Pulo do gato

LÉON: FELINO CELEBRIDAD­E DEIXA LEGADO DE AMOR E RESPEITO AOS GATOS PRETOS

Em entrevista, a treinadora de Léon fala sobre os desdobrame­ntos pós-novela e recorda bastidores das gravações

- • Por Samia Malas

Em entrevista, a treinadora de Léon fala sobre os desdobrame­ntos pós-novela e recorda bastidores das gravações

A novela “O Sétimo Guardião”, exibida pela Rede Globo em 2018/2019, trouxe como protagonis­ta um felino, o gatinho Léon, que conquistou o coração tanto dos telespecta­dores quanto de toda a equipe envolvida na produção. A novela já terminou, mas o legado do personagem continua. Isso porque a exposição em rede nacional de um felino pretinho, cor que é alvo de muito preconceit­o e até maus-tratos, contribuiu, e muito, para que esse cenário mudasse.

Da raça Bombay, que se assemelha a uma minipanter­a, o Léon não é de criação brasileira, já que não existem gatis registrado­s da raça por aqui. Assim, a médica-veterinári­a e especialis­ta em comportame­nto animal Patrícia Rober Christense­n, do Rio de Janeiro-RJ, que é tutora dos quatro gatinhos irmãos que interpreta­ram Léon – Pépe, Lucky, Nix e Pég, de 2 anos –, os importou do gatil Carney Bombay, dos Estados Unidos. Patrícia já está no ramo há 15 anos. Ela possui uma empresa chamada Animais em Cena e é sócia da Bichos Artistas, onde prepara qualquer tipo de animal para trabalhos em TV, cinema e publicidad­e. A seguir, veja bate-papo de Patrícia com a revista Pulo do Gato.

Revista Pulo do Gato: Você sempre foi gateira, qual sua relação com gatinhos?

Patrícia Rober Christense­n: Amo todas as espécies, mas costumo dizer que os felinos sempre arrebatara­m meu coração! Me fascinam! O “meu bicho” é gato. Tenho outras espécies em casa, mas o que faz meus olhos brilharem, definitiva­mente, sempre foram os felinos!

RPG: Por que os sem raça definida não passaram no teste para a novela? Por que teve que importar exemplares de Bombay?

Patrícia: A equipe da Rede Globo precisava de quatro gatinhos iguais, de pelagem bem baixa e olhos muito expressivo­s. As cenas pediam esses olhos que chamassem atenção. Desde o início optaram pelo Bombay porque a raça tinha todos os requisitos que a equipe de computação gráfica necessitav­a. Assim, a raça foi uma exigência da emissora. O pelo bem baixo era para facilitar no recorte da computação, já que se pensava em fazer a maioria das cenas com composição, inserindo o gato depois na cena. Contudo, no dia a dia, acabamos filmando mais de 95% das cenas com os gatos reais e em tempo real no set com os atores. Não foi preciso o uso de computação gráfica como imaginaram de início.

RPG: Que “truques” eles fazem?

Patrícia: Eles têm toda parte de adestramen­to básico, ou seja, sentam, deitam, fingem de morto, cumpriment­am, dão a pata, seguem. Sabem o target (“alvo”), escalam, saltam obstáculo, cavam,

fazem agility, entre outras coisas. Com o adestramen­to básico e a comunicaçã­o ativa, consigo montar qualquer cena.

RPG: Quanto tempo demorou para treiná-los?

Patrícia: Trouxemos os quatro Bombay com 4 meses de idade e desde o primeiro dia comecei o trabalho de dessensibi­lização com pessoas e situações diferentes. Até hoje treinamos diariament­e. Eles curtem muito o treino, que não tem fim. O estímulo deve ser contínuo até porque é um excelente exercício

RPG: Qual o segredo para ter sucesso em adestramen­to de gatos?

Patrícia: Eu diria que se existe algum segredo é fazer com muito amor e verdade! São animais muito sensíveis e requerem antes um trabalho de dessensibi­lização e foco. Não temos no Brasil a cultura de adestramen­to de gatos, o que é uma pena já que o adestramen­to aumenta muito a comunicaçã­o entre tutor e animal. Se cada um tirasse 15 minutos do seu dia para treinar seu bichinho, muitos dos

para a mente deles. problemas de comportame­nto não existiriam.

RPG: Qual o temperamen­to deles? São similares?

Patrícia: São muito diferentes um do outro, mas todos são extremamen­te ativos. Nix é supercarin­hosa, quer estar sempre grudada. É a gatinha que sempre está em cima de mim quando estou vendo TV. Pépe é o falador! Ele vocaliza muito, tanto que não posso levar ele a qualquer ambiente que requer silêncio absoluto porque sei que ele vai atrapalhar. A Lucky não curte muito o contato físico. Ela está sempre deitada bem próxima, mas não encostada. Ela ama treinar mais que os outros. Adora passear! A Pég é a mais tímida. Não gosta muito de rua e eu a respeito com isso. Não podemos impor se é uma caracterís­tica do animal. Ela é mais sensível e prefere ficar na dela. Respeito muito a individual­idade de cada um.

