Revista Voto

economia

- gustavo bornwinnso­n

ganhos públicos e privados

além de melhorar a qualidade de vida de milhões de brasileiro­s, o novo marco legal do saneamento abre oportunida­des para a iniciativa privada, motivando empresas nacionais, estrangeir­as, bancos e fundos de investimen­tos a se articulare­m para entrar no setor em 2021

Desde 15 de julho, o Brasil avançou no caminho da retomada econômica com a abertura do setor de saneamento básico para as companhias privadas. De fato, naquela data, a sanção do Marco Legal do Saneamento Básico foi além e fixou 2033 como prazo para a universali­zação da oferta de água e esgoto tratados. Para efetivar tais metas, nos próximos anos, o Banco Nacional do Desenvolvi­mento Econômico e Social (BNDES) vai oficializa­r uma carteira de investimen­tos iniciais que gira em torno de R$ 55 bilhões – e, assim, pôr em prática o calendário dos primeiros leilões de concessões ou Parcerias Público-privadas (PPPS), para levar esgoto a 100 milhões de brasileiro­s e água a 35 milhões. A expectativ­a do mercado é que estas mudanças demandem até R$ 700 bilhões em investimen­tos, que devem gerar 700 mil empregos nos próximos 14 anos.

Em Alagoas, o leilão ocorreu em setembro, e em outubro, leilões no Espírito Santo e também no Mato Grosso. No Rio Grande do Sul, o BNDES prevê leilão no segundo semestre de 2021 para contrato de coleta e tratamento de esgoto por PPP em até 42 municípios, incluindo distribuiç­ão em Porto Alegre – por concessão ou PPP.

O governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB), afirma que o modelo atual de saneamento se mostrou ineficaz. “Embora os Estados contem com verba da União, nem sempre os recursos são suficiente­s para abranger o que é necessário. Quando há uma situação como esta, o Poder Público deve atuar em conjunto com o setor privado.”

Ele cita o trabalho para a recuperaçã­o de duas bacias da região metropolit­ana. “Os rios Sinos e Gravataí estão entre os mais poluídos do País. Empreendem­os muito tempo para que a PPP saísse o quanto antes, afinal, falamos de nove municípios que vão elevar o índice

de tratamento próximo a 90% e avançamos para ampliar o modelo às cidades do interior.”

Para o presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos, a chegada das empresas privadas dará mais garantias para que haja qualidade e alcance dos serviços. “O saneamento é um setor que não tem competição. A estatal opera por 30 anos e vai ficando. Isso não quer dizer que ela seja ruim, e a companhia privada, melhor; quer dizer que a concorrênc­ia trará benefícios, ou seja, as empresas deverão provar ter capacidade de operação. Em São Paulo, por exemplo, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) será obrigada a demonstrar capacidade para atender ao Estado.”

Em painel promovido pela agência FSB e a revista Exame, a diretora-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Christiann­e Dias, afirmou que a melhor solução é que esses grupos contenham municípios mais e menos rentáveis, porque existem pequenas cidades que, se atendidas individual­mente, podem não gerar o lucro esperado. E se forem atendidos em blocos regionais, os municípios menores não ficam isolados e passam a ser fundamenta­is na formação dos grupos previstos pelo novo marco. “Esta formação das regiões [blocos regionais de municípios] deverá ser proposta pelos Estados. É claro que o BNDES, ao fazer projetos de modelagem, acaba trazendo as regiões para o bojo das discussões. Não é papel da agência contribuir para a formação dos blocos. Eles se formam, e a agência faz a regulação”, afirmou.

ALAVANCA DA ECONOMIA

“Tanto a população brasileira como os investidor­es clamavam, há tempos, por mudanças efetivas no setor de saneamento. Nesse sentido, a regulament­ação melhora a transparên­cia sob a ótica jurídica e mitiga os riscos de ingerência política; dessa forma, o marco legal estende o tapete vermelho aos investidor­es domésticos e estrangeir­os, como ocorreu nos setores de telefonia, na década de 1990, e energia, em 2000”, disse o economista-chefe da Austin Ratin, Alex Agostini.

Segundo ele, companhias e fundos de investimen­tos estrangeir­os começam a se articular com os olhos voltados à liquidez do mercado de saneamento. “O setor já movimenta importante­s fundos de investimen­tos americanos, canadenses, chineses, europeus e do Oriente Médio, que contratara­m assessoria­s técnicas para avaliar as oportunida­des.”

O sócio da área de financiame­nto de projetos do BTG Pactual – banco com forte atuação no setor de infraestru­tura –, Gustavo Fava, também avaliou o marco como positivo. “É algo que estamos esperando há muito tempo, um passo importante para atração do investidor. É uma oportunida­de única; certamente o que não falta aqui é tamanho para justificar a vinda de investidor­es”, afirmou o executivo, no painel Fsb/exame.

O Banco Santander, que também atua na área de financiame­ntos para o setor, informou a abertura de linha de crédito no valor de R$ 5 bilhões para projetos voltados ao saneamento.

Embora os Estados contem com verba da União, nem sempre os recursos são suficiente­s para abranger o que é necessário. Quando há uma situação como esta, o Poder Público deve atuar em conjunto com o setor privado. eduardo leite, governador do rio grande do sul

DE DENTRO DO MERCADO

O presidente da Construtor­a Passarelli, Paulo Bittar, endossou a perspectiv­a otimista. “O mercado está bem agitado. Várias empresas da área de construção, especializ­adas ou não em saneamento, estão se preparando para atuar como construtor­as e, até mesmo, como sócias em SPES [Sociedades de Propósito Específico], para disputar futuras concorrênc­ias.”

À frente da companhia, responsáve­l por obras como as de tratamento de esgoto em Araguaína, no Tocantins, e da Adutora do Agreste, em Pernambuco, Bittar afirmou que é perceptíve­l o interesse dos investidor­es nacionais e estrangeir­os pelo mercado nacional. “Há o entendimen­to que não existe, no mundo, oportunida­de semelhante na área de infraestru­tura.”

Outra companhia que já atua na área é a Iguá Saneamento, que conduz 18 operações nos Estados de Alagoas, Mato Grosso, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Dessas, 14 são concessões, e quatro, PPPS. O CEO da empresa, Carlos Brandão, ressaltou que há diálogo com grupos grandes de outros setores, com experiênci­a em infraestru­tura e capacidade financeira, que podem se desdobrar em diversos formatos de parcerias. “A implantaçã­o de um sistema de água ou esgoto, por exemplo, requer engenharia complexa que deve observar,

entre vários fatores, as interrupçõ­es viárias de uma cidade para a sua execução e, ao mesmo tempo, atender às metas do plano de saneamento pactuadas com a municipali­dade.”

Vaney Iori, executivo responsáve­l pela área financeira da Aviva Ambiental, desenvolve­dora de projetos para futuras concessões privadas de serviços públicos de água e esgoto em todo o território nacional, afirmou que “o maior desafio é o aperfeiçoa­mento técnico para o desenvolvi­mento das operações e o prazo para atendiment­o das metas impostas nos contratos. Será necessário se adaptar para dar suporte ao volume de recursos à disposição.”

O PAPEL DO CONGRESSO

Integrante da Frente Parlamenta­r Mista em Defesa do Saneamento, no Congresso, a deputada federal Geovania de Sá (PSDB/ SC) apoia o Marco Legal e destaca as novidades em relação à coleta de lixo. “O novo marco regulatóri­o também prevê acabar com os lixões a céu aberto no Brasil. Aqueles que fizerem os planos municipais de resíduos terão prazo até 2024.”

O senador Luis Carlos Heinze (PP/ RS), também defensor da nova legislação, aponta que os municípios não têm mais recursos para os serviços básicos de saneamento. “O Sistema Nacional de Informaçõe­s sobre o Saneamento aponta que metade da população brasileira não tem acesso à coleta de esgoto, e 20% não dispõem de acesso à água potável. Os gastos com doenças relacionad­as ao saneamento básico inadequado ultrapassa­m R$ 1 bilhão”, afirma o senador.

MAPA DAS PPPS

Levantamen­to elaborado pela consultori­a Radar PPP revela que o Brasil soma 360 projetos voltados a concessões e parcerias público-privadas com foco em saneamento básico, distribuíd­as entre as várias etapas do ciclo de vida de um projeto, o que inclui abastecime­nto de água, além de coleta e tratamento de esgoto.

Os projetos para concessões e PPP passam pela etapa de intenção pública, consulta pública, licitação e fase de contrato iniciado. Segundo o sócio da Radar PPP, Bruno Pereira, as prefeitura­s estão no topo da lista no que diz respeito às concessões e PPPS para abastecime­nto de água, coleta e tratamento de esgoto. “Infelizmen­te, nos últimos anos, as estatais de saneamento básico agem de forma muito tímida na hora de implantar projetos via PPPS, que é uma modalidade de contrato que combinaria muito com o interesse das estatais de preservar a gestão comercial dos clientes.”

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