FOBIA – ST. DINFNA HOTEL
Um marco histórico para o terror produzido no Brasil
De uns anos para cá, temos visto mais e mais jogos de terror produzidos no Brasil. Grande parte deles ainda permanecem em nichos indies nos computadores, como é o caso de The Devil Inside Us: Roots of Evil, da Mr. Skull Game Studio, e de Teocida, do mestre do horror Vikintor, só para citar alguns recentes.
Fobia – St. Dinfna Hotel, por outro lado, vê sua gênese numa muitíssima bem-sucedida campanha de financiamento coletivo. O jogo faz a devida entrega com alicerces técnicos impressionantes, até mesmo quando levamos em consideração todas as plataformas onde ele pode ser jogado desde seu lançamento.
Mais impressionante ainda é conseguir fazer jus a seus objetivos de inspiração:
O Iluminado, clássico dirigido por Stanley Kubrick, e, em especial, o Resident Evil de
1996, vêm a mente rapidamente a partir do momento que assumimos o controle do jornalista Roberto Leite Lopes em sua ávida busca pelo primeiro grande furo de reportagem. Essa ânsia cega o protagonista e o leva até o hotel que dá nome ao jogo sem grandes preparos ou precauções, após trocar mensagens on-line com alguém que aponta o caminho das pedras. Sua busca, então, se torna uma por sobrevivência, já que não só o hotel em questão, mas toda a cidade interiorana fictícia de Treze Trilhas (palco de eventos sobrenaturais, desaparecimentos e de vários banquetes para sensacionalistas) é como um parque de diversões para experimentos inescrupulosos de uma seita obscura. Ficção científica e horror folclórico, por vezes corporal, andam de mãos dadas em St. Dinfna.
Cultismo está em alta no entretenimento e Fobia navega por essas águas, outrora turbulentas e misteriosas, agora tão banais quanto os fundamentos nos quais procurar se ater. É como se Fobia olhasse compulsivamente para a cartilha do horror de sobrevivência (encrustada em pedra por Frédérick Raynal em Alone in the Dark e aprimorada e popularizada por Shinji Mikami em Resident Evil) e quisesse ir além, mesmo com décadas de distância entre suas concepções.
Idas e vindas pelos escuros e claustrofóbicos corredores do Hotel St. Dinfna, inventário limitado, monstruosidades resistentes e persistentes (apenas limitadas em questão de variedade, forma e de conteúdo), manejamento preciso de recursos de ação e contenção, sempre nos meandros de quebra-cabeças oscilantes entre o funcional e o perspicaz. Fobia peca na discrepância brutal de seus dubladores – quem dá voz ao protagonista Roberto, por
exemplo, mal consegue contracenar com a experiente Carol Valença, que empresta seu talento para Emily. Peca também no fato de raramente ousar tomar algo para si próprio. E, em verdadeiro contrassenso a mim mesmo, destaco aqui o bom uso da câmera fotográfica encontrada por Roberto, com sua visão noturna para ampliar a tensão e a capacidade de abrir portais para diferentes linhas temporais.
Seja a garotinha com máscara de oxigênio, insistente em assustar (ou cooperar?), seja no ser disforme e enorme que faz de Roberto seu fetiche pessoal, Fobia poderia ter dispensado mais atenção aos residentes do hotel. Em minhas quase dez horas de estadia, vez ou outra flertei com o tédio por saber exatamente como lidar com aqueles mesmos humanoides e suas garras e dentes afiadas, além de ver seus pontos fracos exageradamente expostos. Em cada elemento de Fobia há espaço para evolução e aprimoramento, o que faz dessa primeira incursão do estúdio paulistano Pulsatrix um ato de autoafirmação e descobrimento para que um dia, então, apresente suas próprias trevas – ou fobias.
Fobia – St. Dinfna Hotel conhece sua própria força e se atém a ela. E um terror focado é um terror que sabe manipular sua audiência para além do barulho no silêncio – por conhecê-la bem e, por consequência, entregando justamente o esperado (ou, no caso, o prometido). Porém, terror também faz morada no medo do desconhecido, no implícito e no não contado, e a Pulsatrix Studios ainda tem muito a explorar nesse âmbito. Que St. Dinfna seja só o início dessa jornada rumo ao abismo das possibilidades.
VEREDITO
Tecnicamente impressionante, Fobia entrega uma experiência que respeita suas fontes de inspiração e mostra que pode evoluir em uma sequência.