Cervejeiros e solidariedade na pandemia
O mercado cervejeiro, apesar de também passar por uma situação delicada, mostrou solidariedade ao momento que o país vive com a chegada da pandemia. Diversos bares e cervejarias se uniram em diferentes cantos do país para realizar ações sociais, além de preservar parceiros comerciais para sobreviver nesta
crise. Nesta edição, reunimos relatos de mais ações solidárias promovidas pelo setor cervejeiro.
Acervejaria gaúcha Santa Madre é uma das engajadas. Luis Fernando Della, sócio-proprietário, conta que foram realizadas duas lives com o objetivo de ajudar pessoas fragilizadas e necessitadas, tanto de alimentos quanto de boas notícias. Foram arrecadadas 4,3 toneladas de alimentos na primeira live, realizada em abril de 2020, destinadas a três entidades: ONG Amor, AAPECAN e Instituto Leão XII. Já na segunda, uma live com o grupo Os Monarcas, em abril deste ano, em conjunto com a Rádio Planalto, foram 11,5 toneladas, entregues para prefeitura de Porto Alegre, por meio da Secretaria da Cidadania e Ação Social (Semcas), para distribuição de cestas básicas para a população carente. Também foram feitas ações voltadas para o Dia das Crianças e Natal, com arrecadação de brinquedos.
Outra história que sensibilizou a comunidade local foi a do menino Lucca, que nasceu com displasia esquelética, uma rara má formação chamada hemimelia fibular. “Foi um caso bem emocionante. Na época, ele estava em uma corrida contra o tempo para fazer a cirurgia, com o custo aproximado de R$ 150 mil, que precisaria ser feita antes de ele completar dois anos de idade. Fizemos diversas ações sociais, inclusive direcionando uma parte das vendas do nosso aplicativo para auxiliar no custo da cirurgia, além de lives. Felizmente, com os nossos parceiros, conseguimos arrecadar o valor da cirurgia e proporcionar ao menino a chance de caminhar.”
Para Luiz Fernando, essas ações são uma forma de motivação nesse período de pandemia e baixa nas vendas. “Tínhamos que nos manter motivados de alguma forma. Foi assim que surgiu o projeto Santa Madre Disco Club, em que, com nossas lives, além de nos divertirmos, também levamos música e um momento de esperança para as pessoas que estão em casa.” Graças a esse projeto, surgiram as demais ações sociais. As lives continuam, pois, segundo o empresário abrem “oportunidades de fazermos eventos fora da nossa cidade, o que nos dá uma boa visibilidade perante a sociedade”.
Mais de 200 mil famílias beneficiadas
Outra iniciativa partiu do Grupo Petrópolis (RJ), que criou o #GPcomVC, programa desenvolvido para auxiliar bares, botecos e restaurantes atingidos pela pandemia. Lançado em setembro de 2020, de lá para cá o programa já beneficiou aproximadamente 40 mil estabelecimentos em todo o Brasil, sendo 400 deles com ações especiais — inclusive de reconstrução total. Segundo informações da empresa, foram mais de R$ 40 milhões no programa, sendo mais de R$ 3 milhões exclusivamente para investimentos em infraestrutura, pagamento de contas atrasadas e folha de pagamento. Além disso, mais de 127 mil kits de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) foram doados, além de 3 mil L de azeite de dendê direcionados à Associação das Baianas de Acarajé (Abam), sendo milhares de famílias beneficiadas no total das ações.
Públicos interno e externo
Segundo Eliana Cassandre, head de marketing do grupo, mesmo com todos os obstáculos, houve uma relativa continuidade de negócios no país. Ela diz que, desde o início, o objetivo foi o social: apoiar e auxiliar na recuperação de bares e restaurantes, proporcionando fôlego financeiro necessário às empresas até a volta da normalidade. A empresa também montou um time de influenciadores para ações no universo digital. Para o público interno, foram desenvolvidos treinamentos, vídeos e comunicados; para o externo, conteúdos produzidos para as plataformas de Facebook e Instagram, gerando mais de 160 milhões de visualizações, atingindo cerca de 25 milhões de pessoas e chamando atenção sobre a importância da solidariedade na pandemia.
