RETURNAL
A primeira grande amostra do real poder do PlayStation 5
Selene é uma astronauta que cai em um planeta desconhecido e precisa achar um meio de escapar. Porém, ela descobre que há problemas ainda maiores a enfrentar ao encontrar um cadáver que é ela mesma nesse território misterioso. Além disso, conforme avança em sua busca por respostas, a norte-americana acha vários arquivos de áudio, gravados com sua própria voz e que falam das tentativas de escapar que deram errado. E aí, se ela morre em sua busca, logo está de volta ao momento da queda da nave no planeta, com consciência de que já passou por isso antes. A protagonista está presa em uma sequência interminável em um ambiente mutante e não consegue escapar.
Returnal é um roguelike de luxo, o que combina perfeitamente com essa história e vice-versa. Morrer faz você recomeçar o ciclo sem as armas e poderes que conquistou na tentativa anterior (exceção para uma meia dúzia de upgrades fixos de travessia) e a ordem das salas é diferente. Os cenários não são exatamente procedurais – fica claro que existem cerca de 30 ou 40 salas feitas para cada um dos seis biomas e umas 15 ou 20 são usadas em cada tentativa –, mas os inimigos nelas podem mudar, além dos itens disponíveis, entradas de bônus etc. Isso é de propósito, afinal, você só vai se sentir preso em uma sequência se ela oferecer minimamente uma sensação de repetição equilibrada com novidades.
A parte "de luxo" é porque, ao contrário da imensa maioria dos jogos do gênero, este não é visto de cima ou em 2D. É um jogo de tiro 3D com cheiro e preço de grandes produções, o primeiro roguelike desse tipo. Mais do que isso, esse também é o primeiro jogo com cara de nova geração para valer. Afinal, Demon’s Souls usa muito bem as características do PS5, mas por baixo do capô ele ainda é o clássico de PS3, e Destruction All-Stars não conta.
NOVA GERAÇÃO
De certa forma, meu tempo jogando Returnal foi semelhante a estar preso nesse mundo.
Não há a opção "Salvar e Sair" aqui. Desligar o jogo encerra a tentativa atual, o que é tranquilo caso esteja no comecinho de uma tentativa, mas se estiver no meio de uma jornada de uma ou duas horas e precisar desligar, Returnal avisa da única alternativa: deixar o PS5 em modo de descanso sem fechar o jogo.
Nos cinco dias que dediquei para escrever o review, fiquei totalmente preso a Returnal. Cada tentativa não dá tempo para descanso e, ao morrer, não há loading: a tela já corta para a nave caindo novamente.
RETURNAL É O PRIMEIRO ROGUELIKE DE LUXO, UMA SUPER PRODUÇÃO NA FORMA DE JOGO DE TIRO 3D COM BOA NARRATIVA
DIVERSAS CRIATURAS DO MUNDO DE RETURNAL ALCANÇAM A ESTRANHEZA NECESSÁRIA PARA UMA RAÇA ALIEN
Com a necessidade de avançar para escrever a tempo, o jeito era tentar de novo. Returnal pode ser muito tenso e, dependendo dos perrengues que você passa enquanto avança, vem um cansaço da pura tensão de evitar morrer em uma luta contra chefe ou em uma sala difícil. Na hora de dar um tempo, a solução era desligar o PS5 com o jogo aberto e, quando eu voltava a ligar o console, não havia escapatória: o jogo já estava me esperando. Lá estava eu de volta ao ciclo, tentando chegar ao final, como se nunca tivesse parado. Não dava para jogar outra coisa para relaxar – Nier Replicant estava instalado há dias, sem nunca ser iniciado, porque Selene e eu estávamos presos em um mundo terrível.
E não é uma boa ideia jogar o game da Housemarque de qualquer jeito. Ele é difícil e exige muita atenção. Não é daqueles para jogar enquanto ouve música ou sequer é o bastante jogar com o som saindo pela TV. Returnal usa o novo áudio 3D do PS5, que, por enquanto, só fica disponível ao espetar fones de ouvido no DualSense ou ao usar o headset Pulse 3D. Alguns jogos que usaram isso até agora oferecem uma imersão um pouquinho superior a do áudio comum (o Call of Duty mais recente é o melhor exemplo), mas Returnal é um marco no console. O design de áudio é um dos melhores e mais envolventes que já ouvi.
Em conjunto com o áudio, vem outra característica do PS5 vital para a imersão: o DualSense. O trabalho do controle é constante, com todo tipo de vibração diferente nos tiros e em lugares diferentes – alguns portais o fazem balançar constantemente de um jeito que faz um barulho considerável e claramente ouvido por quem está sem fone. Trabalhando lado a lado com os detalhes de áudio, o controle é a peça final para a imersão incrível de Returnal. É difícil explicar como esses estímulos extras na audição e no tato ajudam o jogador a ficar mais focado, mas agora estou certo de que todas aquelas promessas do Mark Cerny não eram exageradas.
Também surpreendem funções mais práticas, que influenciam o gameplay com o DualSense. No caso, é o uso do botão ™. Em Returnal, ele é dividido em duas partes: pressione o botão até a metade da profundidade para mirar; se afundar com mais força para passar dessa barreira, ele ativa a mira do tiro secundário, que é um ataque mais poderoso que só pode ser usado de vez em quando. Isso funciona muito bem
na prática – a não ser que você esteja muito desesperado e sem controle dos seus movimentos, não vai usar sem querer o tiro secundário no lugar da mira normal. Ter um botão transformado em dois, sem muita margem para erro nas funções, é uma ótima ideia que pode ser aplicada em muitos jogos.
