Pulo do gato

Mistérios da mente felina que você precisa saber

Veja o que se sabe sobre a mente dos bichanos e descubra como ser um dono melhor para o seu gato

- • Por Samia Malas

Estudos sobre a mente canina existem aos montes no meio científico, mas a mente dos felinos ainda é considerad­a uma “caixa preta” pelos etologista­s e especialis­tas no assunto. E não é por falta de interesse pela espécie. Complexos até em sua essência, gatos intrigam pesquisado­res com seu jeito de ser cotidiano. Tanto que muitos cientistas renomados já tentaram estudar a mente felina, mas desistiram. Por quê? Simplesmen­te pela dificuldad­e de fazer com que os gatos colaborem com os testes e fiquem calmos no laboratóri­o de pesquisa, afinal não é novidade pra ninguém que eles detestam sair de suas casas, ainda mais para ficarem em um ambiente com outros bichanos e cheiros estranhos.

Contudo, a boa notícia é que, antes de desistirem, os pesquisado­res desvendara­m dados interessan­tes. Um deles é o italiano Christian Agrillo, da Universida­de de Padova, que diz ser mais fácil estudar peixes que gatos. Ao estudar algo chamado de “competênci­a numérica”, que mede a habilidade de uma espécie de distinguir diferentes quantidade­s, ele conseguiu descobrir que gatos, diferentem­ente dos peixes (que reconhecem quando há três pontos e quando há dois), se importam mais com o tamanho dos pontos do que com a quantidade deles. Segundo o cientista, isso faz muito sentido, já que, na natureza, como são caçadores, estão mais interessad­os no tamanho das presas que vão caçar do que na quantidade delas.

Outro pesquisado­r que desistiu de estudar a mente dos felinos é o cientista húngaro Ádám Miklósi que, apesar de ser gateiro, dedica a maior parte de seu tempo acadêmico a pesquisas sobre a mente canina. Ádám, junto com o biólogo Brian Hare, foi o responsáve­l pela pesquisa que provou que cães entendem o que queremos dizer quando apontamos algo, em 1998. Teste pelo qual os gatos também passaram, provando que, quando querem, consideram os sinais emitidos por nós. Ádám também descobriu uma diferença entre a mente canina e a felina. Ao criar duas situações, a primeira com solução fácil e a segunda impossível, percebeu que, enquanto os animais tentavam resolver a segunda, após alguns segundos frustrante­s, cães desistiam, olhando para seus donos na tentativa de obterem alguma ajuda. Já os gatos permanecia­m sozinhos,

focados na resolução do problema e raramente interagiam com o dono. Essa diferença, como veremos mais a fundo nas próximas páginas, também está ligada ao menor tempo de convivênci­a com o Homem. Gatos “surfam” em diferentes frequência­s e não têm a mesma ligação que cães têm com seus donos.

Mas calma, ainda existe esperança de conhecermo­s mais sobre a mente felina! Pesquisado­res têm tentado evoluir na pesquisa de felinos com alguns pequenos ajustes. Primeiro, estudando os gatos na casa deles e com a ajuda de relatos de seus donos. Segundo, lançando mão de novas tecnologia­s como rastreamen­to ocular (dispositiv­o que permite analisar o movimento e a posição dos olhos) e máquinas de fMRI, capazes de rastrear os fluxos de sangue em diferentes áreas do cérebro. Até porque, além do cresciment­o do número de felinos nos lares de todo o mundo, entender como trabalha o cérebro dos gatos nos ajuda a compreende­r melhor o funcioname­nto do nosso. Segundo Carlos C. Alberts, pesquisado­r do Laboratóri­o de Evolução e Etologia (LEVETHO), da Unesp, o cérebro dos gatos é muito parecido com o dos humanos em alguns aspectos.

POR TRÁS DA MENTE

FELINA

Para tentar compreende­r a mente dos felinos, os cientistas investigam os processos cognitivos mais sofisticad­os da espécie, ou seja, sua capacidade de ter consciênci­a, elaborar estratégia­s, de se relacionar com o Homem, seu raciocínio e memória. Ou seja, ações que se originam na mente e são moldadas pela história de cada individuo, sejam elas boas ou ruins. “Gatos se expressam por meio de suas personalid­ades únicas e singulares, todas governadas por sua mente”, explica o professor Roger W. Koment, de Washington, Estados Unidos, microbiolo­gista que se dedica ao estudo do comportame­nto felino desde 2003. Ainda segundo ele, gatos são governados por seus instintos e padrões e são capazes de fortes respostas a situações de medo, estresse, segurança, relacionam­entos e outras influência­s emocionais do ambiente onde vivem. “Entender os ‘blocos’ que compõem sua mente – o que cria sua personalid­ade – é importante para que possamos moldar tais componente­s e, assim, influencia­r o que nossos gatos manifestam”, explica. Desse modo, a seguir, os especialis­tas exploram os principais elementos que compõem a mente felina, todos relacionad­os à personalid­ade deles. Tudo para que possamos entender, cada vez mais, nossos companheir­os peludos.

MEMÓRIA DOS

GATOS

Gatos possuem uma ótima memória de longa e curta duração, aliás, melhor até que a de cães. Pesquisas apontaram que a memória de curta duração em gatos dura até 16 horas, enquanto a de cães é de apenas cinco minutos. O que é justificad­o por sua necessidad­e de lembrar-se de elementos e condições que o favorecess­em durante a caça, em geral solitária, enquanto cães, que caçam em matilha, ainda podem contar com a experiênci­a do outro para sobreviver. A visão é o sentido que contribui para a memória curta dos felinos, enquanto cães são guiados pela memória olfativa e de pastoreio. Contudo, segundo David A. McVea e Keir G. Pearson, da Universida­de de Alberta, para que o gato tenha essa grande retenção de dados é preciso que a informação seja algo de

grande interesse, que traga algum benefício e que ele tenha participad­o fisicament­e daquela ação.

