Saiba por que você pode perder o direito de comprar um animal de estimação
Entenda as consequências para criadores e tutores se projetos de lei que visam proibir a criação de pets forem sancionados no Brasil
O combate às chamadas “fábricas de filhotes” tem sido uma bandeira levantada por diferentes frentes da sociedade no mundo todo, tanto por quem atua na proteção animal (como ONGs, abrigos e protetores) como pelos próprios criadores de animais de raça, que abominam os maus-tratos realizados nesses locais. Contudo, nos últimos anos, houve mudanças importantes que podem colocar em xeque qualquer criação animal, seja ela idônea ou de “fundo de quintal”, sendo esta o tipo de atividade que
todos pretendem combater. “É um tema complexo, com muitas variantes e apelo emocional forte, o que acabou atraindo a mídia e o poder de mobilizar massas e, consequentemente, votos. Virou uma questão política”, opina a advogada Rubia Baja, conselheira da OAB Araucária-PR, presidente da Comissão de Direito dos Animais da subseção de Araucária, criadora de gatos da raça Maine Coon há 7 anos e protetora de animais há 20. “O lamentável é que a questão que efetivamente deveria ser trabalhada, que é o bem-estar animal, está sendo deixada de lado visto que o único objetivo desses projetos de lei é a proibição de criação e venda, o que levará a criação de animais para a clandestinidade”, continua Rubia. “A partir do momento que um município edita uma lei punindo a criação, canis são alvo de vistorias não por estarem deixando de dar o melhor para seus cães, mas pelo fato de serem irregulares. Infelizmente, essas leis, ao invés de protegerem, acabam com os cães de raça”, lamenta o também advogado Maurício Pioli, de Curitiba-PR, criador de cães de raça há 29 anos. Ele ainda argumenta que tais projetos pretendem acabar com o direito de escolha dos donos entre ter um cão de raça ou adotar. “Estranhamente, está havendo um protecionismo animal que, para preservar uma espécie, ou seja, os animais de rua, tem-se que destruir a outra”, diz.
Hoje, o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking mundial do segmento pet. Em números, isso representa um faturamento de R$ 34,4 bilhões, segundo dados de 2018 do Instituto Pet Brasil (IPB). O mercado pet sempre foi tido como um segmento que cresce mesmo diante de crises econômicas. Entretanto, com a proibição da criação de animais para pet, isso pode estar prestes a mudar. “Um dos setores de maior crescimento em nosso país estaria fadado à falência visto que a criação de animais é a base para todo o desenvolvimento do setor”, opina Rubia.
Nesta reportagem, entenda o que está em jogo, quais as consequências e o impacto que tais projetos de lei podem trazer para quem cria e para quem gostaria de ter a companhia de um cão ou gato de raça, ou ainda uma ave, um porquinho-da-índia, ou seja, qualquer outro animal como pet.
PROJETOS DE LEI
MUNICIPAIS
Muitas cidades vêm sendo alvo de projetos de lei que visam pôr fim à venda de animais domésticos, como Campinas-SP; Curitiba-PR; Rio de Janeiro-RJ; Natal-RN; entre outras. Juntamente com o fim da criação de cães de raça, perde-se também os cães de serviço, como os cães-guia, de resgate, de faro, entre outros. “Ao invés de se buscar o fim da criação, deveriam buscar a regulamentação da atividade de criação de animais domésticos. Criadores éticos são protetores dos animais, tendo como prioridade a saúde e o bem do animal em seu manejo”, opina Rubia.
CPI DA VENDA DE ANIMAIS
Também ocorre a chamada Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da venda de animais, cuja sessão realizada na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) no dia 22 de setembro contou com mais de 200 criadores presentes. “Essa CPI não trata de um projeto de lei que proíba a venda ou criação de animais ainda, mas ela tem servido como substrato para que alguns deputados juntem comprovações que justificariam uma lei, futuramente, bem como para causar clamor popular”, opina o adestrador Ubiratan Rabadan, de São Paulo-SP, há 16 anos no mercado pet e fundador da Federação Brasileira dos Adestradores de Animais (FBAA), existente desde 2015.
