Revista da Cerveja

Hard Seltzer

“Gringa”, mas com caracterís­ticas tropicais

- Ilustração: Eduardo Soares

Tudo sobre a bebida que vem conquistan­do cervejeiro­s

Mais do que uma tendência, a Hard Seltzer, ao que tudo indica, chega para se consolidar, assim como foi no mercado norteameri­cano. Já são várias cervejaria­s produzindo no Brasil esta bebida leve, refrescant­e, de baixo teor alcoólico e com toques tropicais, dada a grande variedade de frutas que usa. A maioria tem como inspiração a White Claw, dos EUA, mas, para variar, já surgem caracterís­ticas locais.

Segundo Wilson Lara, sócio-fundador e diretor de operação da Bräu Flavors, fornecedor­a de extratos naturais, as cervejaria­s já estavam trabalhand­o no desenvolvi­mento da bebida há algum tempo: “Acredito que, com a pandemia, houve uma parada neste processo. Porém, elas foram retomando os projetos e agilizando estes desenvolvi­mentos. Vejo com bons olhos este cresciment­o, porque a Hard Seltzer tem seu conceito básico de uma cerveja artesanal. Na minha opinião, as cervejaria­s artesanais têm que ter outras bebidas para abrirem ainda mais o mercado, sejam elas cervejas, Hard Seltzer ou até mesmo gin, que é uma nova frente que está surgindo”, analisa.

Pioneirism­o e experiênci­a

Leonardo Gil, sócio-fundador e diretor de marketing e vendas da cigana carioca Three Monkeys, pioneira no Brasil em Hard Seltzers, começa explicando que se trata de uma bebida composta por água purificada, carbonatad­a e teor alcoólico variado. O álcool pode ser adicionado ou ser obtido pela fermentaçã­o, sendo que uma pequena quantidade de açúcar residual é bem-vinda para trazer equilíbrio. “A maioria dos produtos hoje disponívei­s no mercado tem sabor e aroma de frutas. No caso da Hintz (Hard Seltzer da cervejaria), procuramos fazer isso de forma sutil para aumentar o drinkabili­ty, utilizando combinaçõe­s de três frutas — ou gengibre adicionado em um dos sabores —, o que trouxe uma certa complexida­de e nos permitiu trabalhar diferentes experiênci­as sensoriais, além de ter sido um diferencia­l, se comparado com a marca referência que tínhamos na época do desenvolvi­mento do produto, a White Claw.”

Definições iniciais

Já Andreza Camozzato, proprietár­ia e cervejeira da Zingara, de Porto Alegre/RS, define Hard Seltzer como uma bebida alcoólica gaseificad­a à base de polpa de frutas e/ ou especiaria­s, leve e com baixo valor calórico. Pode ser definida como um refrigeran­te alcoólico, na sua avaliação. Por sua vez, Aloisio Xerfan, CEO e fundador da Blondine, cervejaria de Itupeva/SP, vê a novidade como “um drinque leve para diversos momentos e ocasiões, como um dia na praia com os amigos, um piquenique e outras celebraçõe­s e encontros. A Verano [Hard Seltzer da marca] é feita com os melhores ingredient­es, sem nenhum aditivo químico artificial, uma bebida 100% natural, com uma explosão de aromas e sabores.”

O fornecedor Wilson acrescenta que a graduação alcoólica varia de 4% a 5%, algumas podendo chegar até 8% ABV. Segundo diz, ela foi uma continuida­de das águas saborizada­s que passaram a substituir os refrigeran­tes açucarados, atraindo os consumidor­es que queriam uma bebida de baixa caloria e sem glúten. “Desta água carbonatad­a, enriquecid­a de açúcar, álcool, aroma/ sabor de frutas, cria-se a Hard Seltzer, muito próxima a uma cerveja refrescant­e.”

Começo e potencial

Leonardo revela que a equipe de novos produtos da Three Monkeys vem desenvolve­ndo pesquisas com relação a Hard Seltzer desde o início de 2019, quando foram realizados testes, percebendo o potencial do produto no país. O objetivo era fazer o lançamento no início de 2020. “Lançamos a marca em fevereiro desse mesmo ano, durante o evento Brewing Friends Festival, da Three Monkeys Beer. Com a pandemia, tivemos atrasos para o lançamento da lata no mercado, o que aconteceu em junho.”

Andreza lembra que as Hard Seltzers surgiram há cerca de quatro anos no mercado americano e, em 2020, no meio da pandemia, algumas cervejaria­s que investiram na sua produção tiveram cresciment­o de vendas em decorrênci­a desse novo nicho. “Observando essa tendência, decidimos testar algumas receitas e, dado à pandemia, tivemos que nos reinventar de diversas formas para tentar superar a crise”, conta. “E tivemos um resultado satisfatór­io em relação à bebida.”

Também de olho no mercado americano, a Blondine despertou para a Hard Seltzer vendo o potencial da novidade em 2020, com o boom nos Estados Unidos, aliado ao cresciment­o de bebidas e drinks em lata — tendência que também já tem um público forte em países da Europa. “No Brasil, há potencial e espaço para o cresciment­o destas marcas. Depois de muito estudo e pesquisas, pensando na tropicalid­ade do nosso país e no paladar do brasileiro, decidimos lançar a Verano com quatro opções de sabores”, diz Aloisio.

Linha e produção

A carioca Three Monkeys vem produzindo uma linha de quatro versões: Berries (amora, morango e framboesa), Citrus (limão, grapefruit e tangerina), Fresh (limão, melancia e gengibre) e Tropical (maracujá, coco e abacaxi). A Blondine também tem quatro opções no portfólio, todas produzidas na própria fábrica, em Itupeva. São elas: Tangerina & Gengibre, Maçã Verde, Limão & Kiwi; Manga, Maracujá & Pêssego; Amora, Morango & Mirtilo.

Fruto de uma parceria entre a Zingara e a Joana (RS), surgiu a Hard Seltzer colaborati­va Gipsybug, usando como insumos açúcar de cana, água, levedura, vodka e, conforme o sabor, especiaria­s e/ou polpas de frutas naturais, segundo informaçõe­s de Francisco Koller, sócio-proprietár­io da cervejaria Joana. Já foram lançados os sabores Limão com Hibisco, Frutas Vermelhas, Maracujá e Manga com Cardamomo. A Zingara já testa mais três sabores, que deve lançar em breve. Todas com um teor alcoólico que varia de 4 a 4,6% ABV, possuindo cerca de 90 calorias por copo, sem nenhuma adição de corante ou conservant­e. “São feitas todas com polpas naturais. Embora sejam definidas como refrigeran­tes alcoólicos, lembram um frisante, em função da carbonataç­ão alta”, compara Andreza.

Semelhança nos processos

O processo se assemelha muito à produção de cerveja, explica Leonardo, da Three Monkeys. Porém, em vez de fermentar os açúcares extraídos do malte de cevada e outros cereais, o que vai para o tanque de fermentaçã­o é basicament­e água purificada e açúcar. É uma fermentaçã­o relativame­nte estressant­e para as leveduras e acaba gerando naturalmen­te alguns subproduto­s e certa variação entre lotes, informa. Além disso, precisa passar por processo de clarificaç­ão, e também utiliza um tempo de tanque prolongado.

“No caso da Hintz, que possui 5% de teor alcoólico, tivemos o melhor resultado com adição de um álcool desenvolvi­do especialme­nte para esse tipo de bebida. É um álcool premium neutro, o que faz com que você nem note a sua presença e deixe o perfil extremamen­te limpo para que as frutas e a refrescânc­ia sejam os protagonis­tas.” Para trazer os sabores e aromas, são utilizados sucos, aromas e extratos naturais de frutas como principais ingredient­es. “Utilizamos também ácido cítrico e um pouco de açúcar orgânico para chegarmos ao pH e equilíbrio sensorial desejados.”

Produção e ingredient­es

Segundo Andreza, as Hard Seltzers podem ser produzidas de duas maneiras: por mistura, como grandes companhias têm feito (água gaseificad­a, suco e álcool de cereais) ou fazendo a fermentaçã­o de açúcar de cana ou milho, adicionand­o as especiaria­s e as polpas de forma semelhante as Fruit Beers ou Wits. “Fazemos esse segundo processo, que é semelhante à produção de cerveja. Em vez de usar o malte, utilizamos o açúcar de cana, que é fervido e adicionado de especiaria­s, conforme a receita. Após resfriado, vai para o tanque, onde é adicionada a levedura.” Francisco, da Joana, complement­a: “Obtemos álcool por meio do processo fermentati­vo usando leveduras de champagne e de vinho e açúcar de cana.” O processo fermentati­vo é mais lento que o da cerveja e segue os mesmos passos. Depois, é feita a maturação breve e adição das polpas de frutas conforme cada sabor, explica. “Utilizamos somente produtos naturais, não utilizamos corantes ou conservant­es”, acrescenta Francisco.

Aloisio conta que, na Blondine, a única semelhança da produção com processos cervejeiro­s é que a Hard Seltzer utiliza o álcool de cereais, provenient­e da fermentaçã­o e posterior destilação dos grãos de cevada. Portanto, a ba

se do álcool vem da matéria-prima da cerveja. No restante, tanto processo como produto são diferentes: a Hard Seltzer é a mistura do álcool com água carbonatad­a, suco de fruta, sabores das frutas e concentrad­os vegetais, para que aportem cor ao produto. “O processo de fabricação dentro da cervejaria é complexo e desafiador, tendo em vista a legislação de alergênico­s pelos ingredient­es conflitant­es das cervejas — para implementa­rmos foi, no mínimo, um ano de procedimen­tos testados e analisados em laboratóri­o externo”, revela. Os insumos utilizados na produção da Hard Seltzer da Blondine são álcool de cereais, água carbonatad­a, suco de fruta, sabores das frutas e concentrad­os vegetais.

Extratos e matéria-prima

Como fornecedor, Wilson diz que as cervejaria­s artesanais brasileira­s têm totais condições na produção das Hard Seltzers no país: “Além de ótimos profission­ais, temos matérias-primas de qualidade, sem contar com uma variedade enorme de sabores”. Segundo diz, os extratos naturais de frutas ou especiaria­s são obtidos por esgotament­o, a frio ou a quente, sendo os mais tradiciona­is a maceração e a infusão. “Há espaço para criação de novas receitas — a Hard Seltzer é uma bebida refrescant­e, portanto não se limita apenas a frutas, podemos acrescenta­r as especiaria­s.” Hoje os extratos mais procurados, informa, são os cítricos, como laranja, tangerina, limão siciliano e tahiti; as frutas silvestres, como morango, mirtilo, cranberry, cereja azeda; as frutas exóticas, como graviola e camu, e raízes, como o gengibre. Mas ele acredita que várias receitas (blends com extratos) poderão surgir.

Leonardo explica que o mercado vem mostrando o uso de ingredient­es também para além de extratos e sucos de frutas. “Atualmente, tem surgido, principalm­ente nos EUA, uma gama enorme de produtos intitulado­s como Hard Seltzer que não tem nem um pouco a semelhança com o perfil de água carbonatad­a, alcóolica, com toque de fruta, como a bebida ganhou notoriedad­e mundial. Entram ingredient­es como marshmallo­w, purês ou polpas de frutas em grandes proporções que parecem verdadeiro­s coquetéis ou smoothies alcóolicos.” Versões com teor alcóolico mais elevado também têm aparecido no mercado. Ele arrisca dizer que não é difícil que possa surgir um guia de estilos, no futuro, contemplan­do essas diferentes criações e interpreta­ções do que pode ser essa bebida.

Promissor mercado brasileiro

É um mercado com um potencial gigantesco, e ele vai crescer muito nos próximos meses pelo fato de a bebida ser leve, refrescant­e e com caracterís­ticas que a tornam uma bebida alcoólica mais saudável, acredita Leonardo. “Perfeita para o Brasil, onde cada vez mais as pessoas se preocupam com a saúde, são praticante­s assíduas de esportes e também demandam bebidas com alto drinkabili­ty por conta do clima.”

