A história do mestre Evandro Luís Janovik
Evandro desempenha várias outras atividades na área: planejamento, processo cervejeiro, atendimento, coordenação de qualidade, compras e comercial. Também é professor do Curso Técnico em Cervejaria da Univates, em Lajeado/RS, e formado pela World Brewing Academy (WBA), aliança estabelecida entre Doemens Akademie (Munique, Alemanha) e Siebel Institute of Technology (Chicago, EUA) em 2005.
Sua iniciação com a cerveja foi através do avô materno, Tomaz Wroblewski, que produzia a bebida para consumo próprio por volta de 1940 no interior gaúcho. “Os relatos de minha mãe, Cecília, despertaram a curiosidade e me impulsionaram, na adolescência, a ir em busca de qualificação para produzir boas cervejas.” A partir daí, iniciaria uma trajetória que passou pela Ambev e Cervejaria Santa Catarina, até que, com parceria dos sócios Fernando Zancanaro, Juliano Zancanaro e Marcos Travi, fundou a Steilen Berg em 2010. Paralelo a isso, atuou em consultoria em cervejarias de diferentes estados, sendo juiz e membro da comissão organizadora de concursos cervejeiros.
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RECEITAS E DEFINIÇÕES
A base para a criação das suas receitas, diz, passa pelo estudo dos estilos e das suas propriedades organolépticas associadas, dos perfis de matérias-primas e processos necessários e de referências existentes para o estilo. “A partir dessa base, a receita é desenhada e executada, preferencialmente em pequena escala.
O resultado é avaliado e, tal qual um ciclo de PDCA, avaliado até que se atinja o que foi planejado.” Para ele, cerveja artesanal é a que possui suas matérias-primas selecionadas e seus processos definidos, prioritariamente, por indicadores de qualidade, e não financeiros. “É a cerveja que possui a atuação humana permanente e direta, nos controles, checagens, correções e liberação ao consumo.”
ARTESANAIS E INDUSTRIAIS
As principais diferenças, segundo ele, se dão nas questões de padrão de qualidade e atuação humana, assim como na escala produtiva e questões financeiras sobre as decisões de produto e processo. Inovações tecnológicas em insumos, processos e equipamentos fazem parte permanente da diferenciação entre as cervejas artesanais e as industriais, sempre que o objetivo primeiro seja a ampliação dos padrões de qualidade, afirma. Mas o que considera realmente importante para a qualidade das cervejas é o respeito às boas práticas de fabricação (BPF), à seleção qualificada de matérias-primas, às quantidades indicadas nas receitas, ao cumprimento estrito dos parâmetros de processo e, por último, “mas não menos importante, respeito ao paladar do consumidor”.
CONCEITO DE MESTRE-CERVEJEIRO
Na sua concepção, ser mestre-cervejeiro é estar envolvido em permanentes ensino e aprendizado, defender a cultura cervejeira, entendendo que essa cultura é dinâmica e evolui continuamente e que é seu dever contribuir para a sua propagação e evolução. “Sempre ouvi, e ainda ouço, falar sobre o mestre-cervejeiro ser uma espécie de ‘guardião dos segredos da nobre arte cervejeira’, quando acredito que ele deva ser justamente aquele profissional que não os ‘guarde’, e sim os divulgue, fazendo sumir quaisquer dúvidas e segredos a respeito do tema.”
CENA CERVEJEIRA E PANDEMIA
Evandro acredita que o mercado cervejeiro brasileiro passará por um cenário de reconstrução e de redesenho dos modelos comerciais de negócio depois desta crise sanitária. “Atualmente, o tempo de reação de cada cervejaria está sendo determinante para a sua sobrevivência. Com os autosserviços sendo o nicho do mercado menos afetado, quem já ocupava esse espaço e tinha nele percentual considerável de seu faturamento teve prejuízos consideravelmente menores do que aquelas cervejarias que dependiam de bares e eventos para atender seu fluxo de caixa. A retomada pós-pandemia sinaliza que será lenta, e os impactos deverão ser sentidos ainda por alguns meses.”
Ele avalia que o cenário para as cervejarias artesanais/especiais vinha sendo promissor até fevereiro de 2020, com a manutenção de bons patamares de vendas que, se mantidos, impactariam em significativa ampliação dos investimentos em tecnologia e processos. “Porém, o freio às vendas e a queda brutal no faturamento das micro e pequenas cervejarias, causados pela pandemia, poderá resultar num recrudescimento igualmente grande nos investimentos do setor, caso o suporte financeiro de bancos públicos e privados não se realize nos moldes que vêm sendo anunciados pela mídia. Quem deseja crescer precisa sempre melhorar seus processos”, considera.
MAIORES DESAFIOS E CONQUISTAS
Para o mestre, instabilidade econômica e entraves burocráticos são desafios permanentes aos empreendedores brasileiros em geral — e na área de bebidas não é diferente. “Porém, se me perguntarem sobre qual é o maior desafio, sem dúvida alguma responderei que trata-se da elevadíssima carga tributária e dos raros ou nulos benefícios aplicados às micro e pequenas cervejarias.” Para ele, as microcervejarias sofrem muito com o problema, especialmente nos primeiros meses de existência.
Já entre as conquistas, aponta a criação e a ampliação das associações cervejeiras, que congregam regional e nacionalmente o setor no Brasil. Também considera um avanço o surgimento e consolidação de instituições de ensino cervejeiro, como a Univates, onde leciona atualmente, e a Escola Superior de Cerveja e Malte (ESCM), de Blumenau/ SC, onde já lecionou.
PERSPECTIVAS PARA O SETOR
Por fim, ele aponta alguns “longos caminhos” que o meio cervejeiro precisa percorrer para evoluir: consolidar as associações regionais e nacionais de cervejarias, permitindo uma atuação forte frente às necessárias revisões tributárias e regulatórias do setor; implantar núcleos de desenvolvimento tecnológico, que permitam acesso a recursos de desenvolvimento tecnológico às micro e pequenas cervejarias, e promover congressos técnicos, exclusivos para cervejarias e também em conjunto com outras áreas, como gastronomia, indústria metal-mecânica, insumos, etc.
Em 10 anos, ele imagina o Brasil com grande evolução tecnológica em processos, equipamentos e insumos cervejeiros, tributariamente bem mais próximo de um cenário justo para as microcervejarias e ocupando lugar de destaque no cenário mundial das cervejas artesanais. “Acredito que ainda temos um vasto campo a ser desbravado dentro do cenário cervejeiro sul-americano, em especial dentro do mercado das cervejas especiais/artesanais.” Um dos seus planos é inserir a Steilen Berg entre as cervejarias reconhecidas por seu elevado padrão de qualidade nesse cenário e seguir atuando como professor na educação cervejeira e consultor para cervejarias.