CASO DE CURITIBA-PR
Em Curitiba-PR, a situação é um pouco diferente, pois conforme explica Rubia, a cidade já possui uma lei (a Lei 13914/2011) que proíbe a criação de animais em perímetro urbano. Entretanto, em 2014, essa lei sofreu alteração em seu artigo 344 do Decreto Estadual 5.711/2002 (Código Estadual de Saúde), determinando que apenas os animais de interesse econômico fossem permitidos na zona rural. “Cães e gatos jamais foram animais da cadeia produtiva ou de interesse econômico do agronegócio para serem fadados a viver em zona rural!”, aponta Ana Cláudia Andrade, de Cascavel-PR, que é advogada, médica veterinária, criadora de felinos há 19 anos e protetora de animais
há mais tempo ainda.
Ana Cláudia está entre as pessoas que discursaram nas audiências públicas realizadas na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) em setembro para discutir o Projeto de Lei (PL) 185/2019, de autoria do deputado Luiz Fernando Guerra (PSL), que pretende proibir o comércio físico ou digital de cães e gatos de estimação em pet shops, clínicas veterinárias e estabelecimentos comerciais similares, restringindo esse tipo de comércio aos criadouros devidamente registrados junto aos órgãos ambientais e por eles fiscalizados. Entre os pontos que estão sendo questionados pelos criadores está a não inclusão de animais para doação nessas restrições, que ainda podem ser expostos em clínicas e pet shops, e doados via internet. “A lei municipal é inconstitucional e deve ser revisada, para que seja feita justiça aos criadores que por quase uma década estão
sendo envergonhados e desprezados, não porque maltratam seus animais, mas por não conseguirem seus alvarás, pelo simples fato de terem animais de raça criados em casa, em perímetro urbano”, aponta Ana Cláudia sobre outra reinvindicação. “Criadores sérios querem ser regularizados e fiscalizados, porém, de fato, o poder público não tem essa capacidade, o que faz com que não sejam diferenciados os criadores preocupados com a saúde e desenvolvimento da raça daqueles meramente comerciais, ou seja, não se separa o joio do trigo”, critica Maurício.
PROIBIÇÃO DE SANTOS-SP
No caso de Santos-SP, a Lei
1051/19 foi sancionada pelo prefeito da cidade no mês de setembro. A reportagem da Pulo do Gato entrou em contato com a Prefeitura para ter mais detalhes de como será feita a fiscalização, mas apenas nos foi informado que a Prefeitura de Santos tem o prazo de 180 dias para realizar as ações necessárias no cumprimento da lei. Ou seja, os criadores teriam seis meses para se adequar à nova realidade, pois nenhum alvará seria renovado ou concedido para a criação animal. Para reverter a situação na cidade, foi criado o Projeto de Lei complementar nº 74/2019, elaborado pelo vereador Fabrício Cardoso de Oliveira (PSB) com o objetivo de regulamentar e fiscalizar, mas não proibir a criação de animais, segundo explica Monica
Grimaldi, advogada especializada em direito animal, de Santos-SP.
EM CAMPINAS-SP
A atividade de criação de animais de estimação para comercialização na cidade de Campinas-SP está ameaçada por um projeto que deve ser encaminhado à Câmara dos Vereadores em *outubro. Nele, pretende-se alterar o Estatuto dos Animais de Campinas e proibir que pets sejam criados para venda. A iniciativa do projeto surgiu por parte do prefeito Jonas Donizette (PSB) apoiado pelas entidades de proteção animal que entendem que os animais não são coisas para
serem vendidos e terem valor comercial. “Encontramos inúmeros casos de criação de cães e gatos em extremas condições de maus-tratos, mostrando que o mercado de ‘produção’ dos ditos animais de raça tem problemas sérios”, disse o diretor do Departamento de Proteção e Bem-Estar Animal (DPBEA) de Campinas-SP, Paulo Anselmo Nunes Felipe, em entrevista à Pulo do Gato. Ainda segundo ele, a Prefeitura iniciou um cadastro dos criadores para que, assim que o projeto seja aprovado, as fiscalizações e autuações com multas, cujo valor ainda não foi definido, se iniciem.
Questionado sobre o impacto econômico que o projeto pode trazer para a região, o diretor acredita que a visão de que os pets representam um mercado deve ser desfeita no município. “Além disso, postos de cadastramento (microchipagem)
percorrem todo o município atendendo populações das várias classes sociais. Através de consultas a esta base de dados (cerca de 50.000 animais cadastrados) percebemos que 93% dos cães e 97% dos gatos do município não são de raça, sendo esses os grandes responsáveis pelos valores que o mercado pet arrecada comercializando produtos para animais de companhia”, aponta.
