42. Escola alemã
A tradição da pureza
Série sobre escolas cervejeiras começa com a tradicional alemã
Ilustração: Eduardo Soares
A história da cerveja está intimamente ligada à Alemanha. Para muitos, o berço da sua origem. Mas, se não foi exatamente lá que ela surgiu, o certo é que é o país onde ela mais se desenvolveu ao longo dos séculos. O mestrecervejeiro Gustavo Henrique Palhares de Miranda não tem dúvidas do peso da escola alemã de cerveja no mundo — e é com ela que iniciamos a série de reportagens sobre escolas cervejeiras.
Gustavo Miranda diplomou-se mestre-cervejeiro pela TU Berlin — VLB e sommelier de cervejas pela Doemens/Senac-SP. Também é engenheiro químico, com pós-graduações e MBA Executivo em Gestão Empresarial, e vem atuando profissionalmente na área cervejeira há mais de 40 anos em empresas nacionais e multinacionais. Trabalhou com consultoria, desenvolvimento de projetos, formação de técnicos cervejeiros, qualificação e gastronomia, e atualmente ministra cursos e desenvolve trabalhos de treinamento e consultoria no mercado cervejeiro, individualmente e com parcerias. Para falar sobre a escola alemã ele começa fazendo um resgate da história da cerveja em terras germânicas, que, segundo conta, vem desde os tempos do Império Romano.
Porém, só a partir da Idade Média é que vão surgir os primeiros relatos da sua produção em monastérios e abadias, como St. Gallen, na Suíça, Weihenstephan (1040) e Weltenburg (1050), na Alemanha. “Os monges e religiosos, como beneditinos, trapistas e outros, aprimoraram o método de produção de cerveja, fazendo dela também o seu trabalho e alimento, especialmente no período da quaresma para os cristãos, pois ‘liquida non frangunt Ieunium’, ou seja, ‘um líquido não quebra o jejum’.”
Ele observa que, em 1153, surgem relatos da introdução do lúpulo na cerveja, pois até então eram utilizadas outras ervas, o chamado “gruit”. O registro do lúpulo é atribuído à monja abadessa Hildegard von Bingen (1098–1179), da região do Reno, na Alemanha. A monja beneditina que, além de religiosa, era também escritora, poeta, cientista e terapeuta, descobriu, então, que o lúpulo age como conservante natural na cerveja, o que ela traduziu na sua frase “putredines prohibet in amaritune sua”, ou seja, “seu amargor evita a putrefação”.
A Lei da Pureza Alemã
Como não poderia deixar de ser, Gustavo ressalta o surgimento da Lei da Pureza Alemã da cerveja, a Reinheitsgebot, de 23 de abril de 1516, que, há 505 anos, foi proclamada pelo Duque da Baviera Guilherme IV estabelecendo que os únicos ingredientes usados para fabricação da cerveja deveriam ser água, cevada e lúpulo (naquela época, não se conhecia a ação das leveduras). Uma forma de proteger e assegurar a qualidade da bebida. “Ainda nos dias de hoje, a Alemanha se utiliza das suas tradições e produz as suas cervejas de acordo com a Lei da Pureza.”
Ele lembra também que, mais recentemente, o Mercado Comum Europeu (MCE), em 1987, determinou que a lei fosse utilizada exclusivamente na Alemanha. “Até então, a lei era utilizada por eles como uma forma de protecionismo também, já que cervejas produzidas em outros países vizinhos, que utilizavam outros ingredientes na produção das suas cervejas, não podiam ser vendidas na Alemanha, e esta podia fazê-lo nos outros países”, acrescenta Gustavo. Segundo ele, após a decisão do MCE, a Alemanha passou a adotar o slogan “Deutsches Bier, Reines Bier”, ou “cerveja alemã, cerveja pura”, o que faz da Lei da Pureza, além da tradição, um fator de marketing, não só para a cerveja alemã, mas também para outras cervejarias ao redor do mundo que se utilizam do termo “produzido de acordo com a Lei da Pureza alemã”.
A origem da Oktoberfest
Ainda em relação à história, Gustavo lembra o surgimento da Oktoberfest em outubro de 1810, uma festa para celebrar o casamento do Príncipe Ludwig, da Baviera, com a Princesa Therese, da Saxônia, para o qual toda a população foi convidada.