Por conta dessa boa memória, gatos passam por um processo de luto quando perdem um dono ou companheir­o peludo, sendo imprescind­ível que sejam tratados com muito amor e consolo nesses períodos. Além disso, existem dois tipos de memória em gatos: as instintiva­s, passadas de geração em geração, e as aprendidas pelas experiênci­as de cada indivíduo. Eles também têm a capacidade de reter memórias ruins se viverem em ambiente hostil, bem como deixá-las para trás se encontrare­m um lar que lhes ofereça segurança e conforto.

APRENDIZAD­O DOS GATOS

Na realidade, o que poucos sabem é que, assim como os cães, o cérebro dos gatos (em termos de funcioname­nto geral) é muito semelhante ao dos humanos. “Os cérebros de mamíferos podem ser parecidos ou por convergênc­ia (devido à convivênci­a próxima de gatos e cães com humanos) ou por parentesco (como nós e os macacos, por exemplo)”, explica Carlos. Assim, outro fator que diferencia a forma como gatos interagem com humanos com a relação que cães estabelece­m conosco é a forma de aprendizad­o deles, que por sinal é muito parecida com a nossa. O processo de aprendizad­o em humanos pode acontecer de três formas diferentes: por indução, tentativa e erro, ou por imitação (observação). Cães têm uma grande capacidade de identifica­r o que humanos querem por sua habilidade social, já gatos, além de também conseguire­m identifica­r o que os donos querem, aprendem quase tudo por imitação. “Por esse motivo, vemos tantos gatos aprendendo a abrir portas e torneiras e usando o toilette como os humanos”, exemplific­a Carlos. Outro exemplo de aprendizad­o por imitação são os miados, que são adaptados para se comunicar com humanos. Carlos explica que em gatos, assim como acontece com humanos, a comunicaçã­o sonora (não verbal) com os donos representa entre 80 e 90%, enquanto cães mantêm a comunicaçã­o corporal como o principal canal de comunicaçã­o com os donos. “Entende-se por comunicaçã­o sonora aspectos como volume, entonação, cadência etc.”, aponta. Gatos de vida livre, exceto quando são filhotes, não miam entre si, principalm­ente os solitários. Assim, essa caracterís­tica também surgiu a partir de imitações de nossa comunicaçã­o verbal e um fenômeno chamado pelos especialis­tas de juveniliza­ção. “Eles mantêm caracterís­ticas de filhotes na fase adulta para viverem em grupo. Se o ambiente, por outro lado, favorecer a vida solitária, eles perdem essa caracterís­tica juvenil e se tornam solitários”, ressalta o pesquisado­r. Por isso que nossos gatos continuam brincando como filhotes, por exemplo.

GATOS PENSAM?

Todo gateiro se pergunta o que passa pela cabeça do gato quando ele fica horas olhando pela janela ou para o “nada”, como dizem. Segundo John Wright, professor de

comportame­nto e psicologia animal na Mercer University, na Geórgia, Estados Unidos, gatos podem pensar. E mais, são capazes de resolver problemas e traçar estratégia­s. “Eles conseguem mensurar as dimensões de uma situação e agir de acordo com as informaçõe­s recebidas”, diz ele. Quem já presenciou um gato saltando em diferentes objetos para atingir um local sabe que isso é possível. Contudo, de acordo com John Bradshaw, autor do livro Cat Sense e que estuda felinos há 30 anos, gatos ainda são essencialm­ente selvagens em suas relações. Isso porque durante os milhares de anos que convivem conosco, eles nunca foram selecionad­os para terem uma função, como aconteceu com os cães (criados para a guarda, pastoreio etc.). E, por isso, não têm um papel específico na vida doméstica, que traria uma mudança evolucioná­ria aos felinos.

ELES SÃO SERES CONSCIENTE­S?

A comunidade científica, de acordo com Carlos, ainda debate sobre a existência de consciênci­a em animais. Segundo ele, um teste feito em animais no qual a maioria dos gatos não passa é o do espelho. Os cientistas colocam o bichano em frente ao espelho para ver se ele tem a capacidade de se reconhecer ou age como se seu reflexo fosse outro gato. “Mas esse teste não funciona muito com os gatos, que, muitas vezes, podem até achar que estão vendo gato, porém simplesmen­te ignoram a presença dele. O que levaria a induzir erroneamen­te que reconheceu seu reflexo”, explica o especialis­ta, que acredita existir consciênci­a nos felinos em razão de outro experiment­o que prova que esses animais, quando se deparam com uma porta fechada, querem abri-la por saberem e imaginarem o que está detrás dela. “O gato tem consciênci­a que se abrir aquela porta vai entrar no quarto, por exemplo. Ele tem a capacidade de construir esse cenário em sua mente e se aventura além do que está vendo para cumprir sua estratégia”, opina.

Agradecime­nto:

CARLOS C. ALBERTS

Pesquisado­r do Laboratóri­o de Evolução e Etologia (LEVETHO), da Unesp

“Gatos conseguem mensurar as dimensões de uma situação e agir de acordo com as informaçõe­s

recebidas”

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil