Fazendo uma Bayerisches Weizenbier
Weizenbier, Weiβbier ou Hefeweizen teve origem na Bohemia no século XII ou XIII. Lentamente, este estilo foi migrando para o oeste Europeu, onde, no século XVI, enraizou-se fortemente nas cervejarias bávaras.
O perfil aromático dominante deste estilo é descrito como fenólico, condimentado, frutado e refrescante, com notas de cravo, banana, moscato, baunilha, maçã e até chiclete tutti-frutti. Esses componentes têm origem nas cepas de leveduras específicas para este estilo. Ao contrário da cevada cervejeira, não existe um trigo cervejeiro, pois o foco de produção deste grão está destinado à panificação. Trigos adquiridos para malteação possuem teor proteico abaixo de 12,5%, mas estes são sempre superiores na concentração proteica em relação aos maltes de cevada. Na Alemanha, uma cerveja de trigo, para receber esta denominação, deve constituir na sua receita pelo menos 50% de malte de trigo e sempre ser produzido com cepas e técnicas de alta fermentação. Ao contrário da Witbier (belga), não pode ser usado trigo não maltado. Na prática, uma cerveja de trigo não ultrapassa 70% de malte de trigo. Os motivos são a alta concentração de glucanos e proteínas que aumentam a viscosidade. A falta de casca também é um impeditivo tecnológico.
Paralelo aos aromas condimentados, os aromas maltados sempre são bastante ressaltados, já os aromas provenientes do lúpulo vêm em segundo plano. Para uma clássica Weiβbier não podem faltar variedades clássicas bávaras, como Mittelfrüh ou Hersbrucker, que possuem amargor baixo, mas uma grande parcela de aromas.
Em 1520, o príncipe regente da Baviera, Wilhelm IV, concedeu ao seu fiel vassalo Príncipe Hans VI o privilégio exclusivo por toda a eternidade de produzir e vender “Weisses Bier”, privilégio que ele e seus descendentes aproveitaram muito bem. A inveja dos grandes senhores da Baviera foi tão grande que lutaram de todas as maneiras para derrubar tal privilégio, mas a decisão era irrevogável e não poderia ser quebrada nunca. Apenas um milagre poderia ocorrer para quebrar este decreto, o que aconteceu em 1602, quando a linhagem do príncipe Hans VI se encerrou com a morte do príncipe Sigismund sem ter herdeiros.
O privilégio estava quebrado e passaria novamente para os governantes da Baviera, na época regida por Maximilian I, que não perdeu tempo e iniciou seu próprio monopólio. Ele determinou que cada estabelecimento deveria ter cerveja de trigo para servir. O príncipe construiu, então, uma cervejaria dedicada a este estilo de cerveja em 1605, local onde hoje se localiza, em Munique, o Hofbräuhaus. Este monopólio continuou até o século XIX; em 1856, seus descendentes venderam o direito de produzir exclusivamente cerveja de trigo para o cervejeiro chamado Georg Schneider I, cujas gerações de tradição cervejeira continuam até hoje na Cervejaria Schneider Weisse. Atualmente, na Alemanha, existem mais de mil variedades de cervejas de trigo sendo produzidas.
Escolha dos maltes
Como mencionado, trigo cervejeiro não existe, e não existe até o momento um esforço no melhoramento genético desta variedade para o processo cervejeiro. Normalmente o trigo que não atende às especificações para panificação é utilizado para produção de malte. Isso não quer dizer que é um produto inferior. Ao contrário do que se pensa, a parcela de trigo na receita tem pouca influência na formação de ésteres e outros compostos típicos da cerveja de trigo. A solubilização proteica é muito mais importante para formação de ésteres na cerveja de trigo. Já as notas fenólicas (4- Vinylguajakol) são alcançadas com uma maior proporção de malte de trigo e, principalmente, pela forma de condução da rampa de mostura. Para aumentar a sensação de corpo na cerveja, recomenda-se o uso de 3 a 5% de maltes caramelos claros ou até 2% maltes caramelos escuros.
