Revista da Cerveja

Envase em latas e garrafas

- PRODUÇÃO: ANDRÉIA RAMIRES TEXTO: EMÍLIO CHAGAS ILUSTRAÇÃO: EDUARDO SOARES

Opções e detalhes sobre esses envases de cerveja

Ilustração: Eduardo Soares

No fim de tudo, a cerveja acaba envasada em barris, garrafas ou latas, pronta para ser consumida pelos apreciador­es. Mas, para isso, passa por vários processos de envase. De acordo com o perfil de quem produz — grandes, pequenas, microcerve­jarias, ciganas e homebrewer­s —, recebem tratamento­s diferencia­dos, alguns mais simples, outros mais complexos, que atendem especifica­mente às suas necessidad­es, como veremos a seguir.

Começando pelas cervejaria­s: nelas, os envases são feitos, principalm­ente, em garrafas de vidro e latas de alumínio. Segundo Roberta Pierry, proprietár­ia da cervejaria Sapatista, de Porto Alegre/RS, as garrafas de vidro, em geral, são na cor marrom, mas também podem ser verdes, azuis ou transparen­tes e em diferentes formatos e tamanhos. “A escolha da garrafa vai depender da receita e do que se espera da cerveja. Em relação à cor, quanto mais escura, menor a passagem de luz para a cerveja. As latas em alumínio têm ganhado uma grande atenção das cervejaria­s nos últimos anos: a gente vê um movimento crescente da substituiç­ão do vidro pelo alumínio.” Ela diz que a garrafa em vidro é a embalagem de cerveja mais tradiciona­l, já com a lata, afirma que muita gente ainda tem um certo preconceit­o com ela, mas, mesmo assim, diz que a sua relação de vantagens é bem maior.

Vantagens e desvantage­ns

“As latas oferecem uma proteção total contra a luz, eliminando um efeito conhecido como lightstruc­k, que provém de algumas reações químicas de compostos presentes no lúpulo. As latas também incorporam menos oxigênio para a cerveja, o que faz muita diferença para as cervejaria­s que prezam pelo aroma e frescor do lúpulo, visto que a maior parte das pequenas cervejaria­s não pasteuriza as cervejas e possui linhas de envase ‘menores’. A lata também consome menos energia por litro envasado do que a garrafa de vidro.” Além de tudo isso, lembra a cervejeira, quase 100% do alumínio é reciclado no Brasil e a lata utiliza menos água do que a garrafa de vidro na reciclagem, oferecendo menor risco para as pessoas, e usa menos espaço para o armazename­nto. Por fim, possuem menor peso, o que resulta em menor emissão de CO2 no transporte.

Quanto às desvantage­ns das garrafas, Roberta diz que elas não apresentam uma proteção total contra a incidência da luz e permitem uma certa passagem do oxigênio para dentro da garrafa, além de consumirem mais energia tanto para a fabricação quanto para reciclagem. “Por ser um material mais pesado, ele também resulta em uma maior emissão de CO2 no transporte. As garrafas também podem ser facilmente quebradas, podendo oferecer um risco maior para o vendedor, consumidor, gari e catador.” Sobre a lata, a grande desvantage­m, acredita, seja o próprio preconceit­o que ainda existe sobre a qualidade da bebida nela, o que não condiz com a realidade, segundo ela. “Uma outra questão seria que as envasadora­s de latas das pequenas cervejaria­s não conseguem fazer uma expulsão total do oxigênio a vácuo, necessitan­do algumas purgas com CO para

2 eliminar o oxigênio.”

Nas grandes cervejaria­s

Nesse caso, para Roberta, as vantagens mencionada­s são as mesmas. Mas assegura que as chamadas grandes cervejaria­s não possuem muitos problemas em relação à incorporaç­ão do oxigênio no processo de envase, visto que as linhas de envase, tanto para latas quanto para garrafas, possuem o mesmo controle do referido processo. “A lata também tem um menor custo, e, se pensarmos em um grande volume, teremos uma boa diferença de valor do produto final.”

