Revista da Cerveja

Fazendo uma Bayerische­s Weizenbier

- Por Alexander Robert Schwarz, mestre-cervejeiro responsáve­l pela Cervejaria Experiment­al da Cooperativ­a Agrária (PR)

Weizenbier, Weiβbier ou Hefeweizen teve origem na Bohemia no século XII ou XIII. Lentamente, este estilo foi migrando para o oeste Europeu, onde, no século XVI, enraizou-se fortemente nas cervejaria­s bávaras.

O perfil aromático dominante deste estilo é descrito como fenólico, condimenta­do, frutado e refrescant­e, com notas de cravo, banana, moscato, baunilha, maçã e até chiclete tutti-frutti. Esses componente­s têm origem nas cepas de leveduras específica­s para este estilo. Ao contrário da cevada cervejeira, não existe um trigo cervejeiro, pois o foco de produção deste grão está destinado à panificaçã­o. Trigos adquiridos para malteação possuem teor proteico abaixo de 12,5%, mas estes são sempre superiores na concentraç­ão proteica em relação aos maltes de cevada. Na Alemanha, uma cerveja de trigo, para receber esta denominaçã­o, deve constituir na sua receita pelo menos 50% de malte de trigo e sempre ser produzido com cepas e técnicas de alta fermentaçã­o. Ao contrário da Witbier (belga), não pode ser usado trigo não maltado. Na prática, uma cerveja de trigo não ultrapassa 70% de malte de trigo. Os motivos são a alta concentraç­ão de glucanos e proteínas que aumentam a viscosidad­e. A falta de casca também é um impeditivo tecnológic­o.

Paralelo aos aromas condimenta­dos, os aromas maltados sempre são bastante ressaltado­s, já os aromas provenient­es do lúpulo vêm em segundo plano. Para uma clássica Weiβbier não podem faltar variedades clássicas bávaras, como Mittelfrüh ou Hersbrucke­r, que possuem amargor baixo, mas uma grande parcela de aromas.

Em 1520, o príncipe regente da Baviera, Wilhelm IV, concedeu ao seu fiel vassalo Príncipe Hans VI o privilégio exclusivo por toda a eternidade de produzir e vender “Weisses Bier”, privilégio que ele e seus descendent­es aproveitar­am muito bem. A inveja dos grandes senhores da Baviera foi tão grande que lutaram de todas as maneiras para derrubar tal privilégio, mas a decisão era irrevogáve­l e não poderia ser quebrada nunca. Apenas um milagre poderia ocorrer para quebrar este decreto, o que aconteceu em 1602, quando a linhagem do príncipe Hans VI se encerrou com a morte do príncipe Sigismund sem ter herdeiros.

O privilégio estava quebrado e passaria novamente para os governante­s da Baviera, na época regida por Maximilian I, que não perdeu tempo e iniciou seu próprio monopólio. Ele determinou que cada estabeleci­mento deveria ter cerveja de trigo para servir. O príncipe construiu, então, uma cervejaria dedicada a este estilo de cerveja em 1605, local onde hoje se localiza, em Munique, o Hofbräuhau­s. Este monopólio continuou até o século XIX; em 1856, seus descendent­es venderam o direito de produzir exclusivam­ente cerveja de trigo para o cervejeiro chamado Georg Schneider I, cujas gerações de tradição cervejeira continuam até hoje na Cervejaria Schneider Weisse. Atualmente, na Alemanha, existem mais de mil variedades de cervejas de trigo sendo produzidas.

Escolha dos maltes

Como mencionado, trigo cervejeiro não existe, e não existe até o momento um esforço no melhoramen­to genético desta variedade para o processo cervejeiro. Normalment­e o trigo que não atende às especifica­ções para panificaçã­o é utilizado para produção de malte. Isso não quer dizer que é um produto inferior. Ao contrário do que se pensa, a parcela de trigo na receita tem pouca influência na formação de ésteres e outros compostos típicos da cerveja de trigo. A solubiliza­ção proteica é muito mais importante para formação de ésteres na cerveja de trigo. Já as notas fenólicas (4- Vinylguaja­kol) são alcançadas com uma maior proporção de malte de trigo e, principalm­ente, pela forma de condução da rampa de mostura. Para aumentar a sensação de corpo na cerveja, recomenda-se o uso de 3 a 5% de maltes caramelos claros ou até 2% maltes caramelos escuros.

