Homero Guercia
Natural de São Paulo/SP, 70 anos, no momento Homero atua como consultor para a indústria de bebidas. Além de mestre-cervejeiro, formado pela Doemens Akademie, da Alemanha, em 1985, já atuou em várias áreas cervejeiras em diferentes frentes.
A trajetória do mestre-cervejeiro Foto: Arquivo Pessoal
Já foi, por exemplo, diretor industrial e mestre-cervejeiro na Schincariol e Brasil Kirin em 2004 e 2017, respectivamente, gerente industrial e de Qualidade Assegurada na Ambev e Antarctica, além de microbiologista. A sua formação também é ampla: biólogo pela Universidade de São Paulo (USP), tem pós-graduação em Gestão de Qualidade e Produtividade pela Escola Politécnica da USP. A sua relação com a cultura cervejeira iniciou cedo, aos 23 anos, quando começou a trabalhar no laboratório de microbiologia na Cia. Antarctica Paulista. Atualmente, como consultor, seu foco está voltado para gestão industrial — produtividade, custos, qualidade e inovação.
CERVEJA E CRIAÇÃO DAS RECEITAS
Quando trabalhava como mestre-cervejeiro, o seu processo de criação de receitas, basicamente, começava em escala laboratorial, passando, a seguir, para escala piloto (na cervejaria piloto) e, por fim, na escala industrial. O desenvolvimento ocorria por uma interação e parceria entre as áreas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e marketing. Cerveja artesanal? “No Brasil, convencionou-se chamar de cerveja artesanal aquela produzida em pequena escala — normalmente pequenas cervejarias —, com uma pluralidade de tipos, como IPAs, Bocks, etc.”
Sobre as diferenças entre as artesanais e “comerciais” ou “industriais”, afirma que as primeiras são um vetor importante de disseminação de uma cultura cervejeira anteriormente restrita às cervejas do tipo Pilsen, que eram, e ainda são, a grande parcela
das cervejas produzidas no país pelas grandes cervejarias. “O brasileiro passou a tomar conhecimento dos inúmeros e diferentes tipos de cervejas existentes por meio, principalmente, das microcervejarias. Além disso, os cervejeiros artesanais puderam dar asas à inovação, criando tipos e sabores únicos e muito particulares.”
FATOR INSUMO E QUALIDADE
Para garantir o bom nível das cervejas, o mestre considera importante a escolha de matérias-primas de boa qualidade, rígido controle no processo de produção (para manter um padrão definido de qualidade), embalagens seguras, para o produto e para o consumidor, transporte e armazenamento adequados. Em relação aos equipamentos, considera fundamental propiciar flexibilidade para a produção de diferentes tipos de cervejas, devendo possuir os elementos mínimos para que o processo de produção seja convenientemente controlado. “Devem ser seguros, de fácil utilização e de maneira que a limpeza e a sanitização sejam feitas de forma fácil e eficaz.”
RAZÃO DE VIDA PROFISSIONAL
Para o experiente profissional, ser mestre-cervejeiro é ser alguém que conhece profundamente o produto e faz dele sua razão de vida profissional. “Conhecer profundamente significa algo muito abrangente.” Isso, segundo ele, implica em entender as matérias-primas desde o seu plantio; as condições de solo e climáticas; o processamento das matérias-primas; o transporte adequado; os cuidados e os parâmetros de processamento; a microbiologia das leveduras e seus eventuais contaminantes; a termodinâmica complexa que existe dentro de uma cervejaria; os equipamentos de envase, etc. “Enfim, é um mundo complexo e, ao mesmo tempo, fascinante.”
REFERÊNCIAS E PANDEMIA
Ao longo da sua vida profissional, Homero diz que teve muitas referências e destaca três importantes mestres-cervejeiros. Iniciou com Hans Grunewald, seu primeiro mentor em cervejaria, que lhe ensinou a arte da fermentação de cervejas e a manipulação de leveduras. O segundo foi Wolfram Münch, chefe dos cervejeiros da antiga Antarctica, que lhe abriu as portas para o mundo cervejeiro. E o terceiro, Peter Ehrardt, cervejeiro que deu aulas para inúmeros cervejeiros brasileiros na Alemanha, inclusive para o próprio Homero, e que posteriormente adotou o Brasil como segunda pátria, tendo sido o primeiro professor de cervejaria a ministrar aulas no Senai do Rio de Janeiro.
Quanto à cena cervejeira no país e o momento particular que ela atravessa com a pandemia, acredita que haverá necessidade de reinventar o negócio. “Novos produtos, novos SKUs (stock keeping unit ou unidade de manutenção de estoque), novas formas de divulgação e propaganda e, principalmente, novas formas de comercialização e entrega dos produtos.” Mas, afirma que o Brasil tem uma sólida indústria cervejeira e utiliza as melhores tecnologias existentes atualmente. Vê, inclusive, o país em igualdade de condições em comparação aos maiores e melhores centros de produção de cerveja mundiais.
DESAFIOS E CONQUISTAS
Classifica o mercado cervejeiro do país como muito dinâmico e altamente competitivo — o que exige de quem trabalha no segmento uma boa dose de resiliência, senso de oportunidades, relacionamento com o mercado e, principalmente, muita dedicação e comprometimento com a qualidade. Otimista com as conquistas do setor, reforça o fato de que o Brasil é um dos maiores produtores e consumidores de cerveja do planeta. “O maior fabricante de cervejas do mundo (AB Inbev) é administrado por brasileiros, e há profissionais da cerveja brasileiros atuando em todos os continentes. Acredito que isso, por si só, demonstra o papel relevante da indústria e destes profissionais.”
AVANÇOS E PLANOS
Quanto ao futuro, acredita que a inteligência artificial, a robótica, a nanotecnologia e a indústria 4.0 estarão ainda mais presentes dentro da indústria cervejeira. “Mas não vamos prescindir do mestre-cervejeiro, com a criação de novas fórmulas, novos produtos e como agente disseminador da fascinante cultura cervejeira.” Imagina que, daqui a algum tempo, poderá haver ainda uma maior concentração entre os grandes produtores e surgirão, dentre os pequenos de hoje, novos players que tornarão o mercado ainda mais atrativo e competitivo. E ele? “Acredito que, ao longo da minha carreira, pude dar a minha parcela de contribuição às indústrias e, principalmente, às pessoas que nelas trabalham. Pretendo seguir como consultor, conselheiro e palestrante ainda durante algum tempo, utilizando a minha experiência vitoriosa com o TPM [Total Productive Management] desenvolvido nas plantas da antiga Brasil Kirin e que nos proporcionou a conquista de várias premiações pelo Japan Institute of Plant Maintenance (JIPM), como fruto dos altos índices de produtividade e qualidade alcançados”, finaliza.