Escolha da rampa de mostura
A mostura que estamos propondo é um pouco incomum no Brasil, mas importante para cervejas de trigo ou cervejas com altos valores de ésteres. Ele promove uma elevada concentração de glicose (aumento de pelo menos 30%). Aos 45 °C, a maltose é quebrada pela maltase. Em uma infusão normal na temperatura de 45 °C, há pouca maltose na mostura, que é liberada apenas aos 62 °C, quando a maltase não tem mais ação, pois é desnaturada antes. Para contornar, estamos propondo a famosa rampa da maltase seguida de uma clássica decocção de duas fases.
Inicie a arriada com apenas 60% do total da mostura (água e malte, relação 1/3). A temperatura deve ser de 62 °C. Com 30 minutos de repouso, suba para 70 °C e mantenha por 20 minutos, para aumentar a quebra do amido. Resfrie com água gelada até a temperatura de 45 °C e misture com o restante da mostura (40% do malte e o restante da água 1/5). Ressalto a importância de usar água gelada, pois, caso contrário, não se alcançará novamente a temperatura de 45 °C. Mantenha aos 45 °C por 30 minutos.
Neste processo, promovemos intensa liberação de enzimas e reforçamos a quebra de gomas, proteínas e fosfatos. Terminada a rampa da maltase, subimos cadenciadamente para as rampas das proteases, indicadas para cervejas de trigo, com repousos de 10 minutos aos 47, 50 e 53 °C para elevação do FAN e, consequentemente, do perfil aromático.
Manter uma rampa maior nos 45 °C traz vantagens para este estilo de cerveja, pois aumenta a produção de ácido ferúlico, o qual é o precursor do aroma fenólico (4-Vinylguajakol), integrante fundamental para uma cerveja de trigo típica.
Paralelamente às notas condimentadas, uma cerveja de trigo apresenta notas maltadas. Pelo fato de o trigo ser bastante problemático quanto à viscosidade, usaremos o artifício da temperatura baixa de arriada para ativar as beta-glucanases e usaremos um reforço de enzimas exógenas. O produto comercial se chama Maltezyn HT e é um composto enzimático que ajuda muito na viscosidade e rendimentos (0,7 g/kg de malte).
Terminada a fase proteica, separamos 1/3 do mosto para ser fervido por 20 minutos. A incorporação desta mostura fervida com o restante do mosto a 53 °C elevará a mostura para 65 °C. Repetiremos este procedimento mais uma vez antes de concluir a mostura.
Para ressaltar a liberação de ácido ferúlico, o pH deve ser mantido durante a mosturação entre 5,9 até 6,1.
Fervura do mosto
Para a produção de cervejas de trigo tipicamente turvas, não há a necessidade de uma fervura muito intensa, evitando-se, assim, uma coagulação da proteína causadora da turbidez. Para cervejas de trigo filtradas (Kristalweizen), uma fervura mais intensa é recomendada. A lupulagem se mantém na faixa de 30 a 40 mg/L e normalmente ocorre metade do valor no início da fervura e o restante no fim. De qualquer maneira, a lupulagem representa um papel secundário neste estilo.
Fermentação
As temperaturas de fermentação se mantêm na faixa de 15 °C a 22 °C. Temperaturas altas intensificam notas esterificadas, mas que devem ser controladas para não desequilibrar o produto. Temperaturas acima de 24 °C devem ser evitadas. Uma inoculação maior de leveduras leva a uma formação maior de ésteres. Da mesma forma, uma aeração baixa e muito alta do mosto resfriado leva à formação maior de ésteres. Logicamente, a cepa da levedura tem uma grande influência neste estilo.
A geometria do tanque tem uma influência incrível na cerveja de trigo. Para produção de cervejas de trigo aromáticas, é importante selecionar tanques que gerem pressão hidrostática baixa. Isso quer dizer que um tanque mais largo que alto e, se possível, com fermentação aberta gera cervejas muito mais aromáticas que em tanques fechados.