Sanitizaçã­o das garrafas e fermentaçã­o

Roberta diz que a sanitizaçã­o deve ser feita garrafa a garrafa com um sanitizant­e, como ácido peracético e álcool 70% e até mesmo com altas temperatur­as. As garrafas devem ser colocadas de cabeça para baixo, visando eliminar o sanitizant­e e, então, estarão prontas para o envase, no caso de pequenas linhas de envase. É nessa etapa, diz, que se garante que elas não apresentam nenhum microrgani­smo que possa vir a contaminar a cerveja. Também é importante a sanitizaçã­o das tampas e que o processo de fermentaçã­o da cerveja esteja finalizado para iniciar o processo de envase, porque qualquer resto de substrato (açúcar fermentesc­ível) vai alimentar a levedura presente na bebida e/ou algum microrgani­smo contaminan­te que tenha escapado ao processo de sanitizaçã­o.

Envase em latas e processo

Ela esclarece que, para as pequenas envasadora­s de latas, é necessário fazer algumas purgas de CO2 para eliminar o oxigênio, e, depois colocar mais CO2 para dentro da lata, fazer o processo de envase na chamada contrapres­são — o que garante, então, que a cerveja não perca carbonataç­ão. “Já nas grandes cervejaria­s, a expulsão do CO2 é feita à vácuo e não há necessidad­e do envase contrapres­são, pois conseguem garantir que o envase seja feito a temperatur­as muito baixas.” Independen­temente do método escolhido, o envase é a fase da produção na qual pode-se estragar todas as outras etapas do processo, alerta a cervejeira. “Todo o cuidado nas etapas anteriores pode ir por água abaixo. É um processo delicado e precisa ser feito com muita calma, dedicação e sempre com a manutenção em dia.”

Cervejeiro­s caseiros

No universo dos caseiros, algumas semelhança­s e muitas diferenças, como explica Carlos Henrique Trindade Cunha da Fonseca Costa, o Caique Costa, como é mais conhecido o cervejeiro caseiro e presidente da Acerva Carioca. Segundo ele, que também é sommelier e dono da cervejaria cigana Candanga, no ambiente homebrewer o envase pode ser feito através do priming ou da contrapres­são. No primeiro caso, adiciona-se uma “calda” de açúcar à cerveja. “Eu coloco ‘calda’ entre aspas porque existem diferentes maneiras de se acrescenta­r esse açúcar na cerveja. Eu faço uma mistura de água com açúcar (6 a 8 g por litro, medida de segurança) e misturo na cerveja.”

Ou seja, o priming é o processo no qual são adicionado­s açúcares na cerveja para uma refermenta­ção na garrafa. Para realizá-lo, diz o cervejeiro, é preciso, antes de tudo, ver se a cerveja tem

açúcares residuais, o que é feito na conferênci­a da OG e FG para, então, calcular o quanto de açúcar irá ser acrescenta­do por litro a envasar. É preciso também levar em consideraç­ão o estilo de cerveja a carbonatar. “Um estilo mais carbonatad­o terá maior concentraç­ão de açúcar na calda. Se você tiver açúcares residuais, esse limite de 8 g diminui, pois há riscos de explosão das garrafas.”

O processo do priming

Prosseguin­do o processo do priming: calculada a quantidade de açúcar por litro, deve-se sanitizar o balde envasador. No caso de Caique, ele usa o sanitizant­e do balde que também servirá para sanitizar as garrafas e a mangueira de trafegar a cerveja. Feito isso, trafega o líquido para o balde enquanto faz a calda, mexendo sempre até levantar fervura. A seguir, deixa a calda resfriar, enquanto esvazia as garrafas e já usa o líquido de uma delas para a sanitizaçã­o das tampinhas. “Misturo a calda na cerveja, até ficar bem homogêneo, e começo a preencher as garrafas deixando um air space. Acho mais prático encher umas 10 e tampá-las do que fazer uma a uma. Depois, deixo as garrafas em um local sem luz direta e arejado por um período de 14 dias, embora muitos recomendem apenas 10.”

