O que pensa o Congresso brasileiro?
Pesquisa inédita publicada com exclusividade pela voto aponta que, de cada três parlamentares, dois estão otimistas com a recuperação do país em 2021 e com a aprovação das reformas tributária e administrativa
Opresidente jair bolsonaro terá uma janela histórica de oportunidade em 2021 para aprovar, no Congresso, as reformas e os projetos de sua plataforma de governo. É o que revela pesquisa encomendada pela Necton Investimentos e realizada pelo Instituto Vector, que ouviu 54 líderes e vice-líderes – 44 da Câmara dos Deputados e dez do Senado Federal.
O levantamento, realizado em cinco rodadas, entre julho e novembro de 2020, indica cenário promissor para o presidente no próximo ano: melhora no relacionamento com o Congresso – que tem dois terços dos entrevistados otimistas sobre retomada da economia e aprovação das reformas nos próximos meses, boa avaliação dos ministros e aprovação da agenda econômica.
O posicionamento reformista de boa parte do Congresso, alinhado ao governo, e a crescente confiança no ministro da Economia, Paulo Guedes, também devem facilitar o trabalho de Bolsonaro para pôr em prática a agenda adiada em razão da pandemia. Para 78,4% dos congressistas, de maneira geral, a agenda econômica governamental é correta. Em outubro, 66% concordavam com a condução da economia. Na primeira pesquisa, em julho, este índice era menor: 45,3%. Já os que discordam da agenda
econômica recuaram de 54,8%, em julho, para 21,6%, em novembro. Dos parlamentares entrevistados, 62% estão otimistas em relação à recuperação da economia em 2021. Em julho, eram 47,3%. Os pessimistas caíram de 50,9%, em julho, para 33%, em novembro.
Em uma escala de 0 a 10, a confiança do Congresso em Guedes alcançou 5,4 em novembro, mesmo patamar de outubro. A avaliação é considerada estável, já que o ministro iniciou a pesquisa com nota 5,7, em julho; oscilou para 5,2, em agosto e setembro; e subiu, em novembro, para o patamar atual.
Para Leonardo Barreto, cientista político da Vector, a despeito de o cenário econômico desfavorável e da elevação do desemprego, que atingiu recorde de 14,4% no trimestre encerrado em agosto, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os congressistas não associam esta conjuntura negativa à gestão da equipe econômica, mas a um reflexo da pandemia. “A percepção dos deputados e senadores é a de que o cenário atual só não é pior por causa da administração na pandemia que Paulo Guedes e sua equipe estão fazendo.”
ALIANÇA ESTRATÉGICA
“O governo melhorou a interlocução e mudou o comportamento em relação ao Congresso, mas ainda não deixou claro o que quer, não conseguiu negociar pautas prioritárias. Falta o próprio presidente acreditar na importância destes projetos e se empenhar mais para negociar o andamento e a aprovação das pautas”, avalia Barreto, ao falar sobre o aperfeiçoamento na relação entre Congresso e Executivo.
Apesar de algumas desavenças, principalmente com o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM/RJ), a percepção
do relacionamento entre o presidente e o Congresso melhorou. A nota geral média subiu de 4,3, em julho, para 5,4, em novembro, mantendo-se estável nos últimos dois meses. Entre os partidos independentes, aumentou de 5,5 para 6,8. Já entre a oposição, cresceu de 3,1 para 3,3.
Com as concessões feitas em 2020, Bolsonaro deve atentar em 2021 para a consolidação de uma base parlamentar mais sólida. Entre os 54 líderes e vice-líderes ouvidos, 27,8% se consideram da base de apoio; 37%, independentes; e 35,2%, de oposição. Ao longo dos meses, houve um movimento de alta do bloco simpático ao governo, que subiu de 23,4%, em julho, para 31,5%, em outubro, mas recuou para 27,8%, em novembro. Já a oposição cresceu de 33,3%, em outubro, para 35,2%, em novembro.
O cientista político avalia que esta oscilação positiva da oposição, por enquanto, não pode ser considerada relevante e, como a base de apoio ainda não está formalizada, é natural que haja uma certa volatilidade. “Um parlamentar pode ser atendido em uma determinada negociação, e isso pode alterar a percepção que temos sobre o seu posicionamento em relação ao governo. Caso a pesquisa verifique várias rodadas seguidas com este movimento se repetindo, aí realmente teremos de investigar, mas, por enquanto, acho que é mais barulho, em termos de negociação de um processo de construção de base que está em marcha, do que propriamente um evento”, diz.
A percepção dos deputados e senadores é a de que o cenário atual só não é pior por causa da administração na pandemia que Paulo Guedes e sua equipe estão fazendo.
APROVAÇÃO DAS REFORMAS
Para 2021, a agenda do mandatário pode fluir no sentido da aprovação de projetos que ficaram pelo caminho. A Reforma Tributária deverá ser aprovada em, pelo menos, uma das casas nos seis primeiros meses do ano para 83% dos parlamentares ouvidos, enquanto 75,8% também acreditam na aprovação da Reforma Administrativa até junho. “A aproximação para ganhar sobrevivência em 2020 deve gerar um alinhamento maior entre o governo e o Con
gresso em 2021. Esta melhora na percepção dos parlamentares no que diz respeito à aprovação das reformas deve animar também os investidores”, comenta Barreto.
A melhora do relacionamento do presidente com os parlamentares e o crescimento da base de apoio ao longo do ano, na avaliação de Barreto, são explicados também pela entrada em cena de dois novos nomes no governo: Fábio Faria (PSD/RN), no Ministério das Comunicações, e Ricardo Barros (PP/PR), na liderança do governo na Câmara. O ministro conseguiu articular a missão de baixar a temperatura entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Já o novo líder foi fundamental para a aproximação com os partidos. “É bom lembrar que o ‘Centrão’ é uma força de apoio ardilosa, muito pouco estável e que pode mudar de opinião rapidamente”, pondera o economista-chefe da Necton, André Perfeito.
Outro fator que sedimentou esta interação foi o recorde na liberação de verbas por meio de emendas parlamentares desde 2015 – em parte devido à pandemia, é verdade. Foram R$ 17,2 bilhões pagos até meados de outubro de 2020, o que já representa um aumento de 67% em comparação a todo o ano de 2019. O valor é o mais alto na série compilada pelo Senado, iniciada em 2015 (e atualizada pela inflação).
RESPEITO AO TETO DE GASTOS
A pesquisa mostra que o Congresso não vai aceitar romper o teto de gastos para aprovar o Renda Cidadã, programa que tende a substituir o Bolsa Família. Somente 24,4% dos parlamentares acreditam que o pagamento do benefício justificaria o rompimento do teto de gastos. Entre os políticos independentes, apenas 9,7% aprovam romper o teto. Na oposição, este porcentual
aumenta para 78,3%. “Se o governo planeja aprovar o programa, vai ter de reformular o projeto ou fazer uma campanha muito forte de convencimento, já que o Congresso não admite romper o teto”, avalia Barreto. Para 78% dos parlamentares, sem disciplina fiscal, não é possível recuperar o crescimento econômico, avaliação compartilhada também pela grande maioria da oposição (73,9%).
Em relação aos marcos regulatórios, o que aparece mais no radar dos congressistas é a Lei do Gás. Para 53,7%, é possível aprovar a regulamentação do setor ainda em 2020. Já a Lei da BR do Mar (Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem) e a lei do novo marco ferroviário contam com o otimismo de 28,4% e 30,9%, respectivamente.
Para André Perfeito, da Necton, os compromissos eleitorais evidenciaram a dificuldade de o Congresso avançar com as reformas Tributária e Administrativa ou mesmo o Pacto Federativo. “Apesar da retórica pró-mercado de muitos políticos é eminente a aprovação de mais um imposto, que irá tributar as transações digitais”, afirma. No recorte da pesquisa feito em outubro, 51,7% acreditavam que o imposto sobre transações digitais seria aprovado em pelo menos uma das casas, em 2020.
Para Leonardo Barreto, no entanto, o aumento da carga tributária só será viável se estiver atrelado a alguma desoneração, como a da folha de pagamentos. “Existe um sentimento dentro do Congresso de que não é possível aumentar a carga tributária. A chance de acontecer é se for feita uma amarração com uma narrativa e um compromisso de substituição tributária, na qual
Talvez o governo brasileiro tenha de achar um novo ponto de equilíbrio para que possa manter a indicação dos norte-americanos à entrada do Brasil na OCDE. andré perfeito, economista-chefe da necton
você teria uma reativação do emprego, com a desoneração da folha de pagamentos, em troca de uma nova CPMF.”
MUDANÇAS NA POLÍTICA EXTERNA
O questionamento que mais uniu partidos independentes e da oposição foi a percepção de que a vitória do democrata Joe Biden, nos Estados Unidos, exigirá mudança na política externa brasileira: 90,7% concordam – 91,3% da oposição e 90,3% dos independentes.
“Talvez o governo brasileiro tenha de adotar medidas mais efetivas na conservação do meio ambiente para evitar sanções aos produtos agropecuários. Além disso, terá de achar um novo ponto de equilíbrio para que possa manter a indicação dos norte-americanos à entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE)”, analisa Perfeito.
O otimismo com as privatizações ainda é grande, mas caiu mais de 20 pontos porcentuais em apenas um mês. Para 64,8% dos parlamentares, é possível privatizar alguma empresa até o fim do governo Bolsonaro – eram 86,4% em outubro. Já os que não acreditam na venda das estatais aumentaram de 7,1% para 20,4%. Os Correios (22,2%) e a Eletrobras (20,4%) estão entre as empresas favoritas a serem desestatizadas. Bolsonaro, antes de ser eleito, declarou ser contra a venda da estatal de energia por ser uma empresa “estratégica”.