Hard Seltzer
“Gringa”, mas com características tropicais
Tudo sobre a bebida que vem conquistando cervejeiros
Mais do que uma tendência, a Hard Seltzer, ao que tudo indica, chega para se consolidar, assim como foi no mercado norteamericano. Já são várias cervejarias produzindo no Brasil esta bebida leve, refrescante, de baixo teor alcoólico e com toques tropicais, dada a grande variedade de frutas que usa. A maioria tem como inspiração a White Claw, dos EUA, mas, para variar, já surgem características locais.
Segundo Wilson Lara, sócio-fundador e diretor de operação da Bräu Flavors, fornecedora de extratos naturais, as cervejarias já estavam trabalhando no desenvolvimento da bebida há algum tempo: “Acredito que, com a pandemia, houve uma parada neste processo. Porém, elas foram retomando os projetos e agilizando estes desenvolvimentos. Vejo com bons olhos este crescimento, porque a Hard Seltzer tem seu conceito básico de uma cerveja artesanal. Na minha opinião, as cervejarias artesanais têm que ter outras bebidas para abrirem ainda mais o mercado, sejam elas cervejas, Hard Seltzer ou até mesmo gin, que é uma nova frente que está surgindo”, analisa.
Pioneirismo e experiência
Leonardo Gil, sócio-fundador e diretor de marketing e vendas da cigana carioca Three Monkeys, pioneira no Brasil em Hard Seltzers, começa explicando que se trata de uma bebida composta por água purificada, carbonatada e teor alcoólico variado. O álcool pode ser adicionado ou ser obtido pela fermentação, sendo que uma pequena quantidade de açúcar residual é bem-vinda para trazer equilíbrio. “A maioria dos produtos hoje disponíveis no mercado tem sabor e aroma de frutas. No caso da Hintz (Hard Seltzer da cervejaria), procuramos fazer isso de forma sutil para aumentar o drinkability, utilizando combinações de três frutas — ou gengibre adicionado em um dos sabores —, o que trouxe uma certa complexidade e nos permitiu trabalhar diferentes experiências sensoriais, além de ter sido um diferencial, se comparado com a marca referência que tínhamos na época do desenvolvimento do produto, a White Claw.”
Definições iniciais
Já Andreza Camozzato, proprietária e cervejeira da Zingara, de Porto Alegre/RS, define Hard Seltzer como uma bebida alcoólica gaseificada à base de polpa de frutas e/ ou especiarias, leve e com baixo valor calórico. Pode ser definida como um refrigerante alcoólico, na sua avaliação. Por sua vez, Aloisio Xerfan, CEO e fundador da Blondine, cervejaria de Itupeva/SP, vê a novidade como “um drinque leve para diversos momentos e ocasiões, como um dia na praia com os amigos, um piquenique e outras celebrações e encontros. A Verano [Hard Seltzer da marca] é feita com os melhores ingredientes, sem nenhum aditivo químico artificial, uma bebida 100% natural, com uma explosão de aromas e sabores.”
O fornecedor Wilson acrescenta que a graduação alcoólica varia de 4% a 5%, algumas podendo chegar até 8% ABV. Segundo diz, ela foi uma continuidade das águas saborizadas que passaram a substituir os refrigerantes açucarados, atraindo os consumidores que queriam uma bebida de baixa caloria e sem glúten. “Desta água carbonatada, enriquecida de açúcar, álcool, aroma/ sabor de frutas, cria-se a Hard Seltzer, muito próxima a uma cerveja refrescante.”
Começo e potencial
Leonardo revela que a equipe de novos produtos da Three Monkeys vem desenvolvendo pesquisas com relação a Hard Seltzer desde o início de 2019, quando foram realizados testes, percebendo o potencial do produto no país. O objetivo era fazer o lançamento no início de 2020. “Lançamos a marca em fevereiro desse mesmo ano, durante o evento Brewing Friends Festival, da Three Monkeys Beer. Com a pandemia, tivemos atrasos para o lançamento da lata no mercado, o que aconteceu em junho.”
Andreza lembra que as Hard Seltzers surgiram há cerca de quatro anos no mercado americano e, em 2020, no meio da pandemia, algumas cervejarias que investiram na sua produção tiveram crescimento de vendas em decorrência desse novo nicho. “Observando essa tendência, decidimos testar algumas receitas e, dado à pandemia, tivemos que nos reinventar de diversas formas para tentar superar a crise”, conta. “E tivemos um resultado satisfatório em relação à bebida.”
Também de olho no mercado americano, a Blondine despertou para a Hard Seltzer vendo o potencial da novidade em 2020, com o boom nos Estados Unidos, aliado ao crescimento de bebidas e drinks em lata — tendência que também já tem um público forte em países da Europa. “No Brasil, há potencial e espaço para o crescimento destas marcas. Depois de muito estudo e pesquisas, pensando na tropicalidade do nosso país e no paladar do brasileiro, decidimos lançar a Verano com quatro opções de sabores”, diz Aloisio.
Linha e produção
A carioca Three Monkeys vem produzindo uma linha de quatro versões: Berries (amora, morango e framboesa), Citrus (limão, grapefruit e tangerina), Fresh (limão, melancia e gengibre) e Tropical (maracujá, coco e abacaxi). A Blondine também tem quatro opções no portfólio, todas produzidas na própria fábrica, em Itupeva. São elas: Tangerina & Gengibre, Maçã Verde, Limão & Kiwi; Manga, Maracujá & Pêssego; Amora, Morango & Mirtilo.
Fruto de uma parceria entre a Zingara e a Joana (RS), surgiu a Hard Seltzer colaborativa Gipsybug, usando como insumos açúcar de cana, água, levedura, vodka e, conforme o sabor, especiarias e/ou polpas de frutas naturais, segundo informações de Francisco Koller, sócio-proprietário da cervejaria Joana. Já foram lançados os sabores Limão com Hibisco, Frutas Vermelhas, Maracujá e Manga com Cardamomo. A Zingara já testa mais três sabores, que deve lançar em breve. Todas com um teor alcoólico que varia de 4 a 4,6% ABV, possuindo cerca de 90 calorias por copo, sem nenhuma adição de corante ou conservante. “São feitas todas com polpas naturais. Embora sejam definidas como refrigerantes alcoólicos, lembram um frisante, em função da carbonatação alta”, compara Andreza.
Semelhança nos processos
O processo se assemelha muito à produção de cerveja, explica Leonardo, da Three Monkeys. Porém, em vez de fermentar os açúcares extraídos do malte de cevada e outros cereais, o que vai para o tanque de fermentação é basicamente água purificada e açúcar. É uma fermentação relativamente estressante para as leveduras e acaba gerando naturalmente alguns subprodutos e certa variação entre lotes, informa. Além disso, precisa passar por processo de clarificação, e também utiliza um tempo de tanque prolongado.
“No caso da Hintz, que possui 5% de teor alcoólico, tivemos o melhor resultado com adição de um álcool desenvolvido especialmente para esse tipo de bebida. É um álcool premium neutro, o que faz com que você nem note a sua presença e deixe o perfil extremamente limpo para que as frutas e a refrescância sejam os protagonistas.” Para trazer os sabores e aromas, são utilizados sucos, aromas e extratos naturais de frutas como principais ingredientes. “Utilizamos também ácido cítrico e um pouco de açúcar orgânico para chegarmos ao pH e equilíbrio sensorial desejados.”
