Utilização de madeira — barrel aging
A madeira e a cerveja interagem de uma forma tão singular que, se o processo é bem executado, originam-se cervejas marcantes.
As cervejas vêm sendo armazenadas em barricas de madeiras há séculos. Antigamente, os recipientes de madeira eram usados para preparar, fermentar e armazenar cervejas. Felizmente, com o avanço tecnológico, a madeira começou a ser substituída por materiais mais apropriados para o processo cervejeiro, como o inox.
No entanto, existe um contexto em que a madeira é insubstituível: o
que é a arte de envelhecer cervejas em barricas de madeira.
Por que envelhecer cervejas em madeira?
O envelhecimento em madeira adiciona complexidade à cerveja. Por um lado, ocorre a extração de compostos da madeira que agregam sabor, aroma, cor e corpo à cerveja. Dependendo do tipo de madeira e do nível de tosta, a cerveja pode desenvolver notas sensoriais como baunilha, coco, cravo-da-índia, tabaco, caramelo, cacau, amendoado, resinoso, herbal, etc. Além de receber um pouco da pigmentação da madeira, a cerveja também incorpora alguns açúcares, trazendo corpo e doçura. Dentre os compostos que são extraídos, há também os taninos, que podem contribuir com amargor e adstringência.
Por outro lado, o próprio envelhecimento da cerveja, independentemente da madeira, também altera o seu perfil sensorial. Com o tempo, o álcool fica mais “macio”, o amargor da cerveja diminui, notas frutadas começam a aparecer e intensificam-se aromas doces.
Quais cervejas podemos envelhecer em madeira?
Nem todos os estilos de cerveja se beneficiam de descansar em madeira.
Idealmente, a cerveja precisa ter estrutura suficiente para que o caráter da madeira não se sobreponha. Você provavelmente não vai querer que o aroma lupulado de sua American IPA deixe de brilhar, nem que a refrescância e limpidez de sua German Pils desapareçam do conjunto.
Os melhores estilos para tal finalidade são, via de regra, aqueles com teor alcoólico mais elevado e com sabores mais intensos. Cervejas ácidas, como as Lambics, também são ótimas para o envelhecimento em barricas; porém, como esta é uma disciplina à parte, deixaremos para uma próxima coluna.
O álcool é importante para a estabilidade biológica, para o auxílio na extração dos compostos da madeira e por favorecer reações de oxidação que trarão compostos interessantes para a cerveja, como notas de frutas passas. Bons estilos para envelhecimento em madeira são, por exemplo, Imperial Stouts, Barleywines e Belgian Dark Strong Ales.
Qual madeira utilizar?
O sabor da madeira e o seu comportamento no processo de envelhecimento está associado a inúmeros fatores. Entretanto, as principais variáveis que controlamos são: tipo de madeira, tosta da madeira, formato da madeira e se ela é virgem ou não.
Tipos de madeira
A principal madeira utilizada na indústria cervejeira, assim como na de vinhos e destilados, é o carvalho. As espécies mais utilizadas e suas características são:
— Carvalho americano: aroma doce com notas intensas de coco e baunilha.
— Carvalho francês: aroma mais complexo, remete a caramelo, chocolate, especiarias e leve baunilha.
Não podemos deixar de mencionar a amburana, variedade brasileira que vem sendo bastante utilizada e possui um rico perfil sensorial, com notas de canela e outras especiarias.
Tosta da madeira
Existem basicamente três níveis de tosta que a madeira recebe ao ser beneficiada na tanoaria e que impactam em diferentes camadas de sabor:
— Tosta leve: caráter de madeira fresca, sabores frutados, leve aroma de coco.
— Tosta média: notas de caramelo, baunilha.
— Tosta elevada: caráter de fumaça, defumado, condimentado.
Formatos da madeira
A forma mais tradicional de envelhecer cerveja é colocando-a em barricas de madeira. Porém, eventualmente, pode ser um pouco caro ou difícil utilizar essa forma. Existem outras maneiras de utilizarmos a madeira, especialmente para os homebrewers.
— Extrato: é um líquido com sabor bastante concentrado de madeira. É um formato conveniente, fácil e que facilita a padronização. No entanto, não possui complexidade de sabores.
— Pó: a madeira em pó possui uma vasta superfície de contato, garantindo extração de forma muito rápida. Entretanto, também não possui complexidade de sabores.
— Chips: são pequenas e finas camadas de madeira e é um dos formatos mais comuns e acessíveis para os homebrewers. Como possui bastante superfície de contato, o processo é razoavelmente curto, durando poucas semanas.
— Cubos: são pequenos cubos de madeira, de mais ou menos 2 cm de aresta. Como os cubos são razoavelmente espessos, eles conseguem contribuir com diferentes camadas de sabor. Pode levar alguns meses para chegar ao resultado desejado, mas vale a pena esperar.
— Esferas: similares aos cubos, conseguem entregar boa complexidade de sabores. Como não possuem os vértices do cubo, possibilitam uma melhor consistência entre lotes.
— Espirais: as espirais agregam uma boa complexidade e, como possuem uma extensa superfície de contato, fazem isso em um período de tempo menor.
Madeira virgem e madeira previamente utilizada
O carvalho, por exemplo, é uma árvore que cresce muito lentamente. É preciso muito tempo até conseguir processá-la para dar origem a barricas. Sendo assim, barricas novas são geralmente caras. É por isso que a maioria das disponíveis já recebeu alguma bebida anteriormente, como vinho ou destilados.
Madeira virgem tem um caráter muito forte de madeira e possivelmente será necessário blendar com cerveja não-envelhecida para equilibrar os sabores. Já a madeira previamente utilizada deve carregar para a cerveja nuances da bebida. Por exemplo, as Bourbon Barrel Aged Stouts são Stouts envelhecidas em barricas que anteriormente carregavam Bourbons.
Instruções gerais
Como pudemos perceber, muitas são as variáveis que influenciam no resultado de uma cerveja com passagem por madeira. Aqui vão algumas dicas para o processo.
— Quando a cerveja já estiver devidamente fermentada, transfira-a para a sua barrica e deixe o tempo trabalhar. Caso você esteja usando a madeira em outro formato, adicione-a ao fermentador secundário.
— Cuide, em todas as etapas, da oxidação. — Seja paciente, o processo pode levar de semanas a muitos meses até o resultado desejado.
— Lembre-se de que, quanto maior a superfície de contato da madeira, mais rápido será o processo.
— Acompanhe a evolução da cerveja e vá provando de tempos em tempos.
— Se necessário, “blende” com a cerveja-base para ajustar o equilíbrio.
— O ideal é que o envelhecimento seja feito em temperatura controlada, por volta de 16 °C.
— Madeiras virgens precisam ser esterilizadas. Consulte o processo adequado. Uma boa ideia, por exemplo, é embeber chips/cubos/espirais em Bourbon ou outra bebida. Isso irá sanitizar a madeira e adicionar sabores da bebida à madeira e, consequentemente, à cerveja.
— Barricas que foram previamente utilizadas por outras bebidas precisam ser preenchidas com cerveja em seguida. Diferentemente, será necessário tratar e sanitizar a barrica antes de colocar a cerveja.
Recomendação de leitura:
“Wood & beer: a brewer’s guide”, por Dick Cantwell e Peter Bouckaert.