Cultura Cervejeira, por Ronaldo Rossi
No meio da pandemia, eu recebi um meme falando alguma coisa como: “se você não fez pão nessa pandemia, você está fazendo alguma coisa errada”. Posso fazer uma analogia, com as reservas pessoais, de cervejas: se você não diminuiu a quantidade de cervejas que tem estocada desde o início da pandemia, deve ter feito alguma coisa errada.
Claro que isso é só uma brincadeira — mesmo assim, muito real, pelo menos em relação ao meu círculo de contatos cervejeiros.
A matemática é simples. De um lado, diminuição da oferta de rótulos ou do poder de compra; do outro, o aumento de preço e da dificuldade de aquisição de cervejas para reposição ou consumo. Você também bebeu aquilo que armazenou para envelhecer?
Nós, o meio cervejeiro, herdamos do mundo do vinho uma série de rituais. Posso citar aqui o serviço em si, as taças e copos para os variados estilos, parte do conceito de harmonização e, como não poderia ficar de fora dessa lista: o envelhecimento da bebida no conceito de adegas.
A constatação, na abertura esperada e muito desejada daquela cerveja mantida por anos, foi, muitas vezes, algo frustrante. É evidente que algumas dessas experiências foram memoráveis e cada maravilhosa gota foi apreciada como se fosse a última.
Será que existe uma regra básica de quanto tempo esperar para consumir uma cerveja? Sim, existem algumas. A primeira regra traz uma outra pergunta: qual o seu objetivo em guardar uma cerveja?
Se as respostas trazem questões como esperar uma grande realização para uma celebração, que pode levar alguns anos, ou ter uma determinada companhia para dividir a cerveja, o que você precisa é escolher um estilo que possa aguentar a espera, nunca uma lata nem uma cerveja lupulada.
Para um leigo, um recém-chegado no mundo das cervejas, o conceito de cerveja de guarda não existe. A cerveja, comumente associada ao frescor e refrescância, é adquirida para consumo imediato, é a melhor opção para muitos dos casos: estão nessa lista todos os estilos lupulados, as cervejas leves e as Sours modernas com adições de frutas.
Agora se a resposta para a pergunta é comparar a evolução, as cervejas mais alcoólicas, os rótulos que passaram por barris de madeira, as cervejas ácidas refermentadas em garrafa, assim como as cervejas não pasteurizadas feitas com Brett, essas evoluem e são excelentes escolhas para serem guardadas.
Evoluir não quer dizer necessariamente que estamos falando de algo positivo. O que é bom para um estilo não é para o outro. O amargor de lúpulo diminui, a carbonatação baixa, quando estamos falando de uma evolução bacana, e aumenta a ponto de explodir uma garrafa que pode ter sofrido contaminação que também acidificou a cerveja.
Com raríssimas exceções, que incluem as ácidas e as Brett, as cervejas de guarda atingem o seu auge cerca de dois anos após o seu envase. Mais tempo do que isso e a cerveja começa a perder mais do que a ganhar com a evolução, deixando muito claro que, para um consumo isolado de uma garrafa, esse é o limite, mas para uma degustação vertical de vários anos do mesmo rótulo, a experiência pode ser bastante curiosa e o gosto pessoal dirá o que cada consumidor achou.
Da minha parte, as Flanders e Lambics podem esperar mais do que as Barley Wines e, sem nenhuma dúvida, uma cerveja que é a melhor evolução de todos os rótulos não ácidos é a controversa Deus. Se não provou uma vencida de dois anos logo após uma cerveja jovem, coloque na lista de coisas para se fazer, escolha a companhia e aproveite a experiência.