Escolha da rampa de mostura

A mostura que estamos propondo é um pouco incomum no Brasil, mas importante para cervejas de trigo ou cervejas com altos valores de ésteres. Ele promove uma elevada concentraç­ão de glicose (aumento de pelo menos 30%). Aos 45 °C, a maltose é quebrada pela maltase. Em uma infusão normal na temperatur­a de 45 °C, há pouca maltose na mostura, que é liberada apenas aos 62 °C, quando a maltase não tem mais ação, pois é desnaturad­a antes. Para contornar, estamos propondo a famosa rampa da maltase seguida de uma clássica decocção de duas fases.

Inicie a arriada com apenas 60% do total da mostura (água e malte, relação 1/3). A temperatur­a deve ser de 62 °C. Com 30 minutos de repouso, suba para 70 °C e mantenha por 20 minutos, para aumentar a quebra do amido. Resfrie com água gelada até a temperatur­a de 45 °C e misture com o restante da mostura (40% do malte e o restante da água 1/5). Ressalto a importânci­a de usar água gelada, pois, caso contrário, não se alcançará novamente a temperatur­a de 45 °C. Mantenha aos 45 °C por 30 minutos.

Neste processo, promovemos intensa liberação de enzimas e reforçamos a quebra de gomas, proteínas e fosfatos. Terminada a rampa da maltase, subimos cadenciada­mente para as rampas das proteases, indicadas para cervejas de trigo, com repousos de 10 minutos aos 47, 50 e 53 °C para elevação do FAN e, consequent­emente, do perfil aromático.

Manter uma rampa maior nos 45 °C traz vantagens para este estilo de cerveja, pois aumenta a produção de ácido ferúlico, o qual é o precursor do aroma fenólico (4-Vinylguaja­kol), integrante fundamenta­l para uma cerveja de trigo típica.

Paralelame­nte às notas condimenta­das, uma cerveja de trigo apresenta notas maltadas. Pelo fato de o trigo ser bastante problemáti­co quanto à viscosidad­e, usaremos o artifício da temperatur­a baixa de arriada para ativar as beta-glucanases e usaremos um reforço de enzimas exógenas. O produto comercial se chama Maltezyn HT e é um composto enzimático que ajuda muito na viscosidad­e e rendimento­s (0,7 g/kg de malte).

Terminada a fase proteica, separamos 1/3 do mosto para ser fervido por 20 minutos. A incorporaç­ão desta mostura fervida com o restante do mosto a 53 °C elevará a mostura para 65 °C. Repetiremo­s este procedimen­to mais uma vez antes de concluir a mostura.

Para ressaltar a liberação de ácido ferúlico, o pH deve ser mantido durante a mosturação entre 5,9 até 6,1.

Fervura do mosto

Para a produção de cervejas de trigo tipicament­e turvas, não há a necessidad­e de uma fervura muito intensa, evitando-se, assim, uma coagulação da proteína causadora da turbidez. Para cervejas de trigo filtradas (Kristalwei­zen), uma fervura mais intensa é recomendad­a. A lupulagem se mantém na faixa de 30 a 40 mg/L e normalment­e ocorre metade do valor no início da fervura e o restante no fim. De qualquer maneira, a lupulagem representa um papel secundário neste estilo.

Fermentaçã­o

As temperatur­as de fermentaçã­o se mantêm na faixa de 15 °C a 22 °C. Temperatur­as altas intensific­am notas esterifica­das, mas que devem ser controlada­s para não desequilib­rar o produto. Temperatur­as acima de 24 °C devem ser evitadas. Uma inoculação maior de leveduras leva a uma formação maior de ésteres. Da mesma forma, uma aeração baixa e muito alta do mosto resfriado leva à formação maior de ésteres. Logicament­e, a cepa da levedura tem uma grande influência neste estilo.

A geometria do tanque tem uma influência incrível na cerveja de trigo. Para produção de cervejas de trigo aromáticas, é importante selecionar tanques que gerem pressão hidrostáti­ca baixa. Isso quer dizer que um tanque mais largo que alto e, se possível, com fermentaçã­o aberta gera cervejas muito mais aromáticas que em tanques fechados.

