Não maltados?!
QPor Raul Santiago Rosa, da Acerva-SP, farmacêutico bioquímico, paneleiro desde 2011. Membro da Acerva desde 2014. Cervejeiro da Casa Avós.
ual a relação do uso de cereais não maltados com a história da cerveja? Toda! E não referindo à lei da pureza, e sim às primeiras cervejas feitas na história. Parece estranho, mas as primeiras cervejas mal deviam ter malte. Os primeiros indícios de fabricação de cerveja remetem a até 6000 anos antes da “Era Comum”, mas a primeira descrição documentada de um processo de malteação foi feita por Zósimo de Penápolis, já no século IV da nossa Era.
Após um certo período de tempo, no qual o mercado de cerveja artesanal evitou os adjuntos, observamos hoje um resgate desses insumos e as suas incríveis potencialidades, por conferirem sabores diferenciados. As cervejarias estão explorando o seu uso, os consumidores estão mais maduros e as universidades estão estudando o uso desses adjuntos. Em alguns anos, diminuirão as propagandas associando o termo “puro malte” à qualidade.
Ao estudar a reologia do mosto cervejeiro a motivação é clara: o que diabos está acontecendo com esse mosto com 20% de centeio não maltado que está atrasando a recirculação? E o uso do centeio tem muitas referências científicas. Mas por que não estudar outros cereais ou tubérculos?
É da natureza de quem faz cerveja em casa ter ousadia de experimentar coisas novas, e algumas grandes cervejarias artesanais acabam não explorando esse potencial.
Eis abaixo algumas dicas práticas de como começar a experimentar.
— Comece usando uma quantidade de até 10% do cereal novo na composição. Primeira vez, melhor testar.
— Centeio é gostoso, mas, além de “beta-glucanos”, temos muitas pentosanas aqui. Elas não só aumentam a viscosidade do mosto como podem fazer o mosto deixar de ser um fluido newtoniano. Em um grist mais radical de centeio, é desejável ter uma temperatura de lavagem alta, moagem mais grossa e, mesmo assim, a utilização de enzimas deve ser considerada.
— Se estiver pensando em usar tubérculos, procure usar a sua fécula. A alta umidade pode dificultar obter extrato (ex.: batata tem cerca de 75% de água!).
— Procure estudar sobre gelatinização do amido. Essa modificação físico-química é importante e tem bons materiais sobre isso na internet.
— Xarope? Açúcar? Mel? Interessante! Se for usar grandes quantias, espere o mosto atenuar pela metade para adicionar. Muito açúcar simples no mosto inicial pode prejudicar a fermentação de alguns açúcares mais complexos, como maltotriose.
— Use milho! Use arroz! Cereais fáceis de usar que vão muito bem como estilos como West Coast IPA e American Lagers. Se for usar quantidades grandes, opte por um malte de melhor qualidade para garantir o potencial enzimático.
Acima de tudo: cerveja artesanal é criatividade, então vamos exercitá-la! Saúde!