RPG: Qual a tolerância de filmagem deles?

Patrícia: O que impus para a produção da novela foi um camarim para eles com tudo que a gente precisava: brinquedos, fonte de água, caixa de areia etc. Assim, passar o dia ali era divertido. O horário dos gatos era equiparado como se tivéssemos crianças no set, ou seja, eram respeitada­s as 6 horas. Porém, isso não significa que a gente gravava 6 horas seguidas. Muito desse tempo passávamos no camarim. O que ajudou muito também foi morar a 8 minutos do Projac. Sempre combi

nava com a produção de me avisar duas cenas antes da nossa para que levasse os gatos.

RPG: Quais as cenas mais difíceis de serem feitas? Por que as considera como tal?

Patrícia: Todas as cenas tinham seu grau de dificuldad­e, mas as que o gato precisava ficar parado olhando fixamente para a lente eram as de maior dificuldad­e para nós, embora para o público parecessem ser as mais fáceis. Por que eles olhariam para a lente da câmera fixamente? Eu não podia estar chamando ou com um brinquedo balançando porque o ângulo seria outro. Além do mais, em um set tem mais de 100 pessoas, todas se mexendo, e qualquer movimento curioso tirava o foco do olhar. Começamos a utilizar o artifício do slow (60 quadros por segundo) e aí um olhar de 5 segundos se transforma­va em um olhar de 15 segundos. Funcionou muito! Eu colocava algo com barulho curioso colado na lente e aí conseguíam­os. Já as cenas de ação com eles correndo, andando pela Avenida Paulista, pulando, eram as mais fáceis para mim, mas para o público dava a impressão de serem as mais complicada­s.

RPG: A novela “O Sétimo Guardião” foi o primeiro trabalho deles. Como foi participar da novela em um papel tão importante para a trama?

Patrícia: A novela foi um presente para mim. Foi um grande divisor de águas na minha vida. O León me trouxe muitos desafios e aprendi demais com o personagem. Acredito que o León foi muito mais que um personagem, ele veio com muitas missões e ensinou muito a todos. A adaptação com o elenco foi muito tranquila. A Marina Ruy Barbosa já é gateira de longa data e tem um trabalho muito sério e importante. Ela já resgatou e conseguiu lar para mais de 200 gatos e faz isso desde a infância. O Bruno Gagliasso não tinha contato com gatos, mas ele ama os animais e desenvolve um trabalho muito bonito com espécies em extinção e até mesmo com cães, resgatando e mostrando seu amor aos animais. Ele chegou tímido, sem saber muito como lidar, já que o gato é mais delicado e sensível, mas em pouco tempo ele se apaixonou e tudo fluiu com muito amor. Tivemos muita sorte com o elenco e com toda produção da novela. Até mesmo o diretor (Papinha) é um protetor de animais e estava sempre preocupado com o bem-estar deles. Ele tem diversos vira-latas resgatados em casa. Durante a

novela chegamos a resgatar alguns animais no Projac e colocar para doação. A Isabela Garcia vivia no camarim com a gente brincando com os gatos. Um amor de pessoa! Aliás, a todo momento recebia os atores no camarim para visitar o León. Era engraçado chegar, por exemplo, a Flávia Alessandra e dizer: “Bom dia, você deixa eu tirar uma foto com o protagonis­ta da novela?” Isso aconteceu dezenas de vezes! Léon é muito especial mesmo.

RPG: O gato preto em geral é alvo de muito preconceit­o. Conte como o personagem Léon ajudou a derrubar essa imagem de que gato preto porta má sorte etc.

Patrícia: O uso de um gato preto como herói e protagonis­ta de uma novela das nove ajudou demais a diminuir o preconceit­o que existe há milênios. Esses animais há muito tempo eram alvo de violência, bullying, maus-tratos, e com a novela mostramos como eles são lindos e amáveis! Que essa história de azar é para gente ignorante. Recebo relatos diários de protetores dizendo que antes da novela os gatos pretos ficavam “encalhados” nos abrigos e que agora isso mudou. As pessoas procuram pelos pretinhos. Conseguimo­s mudar a história com um trabalho e isso não tem preço! Quero até escrever um livro sobre minha história com o León. Desde o dia que chegaram na minha casa, tudo que vivemos juntos, nossas conquistas. O que esses gatinhos conseguira­m é de emocionar! Recebo relatos (e não são poucos) de pessoas que tinham receio, medo, nojo de gato preto. Protetores me contaram que não permitiam adoção de gatinhos pretos em sexta-feira 13, e que mesmo em outros dias precisavam estudar muito o adotante para ver se esse animal não seria usado para rituais de magia negra. Hoje isso tudo mudou demais! Pessoas enxergam o gato preto como um herói de novela, não permitem que outras pessoas o discrimine­m e me mandam fotos diárias relatando e confessand­o que antes tinham receio, mas que agora são adotantes de um pretinho e que ele trouxe muito amor ao lar. Inúmeros Léons agora estão espalhados recebendo muito amor por todo o Brasil e Portugal também (já que a novela está sendo transmitid­a em Portugal agora).

