Cerveja com Estilo, por Daiane Colla
Na última coluna (que foi há algumas edições, peço desculpas pela ausência), abordei a história e o surgimento da Pilsen, ou melhor, da Bohemian Pilsner, estilo original surgido na República Tcheca, modificado e adaptado ao redor do mundo para se tornar o estilo de cerveja mais produzido — e consumido — no mundo.
Aqui no Brasil elas são chamadas de Pilsen, mas, quando falamos em estilo, cervejas como Brahma, Skol, Antarctica, Budweiser (para citar as mais comuns) são classificadas, conforme os guias de estilo, como American Lagers. Elas são o que normalmente as pessoas entendem e reconhecem como cerveja. Além das American Lagers, cervejas mundialmente conhecidas e reproduzidas como Heineken e Stella Artois são categorizadas como International Pale Lager.
Ao longo dos séculos, aprendemos que formas de produzir e ingredientes utilizados eram bastante regionalizados e isso resultava em cervejas diferentes entre si, ou seja, produzíamos cervejas de “estilos” bem distintos (apesar de a palavra estilo ainda não existir para categorizar cervejas).
Cerveja antes das Bohemian Pilsner (que eram produzidas não somente na República Tcheca, mas também na Baviera, sul da Alemanha) eram escuras e turvas. Com o desenvolvimento de maltes mais claros, a cerveja passou a apresentar uma coloração também mais clara, lembrando mais o dourado do que o marrom.
Como tudo começou
Antes do começo do século XIX, o consumo de cerveja nos Estados Unidos era irrisório. Existiam pouquíssimas cervejarias e os norte-americanos preferiam outras bebidas alcoólicas como licores, rum e especialmente uísque produzido a partir do milho. A esses destilados era misturada água para que ficassem mais palatáveis. Aliás, milho era o produto mais cultivado no país e fazia parte do dia a dia de toda a população, especialmente na zona rural.
Com a chegada dos primeiros imigrantes alemães, o número de cervejarias começou a aumentar. Eles trouxeram as receitas de suas tradicionais Lagers, mas se depararam com um problema: a cevada cultivada nos Estados Unidos era de seis fileiras e possuía mais proteínas do que a tradicional cevada de duas fileiras cultivada na Europa. Essa alta quantidade de proteínas deixava a cerveja turva e ainda fazia com que seu corpo ficasse alto se comparado às cervejas que eles produziam e consumiam no seu país de origem.
Por volta de 1860, os cervejeiros começaram a utilizar outros grãos na produção de cerveja, visando mais limpidez e menos corpo. O milho foi um dos primeiros grãos testados, pois era barato, abundante, baixo em proteínas e alto em açúcares fermentescíveis. O arroz também foi aprovado nos testes. Entretanto, os cervejeiros não adotaram o uso de adjuntos tão rapidamente.
Foi no começo do século XX — afetados pela Lei Seca, Primeira Guerra Mundial e Grande Depressão — que os cervejeiros passaram a aumentar a proporção de adjuntos na cerveja, chegando a um ponto em que a maioria das Lagers americanas tinha pelo menos 35% de grãos não maltados.
Sucesso mundial
Tanto as American Lagers quanto as International Pale Lagers (vou falar das diferenças mais para frente) são sucesso mundial absoluto. Claras, leves, altamente carbonatadas, elas conquistaram apreciadores. A história da produção dessas Lagers ao redor do mundo é muito parecida com a história norte-americana. Em grande parte, chegaram a diferentes países por meio de imigrantes alemães, ho
landeses e tchecos. Se desenvolveram e cada uma foi adaptada localmente.
A grande maioria das marcas se consolidou em seus respectivos países no pós-Segunda Guerra Mundial, uma época em que a industrialização e padronização dos produtos explodiu em todo o mundo. Lager era agradável aos olhos e paladares, fácil de beber, possível de ser consumida em grandes quantidades, os insumos para sua produção eram de “fácil” acesso e o uso de adjuntos a deixava mais leve e ainda reduzia o custo de produção.
Muitas cervejarias foram compradas, sofreram fusões ou expandiram seus negócios para diferentes países graças à globalização. Quando vimos, o mundo inteiro estava consumindo (e ainda consome) a mesma cerveja. Uma fatia considerável da cerveja produzida no mundo é “padronizada”. Dentro dessa globalização, a Heineken merece destaque. São 125 cervejarias em 70 países. É a quinta cerveja mais vendida no mundo e está disponível em mais países do mundo do que qualquer outra. A cerveja é a mesma, com os mesmos ingredientes e processos em qualquer uma das fábricas do mundo. Você irá beber a mesma cerveja no Brasil, nos Estados Unidos, na Holanda, no Japão, no Marrocos e no Vietnã.
Mesmo fazendo parte de um mesmo estilo, as American e International Pale Lagers produzidas ao redor do mundo são diferentes entre si. Não só ingredientes e processos, mas também formas de consumo. No Brasil, elas são bem leves e mais doces. Na Argentina, tem um pouco mais de caráter de malte. No México, são consumidas com limão.
American Lager x International Pale Lager
Todas as Lagers claras produzidas de forma massiva em todo o mundo estão enquadradas em alguma dessas categorias ou nas suas respectivas subcategorias. As American Lagers são bem claras, altamente carbonatadas, com corpo baixo, bem atenuadas com um perfil neutro e amargor baixo. Secas, com final crispy e relativamente doce devido ao baixo amargor e ao uso de adjuntos. São normalmente produzidas com até 40% de arroz ou milho. São servidas bem geladas, sendo bastante refrescantes e aliadas no combate à sede.
Já as International Pale Lagers são normalmente puro malte (mesmo que adjuntos sejam permitidos). O malte tem uma característica que lembra bolacha água e sal, com um dulçor moderado. O lúpulo aparece em maior intensidade no nariz e na boca, com amargor entre médio-baixo e médio. O final é seco, crispy, com retrogosto que pode ser tanto neutro quanto levemente lupulado. Normalmente mais amarga que as American Lagers. Heineken, Stella Artois, Birra Moretti, Corona Extra e Red Stripe são ótimos exemplos do estilo.