CULT OF THE LAMB
Uma criativa combinação entre roguelike e jogo de fazendinha
Uma ovelha possuída por uma entidade sinistra precisa formar e liderar uma seita de bichinhos fanáticos, espalhando a fé pela floresta enquanto luta para libertar seu mestre. O que poderia ser um jogo perturbador se revelou uma surpresa das mais divertidas.
A mistura de jogo de fazendinha, com gerenciamento e ação ao estilo roguelike, poderia facilmente dar errado, ainda mais com os temas um tanto sensíveis abordados na aventura da produtora Massive Monster. O jogo publicado pela Devolver Digital é o maior projeto do estúdio formado por veteranos da indústria de jogos em flash, divididos entre a Austrália e o Reino Unido, e um dos jogos mais ousados do ano: nele, o jogador controla uma ovelha que é sacrificada por cultistas fanáticos, apenas para ganhar uma segunda chance como representante de uma bizarra divindade. Possuído por uma missão sagrada (ou seria melhor dizer, maldita), o personagem deve lutar para libertar seu líder, conhecido como "Aquele que Espera", de uma antiga prisão sobrenatural.
Para isso, é preciso construir seu próprio culto de adoradores e acumular poder para lutar em cruzadas contra quatro poderosos adversários, os Bispos que aprisionaram o obscuro benfeitor da sua seita em formação. A fórmula básica do jogo lembra um pouco o excelente Moonlighter, que dividia o jogo entre gerenciar uma loja e explorar dungeons: durante parte do tempo, o jogador gerencia sua base, atendendo as necessidades dos seguidores para ganhar pontos de Fé e aprimorar seus próprios poderes, enquanto na outra parte, invade as regiões dominadas pelos falsos profetas para acabar com eles, ganhar alguns recursos adicionais e, eventualmente, libertar a entidade aprisionada.
Visualmente, Cult of the Lamb quase consegue disfarçar sua natureza perturbadora com o visual caricato dos bichinhos e das construções disponíveis no acampamento da seita. Há uma grande variedade de criaturas entre os seguidores (é possível alterar a aparência deles e alguns atributos assim que são recrutados), como cachorros, porquinhos, gatos e outros bichos, com muitos outros sendo desbloqueados ao progredir nas cruzadas ou cumprir missões para outros personagens. A ovelha e seu bando não estão sozinhos na floresta: há outros habitantes com quem é possível dialogar e negociar. Alguns oferecem ajuda e outros parecem interessados apenas nas suas suadas moedas de ouro. Visitar as áreas desses NPCs permite comprar itens e participar de
minigames, como um jogo de pescaria ou o divertido Bugalho, um jogo de dados simples e viciante.
COLHEITA MALDITA
No acampamento, além de garantir que seus seguidores tenham onde dormir e façam suas refeições, é possível atribuir tarefas e colocá-los para coletar recursos ou mesmo partir em expedições em busca de carne, ouro ou novos fiéis para a seita. Com os aprimoramentos certos, o jogador não vai precisar se preocupar com quase nenhum aspecto do dia a dia do culto, como limpeza, cuidar das plantações ou coletar pedra e madeira. Porém, os seguidores não são lá o melhor retrato da eficiência: eles são incapazes de cozinhar por conta própria, então essa é uma tarefa do líder e só dele. Os seguidores muitas vezes abordam a ovelha com pedidos específicos, desde intenções de casamento ou de assumir um cargo no culto, até outros mais inusitados, como pedir por um prato de cocô ou para ser sacrificado! É como jogar Animal Crossing, mas com permissão para se livrar dos vizinhos mais irritantes.
Também é responsabilidade da ovelha pregar para seu rebanho, realizando sermões e determinando as doutrinas que o culto vai seguir. Elas se dividem em várias categorias, como "vida após a morte", "bens materiais" e questões filosóficas. As escolhas feitas pelo jogador trazem benefícios e ajudam a diversificar o gerenciamento do acampamento. Além dos recursos naturais, os seguidores acumulam pontos de fé e devoção, usados para construir novas instalações e adquirir armas e magias.
Embora seu sistema de combate, baseado em ataques, magias e rolamentos, com dungeons em perspectiva isométrica, lembrem Hades, Cult of the Lamb é um jogo bem menos exigente em termos de habilidade. Em geral, o jogador só vai suar nos chefões. Além disso, as principais mecânicas são inspiradas por Dead Cells: a ovelha entra desarmada nas dungeons e o jogo sorteia armas, milagres e vantagens que serão equipadas. Ao desbloquear um novo item para o arsenal ou encontrar uma nova carta de tarô, o jogador está só aumentando e melhorando o deck de possíveis resultados.
Apesar de tantas qualidades, não dá para falar de Cult of the Lamb sem apontar alguns problemas de desempenho, mesmo em consoles de última geração como o PlayStation 5. Pequenos bugs de posicionamento em alguns personagens são frequentes, assim como a completa ausência de um item necessário para um troféu, o que deixou o jogo "implatinável", pelo menos até o momento desta análise. Pior mesmo são os travamentos: mais de uma vez o jogo simplesmente congelou em uma tela avançada, perto do final de uma masmorra. A solução? Sair, perder todo o progresso daquela tentativa e voltar para uma nova partida. A vontade de voltar para outra tentativa, mesmo depois de situações assim, diz muito sobre a qualidade do jogo. Bugs eventualmente se corrigem, mas quanto a curta duração do jogo, não há o que se possa fazer: um jogador dedicado vai chegar ao fim de Cult of the Lamb em cerca de 13 horas, no máximo. Depois disso, é preciso arrumar razões pessoais para voltar: fazer (quase) todos os troféus, completar a coleção de seguidores ou concluir as missões dos NPCs. Ou, talvez, apenas para começar uma nova seita para experimentar doutrinas diferentes das escolhidas na primeira partida.
VEREDITO
A mistura de 'fazendinha' e roguelike de Cult of the Lamb é envolvente e sua temática, perturbadora, mas de um jeito fofo. O jogo tem muitas arestas para aparar, mas, em geral, é uma das experiências mais divertidas do ano.