Palavra de Burgomestre, por Sady Homrich
Em 2015, a cena era a seguinte: em fevereiro, a Cervejaria Bohemia (Ambev), de Petrópolis/RJ, anunciava a fusão de ativos com a Wäls, de Belo Horizonte/MG, e, em julho, a compra da Colorado, de Ribeirão Preto/SP, enquanto lançava a Wäls
Hop Corn IPA, com milho. Nos bastidores, em Brasília/DF, rolava a batalha para os deputados federais votarem a inclusão das cervejarias artesanais no Simples Nacional (faixa de tributação). Claro que esses foram os assuntos mais curtidos, comentados e compartilhados nas redes sociais dos cervejeiros em todo o país.
154) Se os belgas, dentre outros, usam milho na composição da cerveja, qual a polêmica em usar o milho ou high maltose na Wäls Hop Corn IPA?
Em primeiro lugar, vamos à cerveja. Era uma IPA de coloração âmbar claro, com lúpulos Columbus, Cascade, Amarillo e dry hopping de Centennial, atingindo 70 IBU. Boa cerveja. Foi uma resposta provocativa da Wäls/Ambev para as acusações de que a (ex-) microcervejaria passaria a incluir o milho como as famigeradas grandes cervejarias. Rolou um mi-mi-milho, esquecendo que esse cereal é pré-histórico na produção cervejeira! Esse grão, de origem americana, muito antes dos europeus trazerem seu malte e lúpulo, foi (e ainda é) amplamente usado nas Américas. Assim como as “respeitadas e tradicionais” cervejarias belgas em rótulos de qualidade inquestionável. Generalizando, o comportamento massivo de se ingerir maior quantidade de álcool induzido pelo seu paladar neutro, pode ser considerada uma estratégia de marketing, no mínimo, discutível. Na minha modesta opinião, agora que a legislação incluiu uma categoria “puro malte”, o consumo de cerveja com adição de “cereais não maltados” ou “carboidratos” é uma questão de opinião. Só ficou faltando informar claramente se a matéria-prima provém de plantação transgênica. Cada um pode fazer sua escolha pelo preço, marca, comercial de TV e honestidade no que tange à matéria-prima.
155) O que pode haver de tão ruim no fato da Ambev adquirir algumas microcervejarias?
Não sei. Nunca entendi por que abnegados batalhadores pela causa cervejeira nacional foram considerados por muitos como traidores, vendidos e arruinados moralmente ao venderem a sua empresa. Tenho tempo de estrada e conhecimento de causa para afirmar que Devassa (2005), Baden Baden (2007), Eisenbahn (2009), Coruja (2012), Wäls e Colorado(2015), precursoras do segmento, tiveram uma dedicação extrema ao sonho de fazer cerveja de verdade em um mercado que sofre desmandos tributários e de política econômica. Por isso eu os considero heróis de um tempo romântico, quando a utopia era possível. Entendam que isso é uma decisão de vida pessoal e intransferível, independentemente do que pensam os que acham que detêm a verdade.
O momento é delicado, porque ora o setor ainda não conseguiu representatividade para poder defender seus interesses comuns e fazer valer algumas leis adormecidas, defasadas e não fiscalizadas ligadas ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Como a lei antitruste e a lei que regulamenta pontos de exclusividade. Em junho de 2015, o Cade firmou um Termo de Compromisso de Cessação (TCC) com a Ambev depois de apurar um ilícito concorrencial decorrente de práticas de exclusividade de vendas adotada pela empresa.
Vejam, isso existe e é praticado há décadas em todo o país por todas as grandes indústrias, não só de bebidas. Por exemplo, uma cervejaria não pode impedir que sejam colocadas cervejas de outra marca para gelar no seu freezer adesivado. Será que algum bar faz isso...?!?
O problema está no tamanho da bronca, na impunidade e no poder econômico que, quando mal usado, corrompe e segrega. De maneira alguma podemos ficar à mercê da monopolização. Sejamos os fiscais da boa cerveja e das boas práticas de mercado, sem julgamentos precipitados.
Ah! Aconteceu a inclusão no Simples, mas poucas cervejarias são beneficiadas.