Maturação
Maturações clássicas de cerveja de trigo se mantêm de 15 a 20 °C por uma semana, seguida de uma maturação fase fria de duas semanas em temperaturas de 5 a 12 °C. Maturações em temperaturas mais altas intensificam aromas esterificados.
Esta receita que apresentaremos é fruto de testes na Cervejaria Experimental Agrária que apresentou um perfil muito interessante.
Weizenbier
Receita para 100 litros
Extrato Original: 13,0% (OG 1,053) Extrato Final Aparente: 3,19 (FG 1,012) Amargor (IBU): 13
Cor (EBC): 14
Cor (SRM): 6
Tonalidade da Cerveja: âmbar
Álcool (volume): 5,2
Rendimento considerado: 65
Maltes
Agrária Pilsen: 37% | 8 kg
Agrária Munique: 10% | 2 kg Weyermann® Trigo Claro: 50% | 11 kg Weyermann® Carawheat®: 3% | 1 kg
Rampa de mostura
Arrie 63 L de água cervejeira a 62 °C com 60% da quantidade de malte indicada acima. Mantenha em repouso nessa temperatura por 30 minutos. Terminado o repouso aos 62 °C, suba a temperatura para 70 °C e mantenha por 20 minutos. Baixe a temperatura novamente aos 45 °C com aproximadamente 55 L de água gelada (8 a 10 °C) e homogeneize bem com a mostura. A temperatura deve ficar entre 42 °C e 45 °C.
Neste momento, dose o restante do malte moído (40%). Mantenha nessa temperatura por 30 minutos. Depois, realize rampas proteicas cadenciadas de 10 minutos cada aos 47 °C, 50 °C e 53 °C. Terminada a fase proteica, 1/3 da mostura deve ser separado e fervido. O ideal é ferver sempre a porção da mostura “gorda”, ou seja, a porção rica em bagaço. Mantenha a tina sem agitação, recolha a parte líquida superior e mantenha na temperatura em repouso; o restante suba para fervura. Uma pequena rampa aos 70 °C pode aumentar os rendimentos e um pouco a atenuação. Suba a temperatura de ⅓ até fervura, os 2/3 restantes devem ser mantidos aos 45 °C. Ferva por 20 minutos.
Terminada a fervura, retorne a mostura fervida para a mostura parada aos 45 °C. Misturadas as duas mosturas, será alcançada a próxima temperatura desejada, de 62 °C a 65 °C. Importante sempre despejar a mostura fervida na mostura em repouso. Mantenha a mostura nesta temperatura por 10 minutos, separe novamente 1/3 da mostura e suba para 70 °C. Mantenha por 5 minutos e depois suba para a fervura por 15 minutos. Retornar a mostura fervida para a mostura parada aos 62 °C. Esta última homogeneização subirá a temperatura automaticamente para a temperatura de fim de mostura, 78 °C.
Fervura e lupulagem
Tempo de fervura: 60 minutos.
6,5 IBU: dose aproximadamente 148 g de Hallertau Mittelfrüh (2,7% alfa-ácidos) no início da fervura (ferver 60 minutos).
6,5 IBU: dose aproximadamente 148 g de Hallertau Mittelfrüh (2,7% alfa-ácidos) no início do whirlpool.
Repouso de whirlpool: 20 minutos.
Fermentação
Se possível, faça a fermentação primária em tanque aberto. Inocule a 16 °C e deixe a temperatura de fermentação subir para 22 °C. No último dia de fermentação, transfira a cerveja verde para um tanque cilindro cônico e inicie o processo de contrapressão para carbonatação.
Um mix de leveduras muito interessante que usamos na Cervejaria Experimental da Agrária consiste em 50% de Munich Classic (25 g) da Lallemand e 50% Abbaye (25 g) da Lallemand. Essas duas leveduras em sinergia trazem o mix de notas que desejamos neste estilo.
Maturação
Mature a 5 °C por duas semanas.