SEU FORTUNATO E A PEDREIRA
A imensa rocha de sillar despenca do alto do paredão de quase 20 metros de altura. Marreta em punho e mãos firmes apoiam a cunha no lugar preciso: o bloco se parte. Ainda restam mais 19 para seu Fortunato concluir o dia de trabalho. Essa rotina tem se repetido nos últimos 30, dos 55 solitários anos de vida do cortador de pedra, todos dedicados a consumir parte do paredão de dois quilômetros na pedreira de sillar, a 20 minutos do centro de Arequipa, entre os distritos de Cerro Colorado, Yura e Uchumayo. A produção lhe garante mil Soles por mês, algo em torno de R$ 1.300,00. Seu Fortunato faz parte de uma cooperativa de 500 pessoas. O trabalho se divide em 16 frentes e três funções distintas: produzir os blocos, comercializar e entregá-los nas casas de construção da cidade.
Na parede oposta, a réplica da fachada da Iglesia de la Compañía, dos Jesuítas, o brasão da cidade e a imagem de um trabalhador em atividade rendem boas fotos aos dezenas de turistas. Também rendem alguns trocados extras a seu Fortunato. É o único momento em que ele abandona a marreta, se recupera da respiração ofegante e passa a talhar um pouco de sua própria história aos interessados.
O tempo de vida da pedreira ainda dependerá da combinação do que resta da quantidade de rocha, da demanda do mercado e da disposição de novos trabalhadores. Declarada Patrimônio Cultural Imaterial do Peru, a pedreira, cuja técnica de trabalho é empregada há 400 anos, viu passar diversas gerações, em muitos casos, de pai para filho. Não será o caso de seu Fortunato. Dos três filhos, dois são homens, e não querem o mesmo destino do pai. Assim sendo, tão teimoso quanto a rocha que nunca se acaba, seu Fortunato segue a dura empreitada que a vida lhe proporcionou. Enquanto existir pedreira e fôlego, a cidade continuará a crescer a partir de suas mãos.