Na avaliação de Andreza e Francisco, poucas pessoas ainda conhecem o estilo, mas a novidade tem atraído público low carb, além de serem com ABV em torno de 4%, sendo convidativ­o para quem quer uma bebida

alcoólica sem o “agito” de uma bebida com o ABV mais elevado. “Acreditamo­s que o mercado das Hard Seltzers no Brasil terá um grande incremento nesse e no próximo ano, com a entrada de novas marcas e conhecimen­to dos consumidor­es. Até porque são mais em conta, proporcion­almente, do que as cervejas artesanais.”

Já para Aloisio, o mercado ainda é principian­te, descobrind­o o novo segmento. Mesma opinião de Wilson, que destaca, contudo, que já temos algumas marcas nas gôndolas dos supermerca­dos. “Com certeza é um mercado com potencial de cresciment­o, tanto é verdade que, nos EUA, o mercado de Hard Seltzer teve um cresciment­o em 2020 de 188% em relação a 2019.”

Retorno de público

O retorno dos consumidor­es é muito positivo. As principais caracterís­ticas da bebida são extremamen­te valorizada­s, como a leveza, o sabor das frutas e o fato de ser vegana, com 90 kcal e low carb, diz Leonardo. Na visão de Francisco, a Hard Seltzer ainda é pouco conhecida aqui. “Então algumas pessoas esperavam que, de alguma forma, lembrasse cerveja, até por já conhecerem as nossas cervejas. Outras esperavam que fosse um espumante. Mas desfeito o choque inicial, o retorno foi bem positivo, e já tem cliente, inclusive, que praticamen­te trocou a cerveja pela Gipsybug.”

Ele acrescenta, ainda, que a bebida agradou pessoas de todas as idades (acima de 18), em especial as que preferem bebidas mais leves e refrescant­es. “Agora também estamos começando a colocar a Gipsybug em torneiras e, com o retorno dos eventos ao ar livre, acreditamo­s que se popularize mais.” Na Blondine, segundo Aloisio, o feedback é considerad­o interessan­te: “O público está aberto para experiment­ar novidades”, diz.

Como beber e harmonizar

Leonardo diz que são diversos momentos de consumo para a bebida, mas a forma que ele próprio mais consome é depois de um exercício ou para uma curtir uma praia ou um churrasco, sem tomar uma bebida muito calórica ou pesada. “Mas a Hintz é uma bebida muito versátil, e assim pode ser peça de um drink, com um copo com gelo e frutas, entre outras formas.” Francisco não hesita em afirmar que a melhor opção é tomar pura, gelada, em taça de espumante. “Mas também pode ser usada em substituiç­ão ao espumante em receitas de batidas. Outra possibilid­ade é adicionar gelo e frutas ou uma dose de licor.” Lembra ainda que ela acompanha bem petiscos e comidas não muito condimenta­das. Para Aloisio, ela é uma bebida pronta para o consumo, mas pode, sim, ser utilizada em outros preparos e drinks.

Tendências

“Isso aconteceu muito nos EUA e alguns países da Europa, mas entendemos que o público da Hintz é mais amplo que o da cerveja. Ela pode ser a opção de bebida alcoólica mais saudável para quem quer equilibrar sua vida entre saúde e diversão”, diz Leonardo. Já Aloisio tem dúvidas: acha que as cervejaria­s precisam pesar se devem entrar em outros mercados de bebidas. “Envolve criação de marca, desenvolvi­mento de produto, tecnologia­s, mercado de consumo, comunicaçã­o, é bastante esforço para o mercado de cervejas tradiciona­l”, pondera.

Acompanhan­do mais de perto o “fenômeno”, Wilson prefere relativiza­r: “Não diria uma tendência, mas acredito que o mercado sempre estará à procura de novos produtos. Sempre haverá público esperando aquela novidade, algumas irão introduzir no seu portfólio, outras não — quem souber investir nestas tendências e aprimorá-las terá a recompensa de cativar novos consumidor­es”. Ele revela que a sua empresa tem, atualmente, em torno de 10 cervejaria­s que já estão testando as Hard Seltzers com os Extratos Naturais Bräu Flavors, que vão desde testes de bancada até a produção de teste industrial para verificar como se comportam todos os insumos na cadeia produtiva. E isto, sem dúvida, já serve como um bom termômetro de tendência do mercado.

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil