márcio coimbra
Cientista político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos, ex-diretor da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-brasil) e diretor-executivo do Interlegis, no Senado
ensinamentos de karl rove
Aeleição presidencial nos Estados Unidos deixa vários ensinamentos. Os republicanos fizeram uma votação espetacular. Foram mais de 73 milhões de votos. Entretanto, faltou estratégia. Em 2016, Trump soube vencer em Estados estratégicos e conseguiu penetrar em território democrata. Quatro anos depois, a lógica se inverteu. Os democratas tomaram de volta suas cidadelas e avançaram em terreno republicano. Isso tudo acontece porque a lógica da eleição americana está inserida em um sistema federativo único, no qual os Estados têm enorme independência e suas próprias regras, sistemas, leis, prazos e modelos de apuração. Além disso, o peso de cada um dos Estados reflete o porcentual de população que cada um possui. Logo, aquele com mais delegados, a Califórnia, tem a maior população. Wyoming, com a menor população, tem o menor número de delegados.
Cada Estado realiza a própria eleição presidencial, e às exceções de Nebraska e Maine, que dividem delegados proporcionalmente, nos outros, o vencedor leva todos os delegados. É uma eleição majoritária por Estado. Na maior parte, já sabemos o resultado, como na Califórnia (tradicionalmente democrata) e no Wyoming (tradicionalmente republicano).
Entretanto, em oito existe variação a cada eleição. Por vezes, votam com os republicanos; outras, com os democratas. São os “Estados-pêndulo”. Os mais famosos são Flórida e Ohio, mas, recentemente, outros passaram para esta condição, como Pensilvânia, Michigan e Wisconsin. A vitória de Trump ali, em 2016, abalou os democratas, que contavam com os votos do “Cinturão da Ferrugem”.
Quatro anos atrás, Trump venceu por uma pequena margem nos Estados-pêndulo, o que garantiu sua vitória no colégio eleitoral. Ao mobilizar o eleitorado tradicional republicano, conseguiu fazer com que a base do partido se engajasse em sua campanha, algo essencial para atingir a vitória. Nos anos em que
trabalhei com os republicanos em Washington, Karl Rove, estrategista de Bush, sempre me dizia: “Coimbra, na eleição americana, o engajamento é essencial. Precisamos de candidatos que empolguem o eleitor a sair de casa para votar”. Lá, o voto é facultativo, bom lembrar.
Dito e feito. Quando contam com candidatos que empolguem a base, dificilmente os republicanos são derrotados. Foi assim com George W. Bush e Trump. Romney e Mccain, de perfis mais centristas, acabaram derrotados por Barack Obama. Donald Trump tem este perfil vencedor e teria tudo para ganhar as eleições de 2020, mediante resultados excelentes na economia e geração de empregos. Contudo, na reta final do mandato, havia uma pandemia. Aí a lógica se inverteu.
Republicanos não gastam preciosos recursos de campanha presidencial na Califórnia, tampouco os democratas despejam investimentos para vencer no Wyoming, uma vez que o resultado nesses Estados é previsível e praticamente impossível de reverter. O foco são os Estados-pêndulo e aqueles instáveis, passíveis de mudança, mesmo que pequena. Assim, a batalha pela reeleição passou a focar no Cinturão da Ferrugem, na Flórida, na Carolina do Norte, em Iowa e no Arizona.
O foco era manter os Estados onde Trump havia vencido em 2016 e evitar que territórios tradicionalmente republicanos caíssem nas mãos dos democratas. Do outro lado, estes focavam nos mesmos locais, e a campanha acabou se tornando praticamente uma guerra travada nesses Estados.
O resultado, impulsionado pela pandemia, reverteu as expectativas dos republicanos. O voto antecipado se tornou um enorme trunfo para os democratas, enquanto nem toda base republicana se sentiu confortável para sair e votar. Trump venceu na Flórida e em Ohio, mas perdeu em Wisconsin, Michigan e Pensilvânia. Como se não fosse o bastante, os democratas penetraram em fortes republicanos, como Geórgia e Arizona, pondo em risco também a maior “joia” eleitoral conservadora: o Texas.
Este é um movimento que pode ser explicado pela pandemia, mas que tem justificativa no movimento demográfico americano. Muitos moradores da Califórnia, tradicionalmente democratas, vêm deixando o Estado, radicando-se em lugares como Arizona, Novo México, Colorado e, inclusive, Texas. Com esta corrente migratória, deslocam-se também votos democratas, que passaram a mudar a configuração política desses Estados.
Colorado e Novo México, tradicionalmente republicanos por décadas, tornaram-se democratas nos últimos anos. Nesta eleição, a expansão se completou com
Depois da derrota, os republicanos precisam assimilar os erros e reorganizar o partido
a anexação política do Arizona, formando um arco na costa oeste que penetra no centro republicano tradicional. A perda da Geórgia, um Estado leal desde 1992, também foi um enorme golpe na geopolítica do voto conservador.
O período agora será de reconstrução. Os pilares conservadores, entretanto, estão estabelecidos. Com a confirmação de Amy Coney Barrett para a Suprema Corte, uma maioria sólida está formada.
Depois da derrota, os republicanos precisam assimilar os erros e reorganizar o partido. Em menos de dois anos, teremos eleições parlamentares; e, em quatro, será possível retomar a Casa Branca com um bom candidato, que empolgue e mobilize a militância, como ensinou Karl Rove.