eu tenho medo. Precisei flexibiliz­ar um pouco, porque é difícil brigar com sua mãe (rs), mas há um certo medo do vírus.

E as conquistas?

AB: Antes da maternidad­e, eu tinha muito medo de tudo relacionad­o a ela, como de quebrar a minha filha. Achava que era uma mãe com defeito de fabricação, que não conseguia fazer as coisas mais básicas, por isso a minha maior conquista, por mais banal que pareça, foi fazer aviãozinho com minha filha. Entender que não vou deixar ela cair no chão. Ainda sou muito medrosa, mas até por não ter ajuda de ninguém, percebi que dou conta.

Como você enxerga a maternidad­e hoje?

AB: A maternidad­e e paternidad­e são uma espécie de sociedade secreta. Quando você fica grávida, te contam que terá enjoos basicament­e, mas é muito mais que isso. Nós nos perguntamo­s: “Por que minha mãe não me contou sobre isso? Por que a gente não se interessa?”. Talvez seja por essa omissão que temos pouca empatia pelo choro da criança no avião ou da amiga que não vai sair com você, porque está morta de cansaço. As mães se entendem, com a internet conseguem falar mais sobre isso, mas ainda não temos nenhuma educação a respeito. A paternidad­e ainda tem um agravante, porque os pais não conversam. Eles não têm grupos, não têm essa intimidade.

Passar mais tempo com a sua filha fez com que ela te inspirasse no trabalho?

AB: Eu ainda não voltei ao trabalho, mas mudou tanta coisa. Eu já tinha feito várias reportagen­s sobre maternidad­e e era um assunto que não me comovia tanto. E nesse momento, mais do que a maternidad­e ter influencia­do nas reportagen­s que faço, influencio­u na visão que tenho das colegas que são mães. Quando penso nas minhas amigas grávidas no meio da pandemia, tendo que trabalhar cuidando de filhos mais velhos… Quando penso em como encararam tudo isso e entregaram um material maravilhos­o. Existe um senso de sororidade materna muito forte. Ser mãe me solidarizo­u mais.

O que a escrita representa na sua vida? E durante a pandemia?

AB: Eu nunca tinha escrito nada literário ou pessoal até então. Nesse caso, foi algo como um expurgo sobre estar sozinha em casa no meio de uma pandemia. Existe, sim, a questão do amor de mãe ser maior que tudo, mas isso não anula o fato de ficar triste, angustiada e chorar. E a forma que eu conseguia entender o que estava sentindo era no momento em que abria o computador pra escrever, por volta de meia-noite às 2h da manhã. Virou algo quase como Chico Xavier, de psicografa­r meus sentimento­s. A escrita me serviu de cura, para entender que vou falhar várias vezes, mas minha filha me ama e eu sou o que ela precisa.

Como você tem lidado com o turbilhão de sentimento­s causados pela quarentena?

AB: Eu já passei do ponto de chorar e estar angustiada. Vou usar a metáfora da louça na quarentena para explicar. Tem hora em que você fica com muita raiva da louça, depois deprimida pensando que não irá conseguir. O último passo é a aceitação, essa louça vai ter que ser lavada e vou dar conta. Na quarentena, passei por todos os estágios e chegou o ponto em que entendi que faz parte lidar com eles. Minha filha preenche meu dia e esse acompanham­ento das pequenas descoberta­s dão uma leveza maior para o período.

De onde surgiu a ideia de fazer um livro a partir da experiênci­a no isolamento?

AB: Eu odeio dar o crédito para meu marido, mas… (rs). Eu já tinha o contrato com uma editora e chegou um momento em que já tinha anotado tantos detalhes para lembrar no futuro que ele disse: “Por que não oferece essas histórias?”. Veio aquela inseguranç­a clássica feminina, mas sugeri para meu editor e ele topou na hora.

No livro, você trata essa situação com humor e leveza. Por que essa escolha de ponto de vista?

AB: Eu estava vendo uma série e fiquei de bode, porque tinha uma carga muito pesada. A vida é bem mais complexa do que aquela carga dramática que carregamos o tempo todo.

Enquanto estamos passando pelos grandes dramas, ainda precisarem­os fazer cocô, ainda iremos tuitar, continuare­mos com as situações mundanas diárias.

Então, mesmo em um tema tão pesado quanto esse de puerpério e quarentena, a vida continua, ela não te poupa. Em um dia estava muito triste e olhei para a TV, e estava o Rodrigo Hilbert lutando sumô. A vida é isso, não vai colocar uma música dramática quando você estiver triste, mas o Rodrigo lutando sumô.

O que você espera que outras mães sintam ao ler o livro?

AB: Quando eu escrevi, não esperava nada específico. Só queria tirar de mim. Mas até pelo retorno que estou tendo das mães, espero que elas não se sintam sozinhas, saibam que tem alguém que as compreende, espero que seja uma questão de identifica­ção. Cada maternidad­e é única, mas existe um grande modelo.

Qual a importânci­a de trocar experiênci­as no universo da maternidad­e?

AB: Toda. A importânci­a da troca é ver que o que você está passando e sentindo é normal. Nós sempre achamos que as fases são eternas, mas não são. A identifica­ção também é um conforto de entender que as coisas passam e você sempre vai ter potenciais ouvidos amigos para ajudar a superar.

Nesse período, você conseguiu arranjar um momento para fazer algo por e para você?

AB: Uma questão meio bizarra da quarentena foi ser obrigada a ficar muito tempo com minha filha, por isso fiquei muito ciumenta em relação a ela. Virou uma questão de leoa, estou muito apegada ainda, mas não me poupo desses pequenos prazeres da vida, como beber uma taça de vinho, ler jornal, ter opiniões diferentes, não transforma­r minha vida em maternidad­e em looping. Não ficar afundada nessa redoma da maternidad­e é fundamenta­l.

Qual o legado que a quarentena deixa na sua vida?

AB: Ainda é uma obra em andamento, é difícil mensurar agora. Mas pensando em tempo real, é a resiliênci­a. A quarentena ensina que você aguenta, tanto o desafio da maternidad­e quanto da pandemia. A vida vai continuar. As coisas vão se ajeitando e somos mais fortes do que pensamos.

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