PROJETO FEDERAL
Sob o slogan “Animal não é coisa”, tenta-se aprovar o Projeto de Lei Federal (27/2018), do deputado Ricardo Izar (PSD/SP), cujo objetivo é o de requalificar o status jurídico dos animais domésticos e silvestres, buscando tirá-los do atual estado de bens semoventes (e não “coisa”, como tem sido empregado erroneamente) – alterando o Código Civil (Lei 10.406/02) – para determinar que os animais
sejam considerados seres sencientes – dotados de sentimentos. Esse projeto é considerado o mais ameaçador pelos criadores. “É evidente e inegável que os animais são seres sencientes, quanto a isso não há discussão, o grande problema é a alteração da natureza jurídica contida nesse PL, pois ele irá retirar os animais da esfera patrimonial das pessoas”, relata Rubia. Com isso, o PL não traz nenhum direito novo aos animais, apenas extingue o direito de propriedade sobre eles, tornando a criação uma atividade ilegal e, portanto, podendo acarretar a extinção dos criatórios e das raças no Brasil. “Na prática esse PL elevaria os animais a uma condição de sujeito de direitos não humanos, o que contribuiria em seu direito de não ser abandonado, maltratado, o que é muito bom e ninguém é contra. Contudo, esse PL traz armadilhas como a possibilidade de animais da agropecuária serem considerados sencientes também, mesmo que eles tenham sido excluídos dessa lei em um primeiro momento, junto com as atividades consideradas patrimônio cultural”, acrescenta Dárson De La Torre, de Brasília-DF, que é advogado, professor e criador de cães há mais de 20 anos.
O QUE EXISTE HOJE
Hoje, vigente no Brasil, em termos de proteção animal, temos a Lei de Crimes Ambientais 9.605/98, além das resoluções publicadas pelo Conselho de Medicina Veterinária, como a de n° 1069, de 27 de outubro de 2014, que dispõe sobre Diretrizes Gerais de Responsabilidade Técnica em estabelecimentos comerciais de exposição, manutenção, higiene estética e venda ou doação de animais. “A criação de animais domésticos, embora seja uma prática lícita, não está regulamentada em lei”, explica Rubia. Ainda segundo ela, para ser um criador, é necessário abrir uma empresa e estabelecimento comercial. “Portanto, proibindo-se a venda de animais, você automaticamente proíbe a criação, que se continuar a existir, será de forma clandestina, por impossibilidade de se regularizar”, alerta a advogada, que pede por leis que regulamentem todo e qualquer criatório. “Existindo uma regulamentação acessível, com critérios específicos para o comércio desses animais, aí sim poderá ocorrer uma fiscalização com o rigor que a causa exige, além de multas e sanções a criadores clandestinos”, explica.
REAÇÃO DOS CRIADORES
Como tentativa de barrar tais projetos, criadores e outros representantes do setor pet – inclusive de animais silvestres e exóticos – têm marcado presença nas audiências públicas como a que ocorreu no dia 18 de setembro na Câmara Municipal no Rio de Janeiro-RJ contra o Projeto de Lei n° 1.266/2019, do vereador Dr. Marcos Paulo (PSOL), cuja pressão exercida resultou em uma abertura de diálogo. Após o debate, o vereador decidiu criar um grupo de trabalho com a participação de criadores e protetores de animais para discutir possíveis ajustes na proposta. “Vamos marcar uma reunião com o grupo para discutir uma maneira de ajustar o projeto, resguardando os criadores sérios, legalizados e que respeitam os animais. Queremos combater aqueles que exploram os animais de forma clandestina e antiética”, afirmou o parlamentar.
Além da pressão em audiências públicas, os criadores de animais têm se organizado também através de uma nova associação criada para preservar o direito de criação de animais: a Federação Xerimbabo de Criadores de cães, gatos, silvestres e exóticos, que já conta com mais de 300 membros fundadores de todo o Brasil. “A Xerimbabo vem sendo estruturada para preservar o criador em diversos pontos que estavam abandonados e não haviam, ainda, sido atendidos por outras associações, que reputamos como irmãs. O objetivo da Xerimbabo é o de fortalecer o criador, orientar, educar, mostrar sua força e a quantidade de cidadãos que representa”, ressalta Pavleska Bartos Miranda, de Brasília-DF, odontóloga e criadora de cães há 8 anos.
É evidente e inegável que os animais são seres sencientes, quanto a isso não há discussão...