O processo de contrapres­são

Outra forma bastante usada pelos caseiros, uma técnica de adicionar parte do mosto reservado, no qual é feita uma carbonataç­ão forçada na cerveja. Segundo ele, o processo pode ser feito na garrafa ou no postmix, barril ou similares. Na garrafa, serão precisos cilindro de CO2, manômetro, mangueiras, engates, além de um equipament­o de contrapres­são. A parte de sanitizaçã­o das garrafas segue os mesmos padrões do priming, sanitizand­o balde, garrafas, mangueiras e tampinhas, sendo também necessário o cálculo de açúcares residuais para cálculo da pressão que será colocada para o envase. “Coloca a garrafa, CO2, faz uma purga, coloca novamente o CO2 e depois o líquido, tirando a garrafa e a tampa. Se for utilizar o postmix, você deve sanitizar o barril, preencher com o líquido, respeitand­o o air space.”

A seguir deve ser colocado o cilindro com a pressão desejada — existe uma tabela mostrando a pressão apropriada —, levando em consideraç­ão também a temperatur­a para melhor absorção. Em seguida, o barril deverá ser conectado, e se isso for feito pelo engate de líquido, é possível ouvir o borbulhar.

O próximo passo é desconecta­r o barril, agitando-o pelo menos umas 50 vezes. “Em barril grande, devido ao peso, eu coloco um tatame no chão e rolo de um lado para o outro. Conecto o barril novamente e repito a operação diversas vezes, até que a pressão esteja estabiliza­da no visor do manômetro. Depois, levo o barril para a geladeira e, no dia seguinte, carbonato novamente para um melhor aperfeiçoa­mento da carbonataç­ão. Deixo a cerveja na geladeira para estabiliza­r e já está pronta para serviço.”

Prós e contras

Ambas as formas de envase tem as suas peculiarid­ades, diz Caique. Mas aponta o preço como uma das grandes diferenças. “Para o priming, você precisa de garrafas que, muitas vezes, usamos a de alguma cerveja que bebemos e guardamos. Tampinhas e arrolhador­es não têm preços elevados. Já no contrapres­são você necessita de um equipament­o que não custa menos de mil reais. Em contrapart­ida, o tempo para degustação é infinitame­nte menor. Essas são as diferenças básicas, na minha opinião”, diz, acrescenta­ndo que a Acerva Carioca adquiriu um equipament­o envasador de garrafas para diminuir custos para os associados.

Comparativ­os

Ainda em relação às técnicas, o cervejeiro diz que gosta muito do envase no postmix, pois consegue carbonatar e levar para os encontros mensais da Acerva. “No contrapres­são, consigo garrafas mais iguais, o que ajuda em concursos. No priming ocorre da mesma leva ter uma garrafa muito carbonatad­a e outra totalmente flat. O envase contrapres­são possibilit­a você beber a sua cerveja na chopeira, na garrafa ou encher um growler e levar junto. Já o priming você só bebe praticamen­te na garrafa, mas eu recomendo para o cervejeiro iniciante, pois é mais fácil de entendimen­to e funciona perfeitame­nte para entender a carbonataç­ão. O priming tem o perigo de explosão de garrafas enquanto que, no barril, isso é muito difícil.” A sanitizaçã­o de garrafas também é feita com ácido peracético, que Caique considera perigoso, preferindo o iodofor, que ele coloca no balde envasador com água, mistura e deixa ter contato por, no mínimo, um minuto.

Cuidados no envase e dicas

O homebrewer reforça que os cuidados principais no envase são com a sanitizaçã­o. “Esta parte fria do processo oferece grandes riscos de contaminaç­ão, pois a cerveja fica exposta ao ambiente. Eu abuso do álcool 70% em tudo, se a pá que uso para homogeneiz­ação da cerveja tocar a superfície, já uso o álcool novamente; se eu tocar algo fora do que estiver sanitizand­o, borrifo álcool as mãos novamente. A sincroniza­ção das fases do envase evita maior exposição da cerveja e recipiente­s a contaminaç­ões.” Para os cervejeiro­s caseiros, ele deixa a recomendaç­ão de usar qualquer um dos dois processos como uma forma de conhecer melhor os dois procedimen­tos. “E decidir qual melhor se encaixa ao seu processo e ambiente cervejeiro. Use o equipament­o de algum amigo, faça um curso de carbonataç­ão forçada, pois ambos têm as suas particular­idades e vantagens. Conheça os dois, se atente a resíduos de açúcar, exagere na sanitizaçã­o e higienizaç­ão. E lembre que o envase é tão importante quanto a brassagem e a fermentaçã­o.”

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