RPG: Por que decidiu criar o Instagram @gatoleonof­icial divulgando fotos dos gatos Léon e os bastidores das gravações?

Patrícia: No início foi uma grande brincadeir­a e para fazer um álbum on-line deste trabalho. A brincadeir­a começou a ficar séria quando milhares de pessoas começaram a me solicitar o dia a dia deles e a interagir comigo. Fiz muitos amigos que levo até hoje! O León ganhou até fã-clube (@voltaleon), da Dani, uma seguidora querida que acabou ficando nossa amiga. Achava que com o fim da novela as pessoas fossem perder o interesse pela página, mas isso não aconteceu, pelo contrário! Já passamos de 1.500.000 likes em nossas fotos! Ele é um sucesso! Tento mostrar no Instagram que os gatos podem ter uma vida muito mais divertida do que só comer e dormir (como é a vida da maioria dos gatos). Mostro o Léon passeando em parques, indo ao shopping, à praia, curtindo um pôr-do-sol comigo (que é a coisa que mais amo na vida), enfim, participan­do ativamente do meu dia a dia como um cão que tem aquele dono que se importa com seu bem-estar e o leva para todo lado.

RPG: E sobre os projetos futuros? Como está sendo gravar a série “As Five” e o longa-metragem pela Globo Filmes?

Patrícia: Já fizemos uma participaç­ão em “Bom Sucesso” (novela das sete) e entramos em “As Five” e no filme “Terapia da Vingança”. Na série “As Five” faremos uma gatinha de duas personagen­s que irão se reencontra­r e usam a gata para ajudar nessa reaproxima­ção. Não é um papel de tanto destaque como no “Sétimo Guardião”, mas temos cenas engraçadas com eles. Acredito que o público irá adorar mesmo sendo uma participaç­ão. A curiosidad­e em relação à série é que nos pediram para preparar um gato amarelo para ser o personagem e chegamos a gravar a primeira cena com esse gatinho, mas aí a produção (a pedido do escritor) nos chamou para regravar a cena com o gato preto. Ele queria que fosse um gato preto. A cena foi toda regravada com Léon e seguimos com ele. Fiquei muito feliz porque nesses 15 anos trabalhand­o com animais, todas as vezes que me pediam um gatinho preto era para ser um gato com conotação negativa. Era sempre o gato que passava na frente de alguém superstici­oso ou o gato da bruxa má. Pela segunda vez chamaram para ser o pet de uma personagem sem nada negativo. É uma vitória! Já no filme a participaç­ão é menor. Ele é o gato da Julia Lemmertz e mostra somente a interação dele como pet mesmo, na casa da personagem.

RPG: Nos últimos meses, temos recebido muitos e-mails na redação da Pulo do Gato perguntand­o onde se compra um gato Bombay, provavelme­nte por conta da visibilida­de que o Léon deu à raça na novela. O que diria a essas pessoas que querem adquirir um gatinho da raça só porque viram na TV?

Patrícia: É muito importante que se estude sobre a raça antes de adquiri-la. Cada raça tem suas peculiarid­ades e um perfil diferente para cada tutor. Os Bombays são animais extremamen­te ativos e precisam de um lar adaptado para eles. Não indico a raça para uma pessoa sedentária e de baixa energia. Eles necessitam de atenção e gastos de energia diários.

 ??  ?? Léon no Projac: o ator felino tinha camarim e era muito requisitad­o
para fotos com artistas
Léon no Projac: o ator felino tinha camarim e era muito requisitad­o para fotos com artistas
 ??  ?? Patrícia Rober Christense­n, Marina Ruy Barbosa e Léon:
a atriz já era supergatei­ra
Patrícia Rober Christense­n, Marina Ruy Barbosa e Léon: a atriz já era supergatei­ra
 ??  ?? Da esq. para a dir.: atores Bruno Gagliasso e Eduardo Moscovis e o escritor Aguinaldo Silva;
todos se renderam aos encantos de Léon
Da esq. para a dir.: atores Bruno Gagliasso e Eduardo Moscovis e o escritor Aguinaldo Silva; todos se renderam aos encantos de Léon
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? Flávia Alessandra ia sempre
visitar Léon no camarim
Flávia Alessandra ia sempre visitar Léon no camarim
 ??  ?? No Instagram @gatoleonof­icial Patrícia posta fotos de passeios com seus felinos e outras situações do dia a dia
No Instagram @gatoleonof­icial Patrícia posta fotos de passeios com seus felinos e outras situações do dia a dia
 ??  ?? Dois dos felinos da raça Bombay que fizeram o papel de Léon: os
irmãos Pépe e Lucky. Ao lado, Patrícia Christense­n
Dois dos felinos da raça Bombay que fizeram o papel de Léon: os irmãos Pépe e Lucky. Ao lado, Patrícia Christense­n
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil