Cerveja na Costa Rica
Carolina Castro, cervejeira e fundadora da Elviaje Cervecería, fala do movimento artesanal no seu país e de seus projetos sobre cervejas ancestrais.
Em Entrevista com Carolina Castro
Localizada na América Central, a Costa Rica despertou há pouco mais de 10 anos para a produção artesanal. “Eu diria que o movimento cervejeiro artesanal na Costa Rica ‘explodiu’ em 2012, mas começou em 2010”, conta a cervejeira Carolina Castro. “É muito forte, temos uma associação muito boa [Asociacion de Cerveceros Artesanales de Costa Rica — ACACR], mas, como muitas outras indústrias diferentes pelo mundo, a Covid-19 nos afetou. Muitas cervejarias tiveram que fechar, e aquelas que restaram, como nós, estão tentando trabalhar duro para se manter e seguir adiante.”
Uma jovem indústria
Para Carolina, a indústria cervejeira do país é jovem e ain- da está moldando o que significa ser um cervejeiro costa- -riquenho. “Tudo que posso dizer é que estou entusiasmada por fazer parte desta jornada”, declara. “Somos um movi- mento que tem produtores maduros e novos recém-che- gados. O movimento foi dividido, e não tenho certeza se temos uma linha clara do que distingue as cervejas da Cos- ta Rica de outras indústrias ainda. Acredito que existe um grupo de cervejeiros que é bastante experimental, tentando fazer cervejas totalmente inovadoras usando ingredientes regionais, isolando leveduras selvagens e experimentando diferentes métodos de produção. E também temos um gru- po de cervejeiros tentando reproduzir estilos que chegam principalmente dos Estados Unidos, mas também da Bél- gica e da Alemanha.”
Conexão com a cerveja
Foi nos EUA, onde se mudou para fazer faculdade, que Carolina se encantou pelas artesanais. Lá conheceu Dieter Neckermann, seu futuro sócio, com quem começou a fre- quentar os bares belgas Monk’s Café e Eulogy, na Filadélfia. “Minha paixão por cerveja foi acelerada quando percebi que era um empreendimento científico-histórico-espiritual que foi pouco estudado.” Ela era documentarista e, em julho de 2019, depois de nove anos pensando no assunto, decidiu que dedicaria sua vida à cerveja. “A alegria que senti ao tra- balhar com cerveja e a conexão que senti foram o bastante. Minha maior dúvida, que eu não seria capaz de transformar meu negócio em um empreendimento com impacto social, logo desapareceu e percebi que qualquer coisa que eu fizer pode ser feita de todos os jeitos, incluindo trazer o empre- endedorismo social para a cerveja.”
De homebrewer a cervejeira
Começando como homebrewer, ela fez sua Master Brewer Certification pelo Instituto de Cervezas de América, mas ressalta que aprendeu ainda mais sendo aprendiz de cerve- jeiros que admira na Europa e na América do Sul. “Posso mencionar Cambridge Brewing Company, Foam em Ver- mont, Alvinne na Bélgica e Juguetes Perdidos na Argentina por me inspirarem na minha jornada enquanto cervejei- ra.” Em 2015, entrou para a associação nacional ACACR e, depois de se unir à Pink Boots Society, também criou o Costa Rican Women Brewers (Mulheres Cervejeiras Costa-Riquenhas), grupo que espera retomar em breve. Em 2019, junto com Dieter Neckermann e Inken Neckermann, fundou a Elviaje Cervecería em San José, capital do país. Com a volta dos sócios para seus países de origem na Europa em 2020, Carolina passou a comandar a Elviaje por conta própria, atuando na produção ao lado de Arturo Gutierrez, assistente cervejeiro, e com mais duas pessoas na equipe, Noelia Flores e Julian Picado. “Um time pequeno para uma grande empresa”, observa.
Elviaje Cervecería
Sobre a Elviaje, ela conta: “Estamos trabalhando para aumentar nossa experimentação, com cervejas locais sustentáveis, que são parte da economia circular de produtores e agricultores na Costa Rica. Estou tentando desenvolver uma nova forma de pensar em fermentação na América Central, países que não produzem ou não são capazes de produzir lúpulo e cevada”. Por isso, há dois anos, iniciou um programa para trabalhar com grãos ancestrais da América Central, com mulheres e homens que ainda hoje produzem cervejas ancestrais usando técnicas tradicionais. Ela resume o propósito do seu trabalho em três palavras: “Espiritualidade, nutrição e conexão. Esses três pilares representam o que a cerveja foi por milhares de anos”.
Produção artesanal
Com toda essa bagagem, a avaliação de Carolina sobre o movimento artesanal no seu país é bastante particular. “Acredito que cervejas artesanais locais devem ser, como sempre foram historicamente, cervejas que apoiam a agricultura e os produtores locais”, avalia. “No momento, acho que a maior parte dos cervejeiros costa-riquenhos está seguindo tendências inicialmente dos EUA e do seu movimento cervejeiro artesanal, e agora cada vez mais da Europa.” Avaliando o cenário como um todo, as Lagers industriais são dominantes, mas, entre as artesanais, a popularidade está nos estilos German Lager, American IPA, IPA e Pale Ale. Após os fechamentos provocados pela Covid-19, ela acredita haver em torno de 40 cervejarias oficiais — ou seja, com todas as licenças. “Existem ainda algumas cervejarias informais e algumas que operam como cervejas caseiras, vendendo para alguns clientes.”
Destaques locais
Inserida no setor, Carolina destaca algumas cervejarias costa-riquenhas (confira no box) e também cervejeiros e cervejeiras que são inspiradores: “Alejandra Araya investiga diferentes arranjos fermentativos e cervejas hiperlocais — adoro a forma como ela incorpora grãos tradicionais nas suas produções cervejeiras. Federico Zamora é um dos pioneiros na experimentação com leveduras selvagens no país, assim como em Fruit Beers usando
uma ampla variedade de produtos locais. Stefano Marín não está mais trabalhando na Costa Rica (está em Casa Bruja Panama), mas ele é o primeiro cervejeiro costa-riquenho e ajudou muito a dar forma ao início da indústria aqui. Ignacio Castro fez muito na administração, formou uma das primeiras cervejarias aqui e é um pioneiro do movimento. Fernando Mora não está mais trabalhando como cervejeiro, mas ele também foi uma grande inspiração para muitos e continua a ter paixão por cerveja artesanal”.
Os consumidores
Quanto aos consumidores, ela acredita que ainda estão desconectados da produção e veem a cerveja apenas como diversão. “Cerveja é muito mais, e levou anos para que eu entendesse como podemos ver a cerveja como um auxílio na construção da comunidade, como era historicamente. A cerveja pode ser nutritiva e nos ajudar com uma lista interminável de questões médicas para nosso corpo e nosso espírito. A principal diferença agora é que, como consumidores, nós esquecemos os três pilares principais da produção cervejeira: nutrição, conexão espiritual e comunidade.”
Importação e insumos
Ela conta que a Costa Rica tem leis muito rígidas de importação, então quase nenhuma cerveja independente é importada e um monopólio de marcas domina o mercado. Já os insumos são quase totalmente importados, pois a produção local de matérias-primas cervejeiras é extremamente limitada. “Por causa da nossa localização geográfica, não é possível cultivar cevada ou lúpulos na Costa Rica, nem qualquer tipo de trigo de alta qualidade. Temos dois fornecedores de malte no país, Ticobirra e Garabito, que trabalham com Castle e Weyermann. A maioria dos lúpulos é norte-americano e a levedura disponível é da Fermentis ou da White Labs, com encomenda especial.” Além disso, a exigência governamental de que todos os pacotes que entram no país sejam abertos e analisados provoca atrasos nas entregas e prejudica o frescor dos ingredientes, segundo conta a cervejeira. “Isso, claro, sem mencionar o aumento de preços devido às mudanças climáticas e a pouca prioridade que a Costa Rica recebe na longa lista de clientes dessas empresas multinacionais.”
Ingredientes tradicionais
Por outro lado, ela aponta que existem maltes tradicionais de milho no país, feitos a partir de métodos tradicionais de germinação e secagem ao sol, mas que são usados hoje apenas na produção cervejeira de comunidades indígenas do país. Por isso, para ela, é preciso voltar o olhar para técnicas ancestrais de produção da região e fazer mais experimentos com ingredientes que talvez não sejam amplamente conhecidos no mercado mundial de cerveja artesanal, por causa da sua localidade. “Existe um projeto que gostaria de destacar como único e local, que também tem muitas medalhas, chamado Costa Rica Meadery. O foco deles é em hidromel, mas também criam cerveja com grãos, frutas, especiarias e leveduras locais. Acredito que minha maior pergunta para esta indústria é: por que estamos contando que todas as nossas matérias-primas venham de outros países? Por que estamos fazendo cerveja com ingredientes que nem podem crescer na América Central, como cevada e lúpulo, em vez de fazer cervejas com milho e hombre grande? Ou milhojas [milefólio]? Ou cañamo? Ou escalera de mono [pata de vaca]?”