Uma das ações realizadas foi o desenvolvimento de uma plataforma através do PicPay, garantindo a compra antecipada de vouchers de Cerveja em Dobro e Saideira. Para participar, os consumidores precisavam apenas se cadastrar no site do #GPcomVC e fazer sua compra. Assim, o cliente garantia sua bonificação e o estabelecimento, a antecipação de receita, para ajudar a dar fôlego nos meses críticos.
Além da questão financeira, Eliana também registra avanços na implementação e capacitação nos protocolos de segurança e aperfeiçoamento na qualidade do atendimento ao consumidor final dos estabelecimentos, o que ela considera elementos fundamentais para que os negócios prosperem, assim que a retomada for possível. Ao longo de todo o programa, informa, foram investidos recursos em treinamentos, capacitação, estabelecimento de melhores práticas e materiais de segurança.
Lands e cervejas por alimentos
Outra cervejaria gaúcha que também se engajou na campanha de solidariedade, a Lands Craft Beer já realizou duas ações durante a pandemia — uma em março e outra em abril de 2020. O seu cervejeiro e administrador, Rodrigo Parolin, informa que ambas envolveram troca de cerveja por alimentos: “A primeira foi feita na nossa cervejaria em Caxias do Sul, quando arrecadamos 2 mil L e 2,15 kg de alimentos, e a segunda em um pub parceiro, o São Patrício Bar, quando foram arrecadados 300 L e 1 mil kg de alimentos”. As doações da primeira ação foram distribuídas em entidades assistenciais, principalmente as que trabalham com crianças. Na segunda, diversas famílias foram beneficiadas com cestas básicas.
“Foi gratificante saber que ajudamos, de alguma forma, quem está precisando em meio a todo esse caos da pandemia. Acredito que, se todos nós, não só o meio cervejeiro, fizer
um pouquinho, podemos passar por mais essa crise com menos danos a quem já sofre com dificuldades diversas”, afirma o cervejeiro.
Consciência social
A Ambev afirma que, na empresa, existe a convicção de que é fundamental o envolvimento do segmento cervejeiro em ações sociais, de apoio direto ao ecossistema, seja em um cenário com ou sem pandemia. Ciente da sua responsabilidade, a Ambev se engajou numa série de ações neste difícil momento. Uma das iniciativas que teve grande repercussão foi a transformação de parte da sua unidade da Cervejaria Colorado, em Ribeirão Preto/SP, para produzir e envasar oxigênio hospitalar. A produção da substância teve início em abril de 2021, tendo a usina capacidade para produzir 120 cilindros de 10 m³/dia, a cargo de uma equipe da Ambev, que trabalha intensamente para garantir a produção diariamente. Todo o volume produzido é doado, sendo os cilindros entregues em unidades de saúde da região em situação crítica de estoque de oxigênio, fundamental para o atendimento de pacientes com Covid-19.
Ações no Sul
Em Porto Alegre/RS, a empresa também está contribuindo para amenizar a situação trazida pela pandemia. Em abril deste ano, seis respiradores importados da China foram doados para a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Os equipamentos se destinam às emergências e UTIs do complexo hospitalar para tratamento de pacientes pediátricos e adultos que necessitam de terapias ventilatórias de suporte à vida. Além disso, a companhia disponibilizou dois caminhões da sua parceira de logística, MTR Cargo, com motorista e ajudante, para o transporte de cilindros de oxigênio em Porto Alegre.
Outras iniciativas realizadas
Além dessas, a empresa realizou a doação de 500 cilindros de oxigênio para Manaus; integra o Grupo pelo Amazonas, apoiando o programa Unidos Contra a Covid-19, da Fiocruz, levando uma usina de oxigênio ao estado capaz de atender 92 leitos hospitalares simultaneamente; doação de cinco mil caixas térmicas para vacinas, com capacidade total de armazenamento de mais de três milhões de doses simultâneas; criou o Ajude um Ambulante, movimento para ajudar 20 mil vendedores ambulantes a minimizar o impacto financeiro da pandemia; produziu 500 mil unidades de álcool em gel, doadas para hospitais públicos de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília — num segundo momento, foram 1,3 milhão de unidades distribuídas para todos os estados do Brasil; construção do hospital municipal M’Boi Mirim com 100 leitos, em parceria com a prefeitura de São Paulo, Gerdau (empresa especializada em aço) e o Hospital Israelita Albert Einstein, e fabricação de três milhões de máscaras (com PET reciclado das embalagens de guaraná Antarctica).