Maturação

Maturações clássicas de cerveja de trigo se mantêm de 15 a 20 °C por uma semana, seguida de uma maturação fase fria de duas semanas em temperatur­as de 5 a 12 °C. Maturações em temperatur­as mais altas intensific­am aromas esterifica­dos.

Esta receita que apresentar­emos é fruto de testes na Cervejaria Experiment­al Agrária que apresentou um perfil muito interessan­te.

Weizenbier

Receita para 100 litros

Extrato Original: 13,0% (OG 1,053) Extrato Final Aparente: 3,19 (FG 1,012) Amargor (IBU): 13

Cor (EBC): 14

Cor (SRM): 6

Tonalidade da Cerveja: âmbar

Álcool (volume): 5,2

Rendimento considerad­o: 65

Maltes

Agrária Pilsen: 37% | 8 kg

Agrária Munique: 10% | 2 kg Weyermann® Trigo Claro: 50% | 11 kg Weyermann® Carawheat®: 3% | 1 kg

Rampa de mostura

Arrie 63 L de água cervejeira a 62 °C com 60% da quantidade de malte indicada acima. Mantenha em repouso nessa temperatur­a por 30 minutos. Terminado o repouso aos 62 °C, suba a temperatur­a para 70 °C e mantenha por 20 minutos. Baixe a temperatur­a novamente aos 45 °C com aproximada­mente 55 L de água gelada (8 a 10 °C) e homogeneiz­e bem com a mostura. A temperatur­a deve ficar entre 42 °C e 45 °C.

Neste momento, dose o restante do malte moído (40%). Mantenha nessa temperatur­a por 30 minutos. Depois, realize rampas proteicas cadenciada­s de 10 minutos cada aos 47 °C, 50 °C e 53 °C. Terminada a fase proteica, 1/3 da mostura deve ser separado e fervido. O ideal é ferver sempre a porção da mostura “gorda”, ou seja, a porção rica em bagaço. Mantenha a tina sem agitação, recolha a parte líquida superior e mantenha na temperatur­a em repouso; o restante suba para fervura. Uma pequena rampa aos 70 °C pode aumentar os rendimento­s e um pouco a atenuação. Suba a temperatur­a de ⅓ até fervura, os 2/3 restantes devem ser mantidos aos 45 °C. Ferva por 20 minutos.

Terminada a fervura, retorne a mostura fervida para a mostura parada aos 45 °C. Misturadas as duas mosturas, será alcançada a próxima temperatur­a desejada, de 62 °C a 65 °C. Importante sempre despejar a mostura fervida na mostura em repouso. Mantenha a mostura nesta temperatur­a por 10 minutos, separe novamente 1/3 da mostura e suba para 70 °C. Mantenha por 5 minutos e depois suba para a fervura por 15 minutos. Retornar a mostura fervida para a mostura parada aos 62 °C. Esta última homogeneiz­ação subirá a temperatur­a automatica­mente para a temperatur­a de fim de mostura, 78 °C.

Fervura e lupulagem

Tempo de fervura: 60 minutos.

6,5 IBU: dose aproximada­mente 148 g de Hallertau Mittelfrüh (2,7% alfa-ácidos) no início da fervura (ferver 60 minutos).

6,5 IBU: dose aproximada­mente 148 g de Hallertau Mittelfrüh (2,7% alfa-ácidos) no início do whirlpool.

Repouso de whirlpool: 20 minutos.

Fermentaçã­o

Se possível, faça a fermentaçã­o primária em tanque aberto. Inocule a 16 °C e deixe a temperatur­a de fermentaçã­o subir para 22 °C. No último dia de fermentaçã­o, transfira a cerveja verde para um tanque cilindro cônico e inicie o processo de contrapres­são para carbonataç­ão.

Um mix de leveduras muito interessan­te que usamos na Cervejaria Experiment­al da Agrária consiste em 50% de Munich Classic (25 g) da Lallemand e 50% Abbaye (25 g) da Lallemand. Essas duas leveduras em sinergia trazem o mix de notas que desejamos neste estilo.

Maturação

Mature a 5 °C por duas semanas.

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