Produção e ingredientes
Segundo Andreza, as Hard Seltzers podem ser produzidas de duas maneiras: por mistura, como grandes companhias têm feito (água gaseificada, suco e álcool de cereais) ou fazendo a fermentação de açúcar de cana ou milho, adicionando as especiarias e as polpas de forma semelhante as Fruit Beers ou Wits. “Fazemos esse segundo processo, que é semelhante à produção de cerveja. Em vez de usar o malte, utilizamos o açúcar de cana, que é fervido e adicionado de especiarias, conforme a receita. Após resfriado, vai para o tanque, onde é adicionada a levedura.” Francisco, da Joana, complementa: “Obtemos álcool por meio do processo fermentativo usando leveduras de champagne e de vinho e açúcar de cana.” O processo fermentativo é mais lento que o da cerveja e segue os mesmos passos. Depois, é feita a maturação breve e adição das polpas de frutas conforme cada sabor, explica. “Utilizamos somente produtos naturais, não utilizamos corantes ou conservantes”, acrescenta Francisco.
Aloisio conta que, na Blondine, a única semelhança da produção com processos cervejeiros é que a Hard Seltzer utiliza o álcool de cereais, proveniente da fermentação e posterior destilação dos grãos de cevada. Portanto, a ba
se do álcool vem da matéria-prima da cerveja. No restante, tanto processo como produto são diferentes: a Hard Seltzer é a mistura do álcool com água carbonatada, suco de fruta, sabores das frutas e concentrados vegetais, para que aportem cor ao produto. “O processo de fabricação dentro da cervejaria é complexo e desafiador, tendo em vista a legislação de alergênicos pelos ingredientes conflitantes das cervejas — para implementarmos foi, no mínimo, um ano de procedimentos testados e analisados em laboratório externo”, revela. Os insumos utilizados na produção da Hard Seltzer da Blondine são álcool de cereais, água carbonatada, suco de fruta, sabores das frutas e concentrados vegetais.
Extratos e matéria-prima
Como fornecedor, Wilson diz que as cervejarias artesanais brasileiras têm totais condições na produção das Hard Seltzers no país: “Além de ótimos profissionais, temos matérias-primas de qualidade, sem contar com uma variedade enorme de sabores”. Segundo diz, os extratos naturais de frutas ou especiarias são obtidos por esgotamento, a frio ou a quente, sendo os mais tradicionais a maceração e a infusão. “Há espaço para criação de novas receitas — a Hard Seltzer é uma bebida refrescante, portanto não se limita apenas a frutas, podemos acrescentar as especiarias.” Hoje os extratos mais procurados, informa, são os cítricos, como laranja, tangerina, limão siciliano e tahiti; as frutas silvestres, como morango, mirtilo, cranberry, cereja azeda; as frutas exóticas, como graviola e camu, e raízes, como o gengibre. Mas ele acredita que várias receitas (blends com extratos) poderão surgir.
Leonardo explica que o mercado vem mostrando o uso de ingredientes também para além de extratos e sucos de frutas. “Atualmente, tem surgido, principalmente nos EUA, uma gama enorme de produtos intitulados como Hard Seltzer que não tem nem um pouco a semelhança com o perfil de água carbonatada, alcóolica, com toque de fruta, como a bebida ganhou notoriedade mundial. Entram ingredientes como marshmallow, purês ou polpas de frutas em grandes proporções que parecem verdadeiros coquetéis ou smoothies alcóolicos.” Versões com teor alcóolico mais elevado também têm aparecido no mercado. Ele arrisca dizer que não é difícil que possa surgir um guia de estilos, no futuro, contemplando essas diferentes criações e interpretações do que pode ser essa bebida.
Promissor mercado brasileiro
É um mercado com um potencial gigantesco, e ele vai crescer muito nos próximos meses pelo fato de a bebida ser leve, refrescante e com características que a tornam uma bebida alcoólica mais saudável, acredita Leonardo. “Perfeita para o Brasil, onde cada vez mais as pessoas se preocupam com a saúde, são praticantes assíduas de esportes e também demandam bebidas com alto drinkability por conta do clima.”
