cleber benvegnú
o pt perdeu. entretanto, segue ganhando
Muitas mudanças nas eleições de 2020, mas nenhuma grande novidade. Ou melhor, como disse Heráclito: “A única coisa permanente é a mudança”. Ou ainda como me diz Cezar Schirmer, amigo experiente e recém-eleito vereador de Porto Alegre: “Política é roda-gigante. Num dia você está em cima; noutro, embaixo”. Sobre esta mutabilidade, também sentenciou Magalhães Pinto: “Política é como nuvem. Você olha, ela está de um jeito. Olha de novo, e ela já mudou”.
O resultado do último pleito mostrou uma reorganização das forças municipais, mas nada capaz de representar mudança mais abrupta do ciclo político nacional. É fato que a vinculação à figura do presidente Bolsonaro já não teve a mesma força catalisadora de outrora. Por outro lado, tampouco o eleitor fez um voto repulsivo a ele. A repulsa que se repetiu, mais claramente, foi ao PT. Contudo, o tema principal das cidades continuou sendo a gestão.
Mesmo assim, a ideologia não passou ao largo, eis que foi argumento importante em cidades como São Paulo e Porto Alegre, mas sempre dentro de narrativa mais ampla. De qualquer modo, restou claro que a poesia da luta de classes, do velho marxismo, de “tirar dos ricos para dar aos pobres”, de que os oprimidos precisam de um Robin Hood esquerdista-estatista para se libertar e de que o ambiente social deve ser de tensão, luta e conflito – entre gays e heterossexuais, cristãos e ateus, homens e mulheres, gordos e magros, pretos e brancos –, continua movendo muitos corações e mentes.
O poder transformador das liberdades individuais, da crença em Deus, do livre-arbítrio, do empreendedorismo, do autodidatismo e do papel da família como primeiro locus de libertação humana segue em desvantagem na batalha da opinião pública. Isso não mudou. O povo brasileiro continua aderente a tais valores, mas é assediado de modo permanente pela ideia falsamente confortante de que a redenção virá dos coletivos formais e artificiais – especialmente do
deus-estado. Os indivíduos e as instituições naturais têm menos propaganda.
Esta visão de mundo estatista, socialista e politicamente correta perdeu as eleições de 2018 para Bolsonaro. Por outro lado, continua com um ativismo muito maior nas universidades, nos movimentos de base da Igreja Católica, nas faculdades de Comunicação e de Pedagogia, na doutrinação do ensino, nas redações, nos sindicatos, nas celebridades artísticas e culturais, nas novelas e em parcela significativa do empresariado paulista – competente em ganhar dinheiro, mas primário na compreensão maior do fenômeno da opinião pública.
Prova disso são as votações expressivas de candidaturas simbólicas deste campo em duas cidades importantes citadas acima: Porto Alegre, com Manuela d’ávila (PCDOB), e São Paulo, com Guilherme Boulos (PSOL). Ambos perderam, mas cravaram uma estaca referencial para a retomada de poder no País. São tentativas novas, para além do PT, ambas insufladas por Lula.
A personificação da direita apenas em Bolsonaro se esgota ali adiante. Não por culpa do presidente, que segue forte (e favorito), mas pela falta de uma inserção popular capaz de levar adiante as bandeiras desse segmento. Estou procurando fazer um exercício de médio prazo, para além de 2022. Faltam militância, organização, consistência e permanência aos demais segmentos políticos brasileiros, aí inclusas forças representadas por partidos como MDB, PSD, PP, DEM, PSDB, PL, Cidadania, Novo, PTB, Republicanos e PSL.
Ao combater Bolsonaro sob a alegação de rejeitar a polarização, muitos democratas não percebem que o projeto do PT e seus afins são muito mais ameaçadores. Basta ver que o plano de José Dirceu para a América Latina segue em pé. Bolsonaro é uma onda que passará. Cumpre um papel de enfrentamento que até hoje ninguém teve coragem de fazer, com suas virtudes e defeitos. Todavia, ele não pode ser a única esperança de uma nação que não quer um projeto socialista. Já o petismo e a esquerda estatista são um fenômeno orgânico, organizado e permanente. Mesmo derrotado nesta eleição, o PT e seus braços seguem ocupando espaços majoritários de formação da opinião pública. São ativos na luta cultural – e sabem que este é o caminho.
Apesar disso, em eleições simbólicas, especialmente de Porto Alegre e São Paulo, o eleitor mostrou, mais uma vez, que negros, mulheres, gays ou pobres não são propriedade, nem dependem das mãos pretensamente redentoras de político esquerdista – e de nenhum outro campo ideológico. Reafirmou-se o respeito à sociedade livre – de todas as cores, raças, gêneros e opções. O voto mostrou que ninguém é dono do povo. E que a libertação dos indivíduos virá por eles mesmos, não pelos políticos. Mas essa disputa está por um triz.
Os campos da esquerda moderna, da centro-esquerda, do centro, da centro-direita e da direita só conseguirão ter relevância se tiverem posicionamento e organização, o que estão longe de demonstrar atualmente. Grande parte de seus notáveis é mera “lacradora” de redes socais, sem verdadeira organicidade, vocação de liderança e uma mínima densidade intelectual. Se os democratas, especialmente conservadores e liberais, não ocuparem espaços, formarem líderes, encamparem bandeiras claras e combaterem, com força, o PT e seus acessórios, eles voltarão redescobertos logo adiante. Façam política, portanto!