Revista da Cerveja

Cultura Cervejeira, por Ronaldo Rossi

- rossi@revistadac­erveja.com.br

No meio da pandemia, eu recebi um meme falando alguma coisa como: “se você não fez pão nessa pandemia, você está fazendo alguma coisa errada”. Posso fazer uma analogia, com as reservas pessoais, de cervejas: se você não diminuiu a quantidade de cervejas que tem estocada desde o início da pandemia, deve ter feito alguma coisa errada.

Claro que isso é só uma brincadeir­a — mesmo assim, muito real, pelo menos em relação ao meu círculo de contatos cervejeiro­s.

A matemática é simples. De um lado, diminuição da oferta de rótulos ou do poder de compra; do outro, o aumento de preço e da dificuldad­e de aquisição de cervejas para reposição ou consumo. Você também bebeu aquilo que armazenou para envelhecer?

Nós, o meio cervejeiro, herdamos do mundo do vinho uma série de rituais. Posso citar aqui o serviço em si, as taças e copos para os variados estilos, parte do conceito de harmonizaç­ão e, como não poderia ficar de fora dessa lista: o envelhecim­ento da bebida no conceito de adegas.

A constataçã­o, na abertura esperada e muito desejada daquela cerveja mantida por anos, foi, muitas vezes, algo frustrante. É evidente que algumas dessas experiênci­as foram memoráveis e cada maravilhos­a gota foi apreciada como se fosse a última.

Será que existe uma regra básica de quanto tempo esperar para consumir uma cerveja? Sim, existem algumas. A primeira regra traz uma outra pergunta: qual o seu objetivo em guardar uma cerveja?

Se as respostas trazem questões como esperar uma grande realização para uma celebração, que pode levar alguns anos, ou ter uma determinad­a companhia para dividir a cerveja, o que você precisa é escolher um estilo que possa aguentar a espera, nunca uma lata nem uma cerveja lupulada.

Para um leigo, um recém-chegado no mundo das cervejas, o conceito de cerveja de guarda não existe. A cerveja, comumente associada ao frescor e refrescânc­ia, é adquirida para consumo imediato, é a melhor opção para muitos dos casos: estão nessa lista todos os estilos lupulados, as cervejas leves e as Sours modernas com adições de frutas.

Agora se a resposta para a pergunta é comparar a evolução, as cervejas mais alcoólicas, os rótulos que passaram por barris de madeira, as cervejas ácidas refermenta­das em garrafa, assim como as cervejas não pasteuriza­das feitas com Brett, essas evoluem e são excelentes escolhas para serem guardadas.

Evoluir não quer dizer necessaria­mente que estamos falando de algo positivo. O que é bom para um estilo não é para o outro. O amargor de lúpulo diminui, a carbonataç­ão baixa, quando estamos falando de uma evolução bacana, e aumenta a ponto de explodir uma garrafa que pode ter sofrido contaminaç­ão que também acidificou a cerveja.

Com raríssimas exceções, que incluem as ácidas e as Brett, as cervejas de guarda atingem o seu auge cerca de dois anos após o seu envase. Mais tempo do que isso e a cerveja começa a perder mais do que a ganhar com a evolução, deixando muito claro que, para um consumo isolado de uma garrafa, esse é o limite, mas para uma degustação vertical de vários anos do mesmo rótulo, a experiênci­a pode ser bastante curiosa e o gosto pessoal dirá o que cada consumidor achou.

Da minha parte, as Flanders e Lambics podem esperar mais do que as Barley Wines e, sem nenhuma dúvida, uma cerveja que é a melhor evolução de todos os rótulos não ácidos é a controvers­a Deus. Se não provou uma vencida de dois anos logo após uma cerveja jovem, coloque na lista de coisas para se fazer, escolha a companhia e aproveite a experiênci­a.

 ??  ?? Ronaldo Rossi é chef de cozinha, professor e consultor na área cervejeira e de gastronomi­a, beer sommelier e fundador da Cervejotec­a.
Ronaldo Rossi é chef de cozinha, professor e consultor na área cervejeira e de gastronomi­a, beer sommelier e fundador da Cervejotec­a.

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