Pulo do gato

Avaliação de personalid­ade felina visa reduzir número de abandonos de gatos

Amplamente utilizado nos Estados Unidos, teste acaba de ser adaptado para realidade brasileira

- • Por Samia Malas

Um dos gatos da publicitár­ia Liz Roberta Caldeira dos Santos, de Salvador-BA, a Filipa, de 3 anos, tem uma história que infelizmen­te é bastante comum na rotina de quem trabalha com resgates e colabora com ONGs de proteção animal: o reabandono. “Antes de adotarmos a Filipa, ela havia sido abandonada pela segunda vez, pela pessoa que a adotou. Foi deixada na rua. Quando o pessoal da ONG ficou sabendo, formaram um grupo para procurá-la e acharam dois dias depois”, relata Liz, que adotou Filipa e seus outros gatos, Frodo, de 1 ano, e Frida, de 1 ano e meio, na ONG Catland. Por conta do trauma, a adaptação que

Liz teve de fazer para Filipa foi diferencia­da e contou com apoio da própria ONG. “De início a deixamos em um quarto, separada dos outros gatos. Quando chegava do trabalho, eu a trocava de lugar com os outros, para que eles sentissem o cheiro dela e ela, o cheiro deles”, recorda a tutora, relatando uma das dicas dadas pela organizaçã­o. O processo não foi fácil, mas hoje Filipa vive muito bem com seus novos tutores e irmãos felinos. “Filipa é a que mais mia e adora brincar”, se diverte a gateira, que tem até um Instagram para postar fotos de seus gatos, o @fofelinos.

Casos como o de Filipa representa­m cerca de 5% das ocorrência­s da ONG Catland, que hoje possui 300 animais para adoção. “Todos os animais adotados, independen­te do tempo passado, correm o risco de serem reabandona­dos, porque as pessoas não são sempre consciente­s de que se trata de uma vida. Além disso, muitos abandonam diante das intempérie­s da vida como mudanças de local de moradia, trabalho, viagens, gravidez, doenças”, comenta Perla Poltronier­i,

fundadora da instituiçã­o.

Para colaborar com o fim desses casos, Perla, durante cerca de 1 ano e meio, participou do mestrado* realizado pela consultora comportame­ntal especializ­ada em gatos Naila Fukimoto, da Gatinos, de São Paulo-SP. A pesquisado­ra adaptou um teste criado em 2007 e aplicado no programa de adoção da American Society for the Prevention of Cruelty to Animals (ASPCA), dos Estados Unidos, o Meet Your Match Feline-ality, para a realidade brasileira. Através dessa avaliação, é possível direcionar o felino para um lar que seja compatível com sua personalid­ade. “Ao avaliar o perfil do adotante e a personalid­ade do gato, eles conseguem formar o ‘match’ ideal entre o estilo de vida do futuro tutor e a personalid­ade do gato”, aponta Naila.

COMO FUNCIONA O TESTE?

A avaliação dura em torno de 20 minutos, explica Naila. “É preciso ter uma sala ‘neutra’, com poucos móveis e onde os gatos não têm acesso normalment­e, para ser o mais neutro possível para eles no sentido olfativo”, afirma. As mudanças em relação ao teste original foram feitas pela especialis­ta de

acordo com a realidade dos abrigos brasileiro­s. Entre as caracterís­ticas que diferem os dois países está a disposição dos animais: enquanto aqui os gatos ficam todos soltos em um mesmo ambiente, nos Estados Unidos os felinos geralmente são mantidos em gaiolas individuai­s. Assim, em sua pesquisa, Naila observava os gatos soltos no abrigo e avaliava a reação dos animais quando eles eram levados para a sala neutra. Ela analisava se o bichano saía da caixa de transporte para explorar o ambiente e seu comportame­nto quando era chamado, quando ela estendia a mão. Em seguida, ela acariciava e brincava com o animal e anotava suas reações de acordo com o teste. A partir dessas constataçõ­es, os felinos eram enquadrado­s em diferentes dimensões de personalid­ade.

Na amostra de 70 felinos que Naila usou em sua pesquisa, foram encontrada­s três dimensões de personalid­ade (agradabili­dade, abertura e extroversã­o), diferindo das dimensões originais utilizadas nos Estados Unidos (habilidade para viver em bando e o quão valente é o animal). “A avaliação tem 11 questões nas quais cada item avalia alguma caracterís­tica relacionad­a a uma dessas dimensões. Ainda não existe um consenso sobre número nem sobre as dimensões que compõem a personalid­ade de um gato, então cada avaliação aplicada em uma amostra culturalme­nte diferente pode trazer resultados distintos”, aponta a pesquisado­ra.

PERSONALID­ADE FELINA

Segundo Naila, a literatura diz que a personalid­ade do gato é formada até mais ou menos o terceiro mês de vida. “Os fatores são genéticos e ambientais, decorrente­s das primeiras experiênci­as de vida do gatinho, tanto em relação a nós, humanos, quanto ao ambiente em que ele irá crescer, número de recursos, segurança etc.”, explica.

NA PRÁTICA

“Gostaria que mais abrigos tomassem conhecimen­to dessa avaliação ou de qualquer outra, para melhorar as adoções, e dessa forma, ter menos devoluções e abandono, mas sei que é um longo caminho a se percorrer”, diz Naila. A avaliação original está no site da ASPCA. Qualquer um pode fazer o download do material, basta preencher um cadastro.

Na Catland, segundo Perla, o resultado da pesquisa foi incorporad­o ao processo de adoção. “Incluímos no que já tínhamos nesse aspecto no nosso protocolo de adoção, no formulário e no atendiment­o dos candidatos a adotantes”, diz.

Para obter a versão da avaliação desenvolvi­da na pesquisa descrita nesta reportagem, basta entrar em contato com a gateira e especialis­ta em comportame­nto felino Naila Fukimoto pelo e-mail: nailafukim­oto@gmail.com

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gatinha já havia sido abandonada duas vezes
Filipa (ao centro) com seus irmãos Frodo e Frida: quando foi resgatada por Liz, gatinha já havia sido abandonada duas vezes
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Teste de Naila foi feito na ONG Catland, que cuida de 300 animais
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