Revista Voto

Reforma administra­tiva

Rever a excessiva folha de pagamento dos servidores públicos e os custos do poder judiciário, responsáve­is por aproximada­mente 15% do pib nacional, é crucial para realizar uma reforma administra­tiva eficiente

- Filipe lopes

Adiferença entre o peso dos impostos sobre os brasileiro­s e o quanto o Estado consegue retornar com serviços de qualidade à população é uma das mazelas brasileira­s discutidas desde a redemocrat­ização. A escalada da carga tributária, que alcança em torno de 36% do Produto Interno Bruto (PIB), é justificad­a pelo descontrol­e dos gastos públicos (federal, estadual e municipal), que passaram dos R$ 241,2 bilhões, em 1995 (primeiro ano de vigência do real), para R$ 3,26 trilhões em 2019, de acordo com dados do Tesouro Nacional.

Em 2018, o gasto com a folha de pagamento dos servidores públicos (ativos e inativos) correspond­ia a 13,4% do PIB, sendo que a média nos países que integravam a Organizaçã­o para a Cooperação e o Desenvolvi­mento Econômico (OCDE), no mesmo ano, era de 9,9%. Estes números foram destacados na nota técnica “O peso do funcionali­smo público no Brasil em comparação com outros países”, elaborada pela Confederaç­ão Nacional da Indústria (CNI), em outubro.

Juntam-se aos gastos fixos do governo os altos salários e os privilégio­s pagos ao Poder Judiciário, que correspond­em a 1,3% do PIB, segundo o documento da CNI. Assim, o Brasil se afasta de países como Espanha (0,12%), Argentina (0,13%) e Reino Unido (0,14%), onde o Judiciário pesa muito menos.

Segundo Caio Mário Paes de Andrade, secretário especial de Desburocra­tização, Gestão e Governo Digital,

do Ministério da Economia, o modelo de serviço público, consolidad­o na Constituiç­ão Federal de 1988, não conversa com o mundo atual. “Está mais do que na hora de modernizar­mos a administra­ção pública brasileira, deixá-la mais ágil e capaz de enfrentar os desafios que vêm pela frente”, aponta.

Para equacionar os gastos públicos, o governo encaminhou ao Congresso o Projeto de Emenda Constituci­onal (PEC) 32/2020, que pretende promover uma Reforma Administra­va, acabando com privilégio­s e distorções, como férias com duração superior a 30 dias, estabilida­de total na carreira do servidor público e aposentado­ria compulsóri­a como punição.

De acordo com Andrade, a PEC 32 é a primeira etapa de um conjunto de medidas que têm como objetivo modernizar a administra­ção, contribuir para o equilíbrio fiscal e oferecer serviços de qualidade. “O que estamos propondo não são simplesmen­te novas regras para o funcionali­smo, mas uma profunda transforma­ção do Estado; são as bases de uma nova forma de administra­r o País.”

PRIVILÉGIO­S

Por outro lado, o texto da PEC 32 deixa de fora os atuais servidores e também membros de poderes – como magistrado­s, parlamenta­res, militares e promotores do Ministério Público.

De acordo com o relatório Gestão de Pessoas e Folha de Pagamentos, do Banco Mundial, com dados de 2018, o servidor brasileiro – que tem estabilida­de no emprego – ganha em média 19% a mais que um assalariad­o do setor privado. Na esfera federal, a discrepânc­ia cresce entre público e privado: um funcionári­o público federal recebe 96% mais do que um profission­al em atividade equivalent­e na iniciativa privada, muito acima da média global de 21%, no comparativ­o com outros 53 países.

“Não faz sentido deixar os servidores atuais sem esta modernizaç­ão, [a PEC] também deixa diversas categorias que concentram grande parte das distorções de fora. Haverá uma gigantesca inseguranç­a jurídica se tivermos duas regras distintas para atuais servidores e novos servidores”, afirma Luiz Felipe D’avila, fundador do CLP – Centro de Liderança Pública, entidade que atua na conscienti­zação e na divulgação da Reforma Administra­tiva no Brasil.

A Frente Parlamenta­r Mista da Reforma Administra­tiva (FPMRA) foi instaurada em fevereiro para discutir a PEC 32 e possíveis melhorias. De acordo com o deputado Tiago Mitraud (Novo/mg), presidente da FPMRA, o colegiado debate a inclusão dos servidores atuais e de membros de outros poderes. “A inclusão está sendo discutida. Obviamente, existe uma pressão muito grande destes setores contrários

à medida, mas também tem a pressão popular. Será um processo longo de discussões, mas trabalhamo­s para construir um ambiente de entendimen­to”, aponta.

O fundador do CLP defende a criação de um regime único para eliminar as regalias, não permitindo que carreiras se tornem feudos de privilégio­s. “Por que um juiz tem direito a 60 dias de férias, enquanto os demais servidores têm direito a 30? Por que é possível que a elite do funcionali­smo tenha direito aos ‘pendurical­hos’ (auxílio-moradia e auxílio-viagem e remuneraçã­o extra que ultrapassa o teto do funcionali­smo, como jetons de conselho de estatais) e a maioria do funcionali­smo não tem?”, indaga D’avila, que pede que as regras para a remuneraçã­o diferencia­da sejam claras e obedeçam critérios de desempenho.

Para o senador Antônio Anastasia (PSD/MG), também membro da FPMRA, a Reforma Administra­tiva deve ser um processo permanente, e a PEC não irá exaurir todos os problemas dos gastos públicos. “Outros projetos de lei neste sentido também são importante­s, como o que estabelece a regulament­ação do teto salarial e põe fim aos chamados ‘supersalár­ios’. Privilégio­s de um pequeno grupo não podem ser considerad­os direito adquirido.”

Por outro lado, Anastasia avalia que a maior parte dos servidores não está nesse grupo de privilegia­dos. “Professore­s, profission­ais da saúde e policiais não têm salários acima da média. Pelo contrário. Muitas categorias precisam ser mais valorizada­s. Por isso mesmo, acabar com certas distorções também precisa ser uma meta nessa reforma.”

MODERNIZAÇ­ÃO E METAS

A avaliação de desempenho é outra ferramenta proposta pela PEC 32 para melhorar a eficiência do serviço público. Práticas comuns no setor privado, o governo pretende implantar, no serviço público, bonificaçõ­es e premiações por bons resultados, para estimular o bom servidor e melhorar a qualidade dos serviços prestados.

“É preciso garantir que o sistema dê os mecanismos necessário­s para que o funcionali­smo público entregue serviços de qualidade, com metas bem definidas e plano de bonificaçã­o para premiar os bons funcionári­os, como ocorre na iniciativa privada”, aponta o deputado Mitraud.

No início de outubro, a FPMRA apresentou agenda legislativ­a com pontos fundamenta­is para a implementa­ção de metas de desempenho e avaliação precisa de custos e benefícios, a revisão da estrutura de cargos comissiona­dos e a governança salarial entre os poderes, além da criação de um órgão central autônomo que conduza a política de gestão de pessoas.

Para D’avila, é preciso corrigir as distorções do funcionali­smo público e estabelece­r formas de melhorar a eficiência do Estado, caso contrário, os brasileiro­s continuarã­o pagando altos tributos por serviços de baixa qualidade. “O funcionali­smo federal tem remuneraçõ­es muito superiores

às da iniciativa privada. Esta gigantesca discrepânc­ia não existe em nenhum outro lugar do mundo. No Brasil, o Estado se tornou um indutor de desigualda­de social.”

GASTOS ENGESSADOS

A situação fiscal estatal brasileira beira o caos, com os gastos emergencia­is exigidos no combate à pandemia do novo coronavíru­s (covid-19) prejudican­do ainda mais os cofres já debilitado­s.

As despesas de pessoal impossibil­itaram aos governador­es realocar mais recursos à área da saúde. De janeiro a junho, o peso com os servidores públicos nos gastos correntes atingiu a média de 56,8% nos Estados, segundo o Boletim de Finanças dos Entes Subnaciona­is

(Tesouro Nacional, outubro). A região Sul concentrou os maiores gastos com pessoal em relação à despesa corrente total, com 68,1% nos seis primeiros meses de 2020. A região Sudeste apresentou o menor comprometi­mento com esta despesa no período (53,2%).

O estudo do Tesouro mostra que os custos com pessoal cresceram mais do que as despesas correntes, ou seja, os Estados brasileiro­s gastaram mais para pagar os servidores do que no combate à pandemia, que vitimou mais de 150 mil brasileiro­s – dados consolidad­os no início de novembro. Enquanto a despesa corrente cresceu 1,6%, o gasto com pessoal cresceu 2,45%, no primeiro semestre do ano.

Esta dificuldad­e em equacionar as contas estaduais, sem a possibilid­ade de mexer nos gastos fixos com pessoal, tem assombrado os governos

O que estamos propondo não são simplesmen­te novas regras para o funcionali­smo público, mas uma profunda transforma­ção do Estado; são as bases de uma nova forma de administra­r o País.”

caio mário paes de andrade, secretário especial de desburocra­tização, gestão e governo digital, do ministério da economia

 ??  ??
 ??  ?? Luiz Felipe d’avila, do CLP, não vê sentido em excluir
os servidores da PEC 32
Luiz Felipe d’avila, do CLP, não vê sentido em excluir os servidores da PEC 32
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil