AGRONEGÓCIO
O DESAFIO DE MANTER A CURVA EM ASCENSÃO
POUCAS VEZES NA HISTÓRIA, FICOU TÃO EVIDENTE A FORÇA DO AGRONEGÓCIO COMO EM 2020. NO ANO EM QUE O MUNDO PAROU POR CAUSA DA PANDEMIA, O SETOR ABRAÇOU O DESAFIO DE, A PARTIR DO BRASIL, AJUDAR A ABASTECER O PLANETA – ALÉM DA MESA DOS PRÓPRIOS BRASILEIROS, É CLARO.
Apromessa se cumpriu: segundo balanço da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o Produto Interno Bruto (PIB) do agro cravou um crescimento de 9% no ano, enquanto o Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBP) teve alta superior a 17%. Em meio à euforia do segmento, a missão agora é enfrentar os obstáculos e sustentar o crescimento. A mesma CNA prevê que o PIB do agro vai subir 3% em 2021, representando um montante de R$ 1,8 trilhão, ao passo que o VBP crescerá 4,2%, superando os R$ 903 bilhões. Para atender a essa expectativa, porém, o trabalho deve extrapolar as porteiras das fazendas. Intensificar o comércio global, calibrar a comunicação sobre a agenda ambiental brasileira e destravar a economia interna por meio das reformas são as principais conquistas a serem perseguidas ao longo de 2021.
Quando chegou ao país, em março do ano passado, o novo coronavírus trouxe a previsão de um tombo gigante da economia. São inesquecíveis as desoladoras cenas dos sucessivos acionamentos do circuit breaker na Bolsa de São Paulo, depois de o Ibovespa despencar mais de 10%. No dia 16 de março, o índice chegou a cair 14%, acompanhando as previsões negativas que pipocavam pelo mundo com as notícias de que a Covid-19 se espalhava rapidamente pelos Estados Unidos e já marcava presença no Brasil. Enquanto os casos aumentavam e os estados traçavam suas estratégias para tentar conter o avanço na contaminação, o fantasma do desabastecimento rondou, com a possibilidade de fechamento das atividades econômicas. Foi justamente nesse ponto, no entanto, que o agronegócio engendrou o movimento que firmaria o setor como motor da economia brasileira em tempos de pandemia.
“Agimos em diversas frentes para não deixar que a população brasileira sofresse qualquer desabastecimento e conseguimos honrar nossos compromissos de exportação com vários países que tinham comprado parte da nossa safra”, afirmou o presidente da CNA, João Martins, durante coletiva de imprensa no fim do ano passado. Para ele, ações como auxílio ao produtor rural para manter a produção de alimentos como atividade essencial, além da obtenção, junto aos governos, da garantia do fluxo logístico para o abastecimento e para as exportações prepararam o país para atender a demanda por alimentos no mundo e no mercado interno, equilibrando a economia e minimizando os impactos da pandemia no desempenho do PIB.
O resultado dessa articulação é pujante. Dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) revelam que, em 2020, o VBP do Brasil atingiu R$ 871,3 bilhões, o maior valor já registrado desde o começo da série histórica, em 1989, ultrapassando ,inclusive, os memoráveis R$ 759,6 bilhões de 2015. As lavouras obtiveram faturamento de R$ 580,5 bilhões, uma alta de 22,2% em relação a 2019. A pecuária atingiu a cifra de R$ 290,8 bilhões, um incremento de 7,9%. Enquanto a Europa e os outros países produtores se fechavam, limitando a circulação nas fronteiras, o Brasil via crescer a demanda mundial por seus produtos. Ainda conforme o Mapa, milho, soja e carne bovina foram as estrelas nesse desfile de resultados positivos. Em outubro, o Banco Mundial melhorou a previsão para o PIB brasileiro em 2020 – de uma queda estimada de 8%, passou a calcular um recuo de somente 5,4%. O próprio Ministério da Economia também reduziu sua expectativa de queda, de 4,7% para 4,5%, segundo estimativa divulgada em novembro. Os resultados oficiais saem em março.
Depois deste 2020 positivo, como será 2021?
BALCÃO PRECISA ESTAR ABERTO PARA O MUNDO
Expandir os bons resultados de 2020 e seguir a curva de crescimento no agronegócio passa, obrigatoriamente, pela ampliação do comércio internacional. Com propriedade, alguém vai lembrar que já exportamos muito. Ocorre que precisamos exportar muito mais, não simplesmente em quantidade, mas, principalmente, em variedade. A observação é da superintendente de Relações Internacionais da CNA, Lígia Dutra, que garante que o Brasil tem um cardápio amplo de produtos exportáveis ainda demandados em escala tímida, que vão desde o café premium até as frutas. Os acordos comerciais, de acordo com Lígia, são o caminho para intensificar o comércio internacional. “Podemos exportar muito mais, mas, para isso, precisamos reduzir barreiras e trabalhar para concretizar os acordos comerciais com países e blocos. Por meio deles, podemos melhorar as tarifas nos produtos processados, incluindo na pauta de exportações os médios e pequenos produtores”, salienta.