Técnicas ancestrais
Este é um ponto importante na trajetória de Carolina e em sua ligação com a história produtiva costa-riquenha: sua pesquisa sobre fermentações ancestrais de cervejas tradicionais nas Américas. “Venho trabalhando há alguns anos com a comunidade indígena Bri Bri da Costa Rica, primeiro como aluna de Don Marcelino Figueroa (curandeiro) e ao lado de Doña Ines Morales (curandeira). Meu trabalho com a comunidade veio da descoberta de que ainda havia abuelos e abuelas fermentando cervejas ancestrais com rezas e propósitos. Essas rezas e metodologias permaneceram inalteradas por milhares de anos.” Depois de descobrir que a produção dessas cervejas cerimoniais ainda estava sendo feita, Carolina decidiu acompanhar mais de perto a comunidade para entender e ajudar na preservação deste modo de fazer. “Também me conectei muito com a sacralidade do milho endêmico ancestral e sua importância para todas as comunidades pela América.” Milhos esses que estão se perdendo, assim como as práticas rituais. A partir disso, Carolina passou a desenvolver projetos em Bri Bri, desde feiras coletivas que incluem a produção de chicha (cerveja ancestral de milho) até o turismo dirigido na comunidade.
Definições particulares
Justamente por toda esta conexão com produções tradicionais do país, ela vem chamando sua própria arte de “cervejas ancestrais”. “Para mim, a maior diferença é que cervejas ancestrais levam em conta os componentes espirituais e nutricionais da cerveja como centrais, em oposição à cerveja artesanal, que pode levar esses elementos em consideração, mas eles não estão necessariamente enraizados na sua descrição”, define. “Vejo a cerveja artesanal como uma resposta à cerveja industrial, buscando honrar o sabor e a inovação em vez de campanhas de marketing e produtos de baixo custo. A cerveja artesanal deve vir do coração dos cervejeiros, para honrar a indústria e sua trajetória, enquanto também inova e continua a expandir a cultura cervejeira pelo mundo. Busca a diversidade que a cerveja oferece, produzindo uma grande quantidade de estilos cervejeiros, e busca criar uma indústria que é controlada por muitos em vez de poucos, o que pode ser verdadeiramente democrático. Não tenho certeza
se é isso o que a cerveja artesanal é agora, mas acho que foi assim que começou.”
Tendências
Atingido pela Covid-19, o mercado cervejeiro costa-riquenho desacelerou. “Ao menos na nossa cervejaria, tem sido difícil seguir com a inovação tendo todas as pressões adicionais que esses anos trouxeram”, conta Carolina. Mesmo assim, ela ava- lia, entre as tendências, um interesse maior pela questão nutritiva — e isso não só na indústria cer- vejeira, e não só na Costa Rica. “Acredito que tem acontecido um crescimento nas indústrias de bem- -estar e nas cervejas que tocam em certos aspectos do bem-estar — nutritivo, orgânico, probiótico, gluten free, existe um interesse por esses tipos de produtos que não existia antes.” Ela é crítica sobre uma outra onda: “Um dos aspectos que me preocu- pa em geral é que vemos os consumidores de cer- veja artesanal optando por outras bebidas. Vemos isso especialmente com as seltzers alcoólicas: é uma tendência que, honestamente, me parte o coração. A tendência está começando a chegar à Costa Rica, mas tem me deixado triste ver cervejarias incríveis nos EUA vendendo mais desta bebida artificial do que cervejas”. Além disso, a partir de seus próprios projetos, ela acrescenta: “Espero também começar uma tendência com cervejas hiperlocais para países como Costa Rica, que não podem produzir sua própria cevada e lúpulos. Vamos lembrar que, com as mudanças climáticas, esses produtos serão os mais inacessíveis para nós e ter alternativas é importante”.
América Latina
“Sou jovem e tenho uma jovem cervejaria. Para mim, a indústria é muito diferente do que era para aqueles que a iniciaram.” Ela se diz um tanto desanimada com os rumos do movimento cervejeiro artesanal, especialmente nos EUA, onde tudo começou — preocupa-se com as fusões das maiores marcas artesanais, que, segundo avalia, mudaram seu foco de produção. “Acabei de começar a me conectar com o movimento cervejeiro artesanal na América Latina nos últimos anos, mas acho que o que estamos vendo aqui é muito melhor, mas também muito mais novo”, diz. “Como cervejeiros latino-americanos, ainda temos a chance de aprender com os erros de nossos contemporâneos e ver como podemos alcançar uma comunidade conectada de forma intencional. A partir do que vejo, fico animada em continuar me conectando com a comunidade latino-americana. Adoro o movimento que foi criado em certos países sobre a inclusão na indústria cervejeira. Vejo pessoas desenvolvendo verdadeiros projetos inovadores e ficando genuinamente entusiasmadas em fazer parte da formação da indústria.”