Para completar o pacote da nova geração, temos a ausência de loadings (eles existem, mas são disfarçados em ágeis telas pretas que não passam de dois segundos ao entrar em uma área nova ou ao recomeçar o jogo) e o lindo visual que aguenta 60fps em boa parte do tempo (com quedas perceptíveis em alguns biomas). Com tudo isso, Returnal se torna a maior vitrine da nova geração até agora. Pelo menos até Ratchet & Clank: Rift Apart, que parece um filme jogável da Pixar, chegar em junho.
MÃOS SUANDO
Com a parte técnica ajudando muito, só resta eliminar os alienígenas hostis e encontrar respostas, e isso não é fácil. Os inimigos atacam principalmente com projéteis – uns mais
rápidos, outros menos, o que pode causar belos mosaicos de tiros na tela, quase como um bullet hell 3D – mais ou menos como acontece em Nier Automata. Para lidar com isso, você só carrega uma arma; sempre começa com uma pistolinha, mas encontra outras em baús ou ao derrotar inimigos fortes, e tem que decidir se troca ou não.
Tirando a pistola, todas armas têm design alienígena, mas suas funções são o básico de qualquer jogo de tiro. Tem o padrão de tiro de escopeta, rifle de assalto, metralhadora, lança-granadas, lança-mísseis... Só uma ou outra são um pouco diferentes, como uma que atira três projéteis que acertam o alvo e voltam para a arma antes de serem disparados novamente
(ou seja, quanto mais próximo do alvo, mais rápido você atira). Toda arma tem características bônus aleatórias, também. O rifle tem
uma ótima cadência de tiro, porém ele pode vir com uma característica chamada Alto Calibre, que diminui bastante a cadência, mas deixa cada tiro mais forte. Aí vai da sua preferência para encontrar a arma ideal – eu odeio esse Alto Calibre, por exemplo, pois estraga o propósito do rifle.
Também há vários tipos de itens que dão bônus e/ou fraquezas ativas e passivas para o personagem. E aí vira aquele elemento de sorte dos jogos desse tipo. Será que essa é a tentativa em que tudo vai dar certo? Uma run que começa mal pode melhorar com bons itens e inimigos que você sabe enfrentar melhor, até ficar mais e mais tensa conforme você se aproxima da vitória. Do mesmo jeito, uma tentativa que começa
HÁ VÁRIOS ITENS E BAÚS INFECTADOS NO JOGO, QUE CAUSAM EFEITOS NEGATIVOS EM SELENE. VOCÊ PODE PURIFICÁ-LOS USANDO ÉTER
ótima, mas que passe por um erro de cálculo pouco antes do chefe, torna-se um pesadelo. Será que você vai ter a calma necessária para finalizar a área? É esse tipo de dúvida que o acompanhará a todo momento.
Uma tentativa até o final pode durar horas e a tensão só aumenta. Cada morte dá uma sensação muito menos "descartável" do que outros
roguelikes, como Dead Cells ou o popular Hades (que ainda não está disponível no PlayStation). Talvez por não haver tanto controle sobre o que está acontecendo no cenário 3D em relação à visão isométrica dos outros jogos, ou só porque os inimigos batem bem forte e as melhorias muitas vezes vêm em troca de fraquezas para que você não fique forte demais.
A FÓRMULA DO CICLO VICIOSO
É a soma de tudo isso aí que faz Returnal ser um roguelike que dá muito certo. Todos os elementos do PlayStation 5 funcionam incrivelmente bem juntos, o que aumenta sua imersão e o deixa mais investido em ter uma boa atuação, o que aumenta o medo de errar contra o desafio relativamente alto, que por sua vez aumenta a tensão a níveis enormes quanto mais tempo você sobrevive.
E quanto mais você sobrevive, mais descobre sobre a história e avança em busca de respostas (pequeno spoiler: chega uma hora em que você não precisa recomeçar do primeiro bioma de todos), o que aumenta sua curiosidade e assim, mesmo que você acabe falhando naquela tentativa, está pronto para tentar novamente, para chegar ao centro da loucura enigmática de Returnal, recomeçando todo esse ciclo de imersão, tensão e curiosidade. Que bela fórmula!
Só gostaria que tivesse um pouco mais de variedade em certos aspectos. Os inimigos aéreos não são muito diferentes em seus ataques, só mais na estética. As armas poderiam ter efeitos mais malucos em vez de se manterem nos padrões tradicionais – os tiros alternativos são mais no estilo "poderzinho", porém são poucos e são até agnósticos entre as armas. A disposição de inimigos nas salas poderia ter mais de duas ou três variações também para ficar mais imprevisível.
UMA PARTIDA PODE DURAR HORAS E CRIA TENSÃO AO ENCARAR INIMIGOS MAIS DIFÍCEIS
É possível que não tenham feito o jogo tão imprevisível assim para manter a sensação de progresso na narrativa, que faz Returnal não ser um roguelike tão puro quanto outros. Jogar infinitamente e com vários modificadores nem é algo incentivado, o que pode ser um grande ponto negativo para certos tipos de apreciadores do gênero. Returnal é uma história que anda lado a lado com o roguelike, em vez de um roguelike que inventa uma desculpa para existir e chamar de história. Mas seria legal se ele fosse repleto de opções para jogar para sempre, além do desafio de bioma diário disponível na nave.
Não sei o que o futuro reserva para os exclusivos de PlayStation com a aparente mudança de cultura na diretoria (o sinal de que o foco será em superproduções e menos em indies e ideias experimentais), mas Returnal pode ser um sinal de que ainda teremos esses jogos grandes, porém diferentes, que coexistem com os mais tradicionais e tornam a biblioteca do console mais forte. Essa é a primeira página dos exclusivos de PS5, e me prendeu desde o tiro inicial.