Cervejeiros paranaenses entram em cena
No Paraná, várias frentes cervejeiras se organizaram para combater a falta de oxigênio e materiais necessários para enfrentar a pandemia, com muitas doações por parte de cervejarias e cervejeiros caseiros locais. As cervejarias Formosa Craft Beer, Insana e Schaf Bier se uniram para juntar cilindros de oxigênio. Ao todo, foram emprestadas 20 unidades para serem usadas no Hospital Associação Pró-Saúde de Clevelândia (PR), sendo três de fabricantes de cerveja da região e outros 17 cilindros cedidos por moradores da região. O secretário da Saúde do Paraná, Beto Preto, em entrevista a um canal de TV de Curitiba, chegou a fazer um apelo para que as demais indústrias também fizessem doações, seguindo o exemplo de algumas empresas engarrafadoras de refrigerantes e cervejas que já estavam se colocando à disposição.
Rafael Duarte, proprietário da Formosa Craft Beer, conta que ficou sabendo que o hospital estava precisando de oxigênio com urgência, sem o suficiente para passar a noite: “Quem nos comunicou, através de uma ligação telefônica, foi o Pedro Reis, sócio-proprietário da Cervejaria Insana e nosso amigo desde quando começamos a fazer cerveja em 2009”. Rafael conta que prontamente foi verificar a disponibilidade de cilindros, tomando providências, inclusive acionando outras cervejarias da região, entre elas a Schaff Bier, também de Francisco Beltrão. “Conversei com Thiago Arenza, pedindo a ajuda dele para tentarmos enviar o maior número possível de cilindros para o hospital, que fica a aproximadamente 100 km daqui. Ele também se mostrou solícito e colocou a disposição o único cilindro que ainda continha O2 na cervejaria.”
Por sua vez, a Associação dos Cervejeiros Artesanais Paranaenses (Acerva) e a Associação das Microcervejarias do Estado do Paraná (Procerva) postaram uma nota nas redes sociais pedindo ajuda de caseiros e cervejeiros para auxílio aos hospitais: Iron Mendes, CEO da Maniacs Brewing Co. e diretor-presidente da Procerva, à frente da ação, diz que o resultado foi positivo: “Conseguimos mais de 40 cilindros de oxigênio que foram cedidos para hospitais. Todas as cervejarias associadas da Procerva ajudaram. Aquelas que não tinham cilindros grandes compatíveis com os hospitais, ajudaram cedendo seus cilindros para as cervejarias que fizeram a doação. Além disso, a Acerva PR ajudou cedendo cilindros de cervejeiros caseiros para algumas cervejarias, para que pudessem continuar trabalhando, já que doaram os seus aos hospitais”.
Parceria e sintonia em ações solidárias
Numa ação conjunta, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Heineken estabeleceram uma parceria para fortalecer as ações de combate à pandemia da Covid-19 em todo país. A cervejaria reservou parte dos investimentos originalmente destinados ao Rock in Rio, patrocinado pela marca já há cinco anos e adiado para 2022, para aplicar em ações solidárias. “É um momento muito difícil para todos e que exige um esforço conjunto, público e privado, para que o país enfrente a situação e minimize impactos. Por isso, sendo uma marca tão valorizada pelos brasileiros, não poderíamos deixar de direcionar nossos esforços para o que é prioridade: a vida das pessoas", comenta Maurício Giamellaro, CEO do Grupo Heineken no Brasil.
A parceria prevê a instalação de quatro usinas de oxigênio, além da compra de cilindros, CPAPs (aparelhos de suporte às vias aéreas) e EPIs para profissionais da linha de frente em pelo menos 40 hospitais filantrópicos pelo país em situação crítica. A parceria com o BNDES faz parte do projeto da instituição denominado Salvando Vidas, uma plataforma de matchfunding em que valores doados pela sociedade civil ou instituições privadas são dobrados. Entre os parceiros executores do projeto estão Sitawi, Bionexo, CMB e Ernest Young. Ao todo, serão R$ 9 milhões aportados nessa parceria com a cervejaria para o sistema de saúde.
“O BNDES tem imenso orgulho de apoiar hospitais em diversas regiões do país por meio da doação de equipamentos tão relevantes como usinas de oxigênio, cilindros e EPIs em parceria com a Heineken. A Campanha Salvando Vidas já alcançou R$ 100 milhões em doações e, neste momento, estudamos ampliar nosso apoio para continuarmos contribuindo para a redução dos impactos da Covid-19 na linha de frente dos hospitais de nosso país", diz Gustavo Montezano, presidente da entidade.
Já a ação da Heineken vem se somar a outras que o grupo vem realizando, como a iniciativa Brinde do Bem, que visa dar suporte a bares e restaurantes que precisam manter suas equipes com as portas fechadas. A empresa dobrou o aporte feito pelos consumidores por meio da compra de vouchers dos bares participantes, a serem usados quando a crise passar, e foram mais de 500 mil bares inscritos, mais de 100 mil contribuições e mais de R$ 16 mihões arrecadados. Outra ação é o De Volta ao Bar, parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein na criação de uma plataforma de conteúdo e aprendizagem para a retomada das atividades em segurança.
Implicantes reverte frutos do financiamento
Na metade do ano de 2020, a cervejaria Implicantes (RS) lançou um financiamento coletivo para ajudar nos seus custos. Na época, mesmo sofrendo ataques racistas, a cervejaria não desistiu de dar sequência ao seu negócio. Agora, a Implicantes acaba de lançar uma cerveja em agradecimento às 1,7 mil pessoas que colaboraram com o financiamento, destinando parte dos lucros para uma ação social.
O valor da meta inicial era de R$ 150 mil, porém, com o sucesso e reconhecimento do trabalho da cervejaria, foram R$ 195.572,00 arrecadados. Diego Dias, sócio-fundador e designer gráfico, destaca: “Foi importante para mostrar ao mercado cervejeiro que existe muito ódio, racismo e preconceito. Após recebermos ataques racistas, evidenciou o quão é importante seguirmos lutando pelo causa antirracista e permanecendo ao lado de quem realmente quer que a mudança aconteça”.
Inicialmente, a intenção era realizar doações do lucro obtido com a cerveja Implicantes 1700 (nome alusivo ao número de pessoas que contribuíram) para comunidades quilombolas. Entretanto, ante o atual cenário brasileiro e o colapso do sistema de saúde de Manaus/AM, a Implicantes decidiu: “Resolvemos antecipar o lançamento na nossa loja virtual da cerveja 1700, a fim de arrecadar valores que serão destinados a projetos que estão arrecadando doações para o #SOSManaus”, diz ele.
A cerveja escolhida para ser produzida foi uma American Blonde Ale, um estilo que equilibra malte e lúpulo. Procurando se colocar do outro lado, a cervejaria decidiu que agora é a sua vez de ajudar, destinando 75% do lucro das vendas para ações sociais. Até recentemente, foram 300 unidades, representando um repasse de R$ 1,5 mil já doados ao SOS Manaus.
Colaborativa e doação
A Agrária Malte, empresa paranaense, por meio da sua representação no RS, a Caixeiro Viajante, resolveu prestar uma original homenagem às mães da comunidade do Morro da Cruz, na periferia de Porto Alegre: convocou algumas cervejarias gaúchas, como Cabocla, Lorena e Santa Madre, para fazer uma Kölsch colaborativa usando os seus insumos. As cervejas foram trocadas por alimentos doados no Dia das Mães para o Coletivo Morro da Cruz. A ação foi realizada em parceria com a Maltesul, loja de insumos para cervejeiros caseiros. “No ano passado, fizemos essa ação em Porto Alegre, trocando growler PET por alimentos, e ficamos muito felizes com o resultado e com as pessoas que puderam ajudar. Esse ano, decidimos fazer novamente, pois as consequências econômicas da pandemia persistem e entendemos que devemos ajudar quem tem menos”, diz Marcelo Costa Cabral Peña, representante da empresa no RS. Na ação, realizada pela Malte Sul, Brewhouse Insumos Cervejeiros, Caixeiro Viajante, com apoio da Cabocla Cervejas, Santa Madre Cervejaria, Lorena Cervejaria e Agrária Malte, foram arrecadados aproximadamente 300 kg de alimentos — arroz, feijão, lentilha, massa e leite.