Na avaliação de Andreza e Francisco, poucas pessoas ainda conhecem o estilo, mas a novidade tem atraído público low carb, além de serem com ABV em torno de 4%, sendo convidativo para quem quer uma bebida
alcoólica sem o “agito” de uma bebida com o ABV mais elevado. “Acreditamos que o mercado das Hard Seltzers no Brasil terá um grande incremento nesse e no próximo ano, com a entrada de novas marcas e conhecimento dos consumidores. Até porque são mais em conta, proporcionalmente, do que as cervejas artesanais.”
Já para Aloisio, o mercado ainda é principiante, descobrindo o novo segmento. Mesma opinião de Wilson, que destaca, contudo, que já temos algumas marcas nas gôndolas dos supermercados. “Com certeza é um mercado com potencial de crescimento, tanto é verdade que, nos EUA, o mercado de Hard Seltzer teve um crescimento em 2020 de 188% em relação a 2019.”
Retorno de público
O retorno dos consumidores é muito positivo. As principais características da bebida são extremamente valorizadas, como a leveza, o sabor das frutas e o fato de ser vegana, com 90 kcal e low carb, diz Leonardo. Na visão de Francisco, a Hard Seltzer ainda é pouco conhecida aqui. “Então algumas pessoas esperavam que, de alguma forma, lembrasse cerveja, até por já conhecerem as nossas cervejas. Outras esperavam que fosse um espumante. Mas desfeito o choque inicial, o retorno foi bem positivo, e já tem cliente, inclusive, que praticamente trocou a cerveja pela Gipsybug.”
Ele acrescenta, ainda, que a bebida agradou pessoas de todas as idades (acima de 18), em especial as que preferem bebidas mais leves e refrescantes. “Agora também estamos começando a colocar a Gipsybug em torneiras e, com o retorno dos eventos ao ar livre, acreditamos que se popularize mais.” Na Blondine, segundo Aloisio, o feedback é considerado interessante: “O público está aberto para experimentar novidades”, diz.
Como beber e harmonizar
Leonardo diz que são diversos momentos de consumo para a bebida, mas a forma que ele próprio mais consome é depois de um exercício ou para uma curtir uma praia ou um churrasco, sem tomar uma bebida muito calórica ou pesada. “Mas a Hintz é uma bebida muito versátil, e assim pode ser peça de um drink, com um copo com gelo e frutas, entre outras formas.” Francisco não hesita em afirmar que a melhor opção é tomar pura, gelada, em taça de espumante. “Mas também pode ser usada em substituição ao espumante em receitas de batidas. Outra possibilidade é adicionar gelo e frutas ou uma dose de licor.” Lembra ainda que ela acompanha bem petiscos e comidas não muito condimentadas. Para Aloisio, ela é uma bebida pronta para o consumo, mas pode, sim, ser utilizada em outros preparos e drinks.
Tendências
“Isso aconteceu muito nos EUA e alguns países da Europa, mas entendemos que o público da Hintz é mais amplo que o da cerveja. Ela pode ser a opção de bebida alcoólica mais saudável para quem quer equilibrar sua vida entre saúde e diversão”, diz Leonardo. Já Aloisio tem dúvidas: acha que as cervejarias precisam pesar se devem entrar em outros mercados de bebidas. “Envolve criação de marca, desenvolvimento de produto, tecnologias, mercado de consumo, comunicação, é bastante esforço para o mercado de cervejas tradicional”, pondera.
Acompanhando mais de perto o “fenômeno”, Wilson prefere relativizar: “Não diria uma tendência, mas acredito que o mercado sempre estará à procura de novos produtos. Sempre haverá público esperando aquela novidade, algumas irão introduzir no seu portfólio, outras não — quem souber investir nestas tendências e aprimorá-las terá a recompensa de cativar novos consumidores”. Ele revela que a sua empresa tem, atualmente, em torno de 10 cervejarias que já estão testando as Hard Seltzers com os Extratos Naturais Bräu Flavors, que vão desde testes de bancada até a produção de teste industrial para verificar como se comportam todos os insumos na cadeia produtiva. E isto, sem dúvida, já serve como um bom termômetro de tendência do mercado.