Exemplo da importância de um acordo comercial vigente é o caso do suco de laranja produzido no Brasil que, em 2019, perdeu, para o México, o posto de principal fornecedor dos norte-americanos. Dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), compilados pela Associação Nacional dos Exportadores de Suco Cítrico (Citrusbr), mostram que as importações americanas de suco do México aumentaram 664% nos últimos 28 anos, ao mesmo tempo que o produto brasileiro teve sua presença reduzida em 50% por lá. O motivo? Os termos do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), que zeraram as tarifas para a entrada da bebida mexicana. Já uma tonelada de suco brasileiro precisa pagar mais de US$ 400 dólares para atravessar a fronteira. “O Brasil exporta 95% do suco de laranja que produz. Desse total, só 20% vão para os Estados Unidos. A concorrência com o México prejudica o desempenho”, comenta Ibiapaba Netto, diretor executivo da Citrus Br.
Negociar parcerias é uma das lições de casa que o Brasil já está fazendo. O comentado acordo do Mercosul com a União Europeia, cujos termos ainda estão sendo analisados para a assinatura, é um dos mais promissores. Além desse, outros estão na mira dos produtores, como as alianças com México e Canadá, ainda em fase embrionária. “Também temos que buscar acordos com os Estados Unidos, para quem já vendemos muito, mas podemos vender muito mais. Nossos competidores têm acordos comerciais com os americanos, o que acaba nos prejudicando”, frisa Lígia Dutra. Para ela, uma das missões da CNA e do governo brasileiro é investir na promoção comercial do Brasil, aumentando o leque de exportações e beneficiando um número cada vez maior e mais diversificado de produtores.
O aprofundamento das relações comerciais do Brasil com outras nações, especialmente os vizinhos de Mercosul, pode colaborar com variados formatos de negócio ligados à cadeia do agro, como as cooperativas. Para o representante do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) na Argentina, Caio Rocha, as ofertas internacionais podem favorecer os pequenos e médios produtores cooperativados, injetando renda no campo e aumentando a competitividade do setor no Brasil. “A integração cooperativista é uma das possibilidades mais atraentes dos blocos comerciais, como o Mercosul. Até mesmo na área da logística internacional, que é cara e complicada, as cooperativas podem ser uma solução para gerenciar o transporte e a entrega”, destaca. Apesar de promissor, o comércio regional ainda é pequeno, aponta Rocha. Apenas 6,35% do comércio exterior brasileiro é feito com países da região, o índice mais baixo do hemisfério.
PARCERIA QUE TEM TUDO PARA CRESCER
A China, o maior parceiro comercial do agro brasileiro, deve se tornar ainda mais relevante na pauta de exportações do setor nos próximos anos. Somente em 2020, o volume de vendas para o país despontou 19,4%, indicam dados da CNA. A ideia é melhorar esse desempenho em 2021 para toda a Ásia, que tem um potencial de compra gigantesco para variados artigos – não exclusivamente commodities.
Garantir quantidades e, sobretudo, qualidade certificada para as mercadorias é um dos principais desafios do setor ao longo deste ano. A exportação de produtos com maior valor agregado está na mira da CNA como uma das oportunidades mais substanciais. “Não temos contato com o consumidor final chinês, o que não nos favorece. Precisamos estreitar esses laços”, assegura Lígia Dutra.
Para isso, a palavra de ordem é pragmatismo. Na busca de relações comerciais mais intensas e proveitosas não há lugar para disputas ideológicas. “Nossa presença é fundamental na Ásia, pois eles têm um ambiente de crescimento vigoroso que nos interessa. Por isso mesmo, vemos com preocupação a falta de pragmatismo no Itamaraty. A diplomacia precisa saber da importância do setor na economia do país e passar a trabalhar conosco. Felizmente, temos a ministra Tereza Cristina, que é a grande diplomata brasileira”, dispara o presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Gedeão Pereira.
Podemos exportar muito mais, mas, para isso, precisamos reduzir barreiras e trabalhar para concretizar os acordos comerciais com países e blocos.
LÍGIA DUTRA Superintendente de Relações Internacionais da CNA
NO CAMINHO DA SUSTENTABILIDADE
Apenas no ano passado, a Fazenda Roncador, em Mato Grosso, perdeu mil cabeças de gado para as onças-pintadas que circulam livremente pela propriedade, cujo plantel é de 70 mil animais. O que o grupo empresarial que controla a fazenda fez para minimizar o prejuízo? Nada. Aliás, em entrevistas, os empresários já declararam que perder esses bois para as onças sequer é um prejuízo. É mais um indicador para medir o nível de equilíbrio do ambiente da fazenda, que possibilita ao felino selvagem, que é símbolo da biodiversidade brasileira, coexistir em harmonia com a atividade agropecuária.
Longe de ser uma atitude isolada, posturas como a da Fazenda Roncador são cada vez mais comuns entre agricultores e pecuaristas brasileiros. Conscientes de que a preservação da biodiversidade é o melhor caminho para a atividade no campo e limitados pelos termos da legislação ambiental, que é uma das mais restritivas do mundo, os produtores buscam o equilíbrio. Não apenas por espírito altruísta, mas por saber que o planeta está com os olhos voltados para os países produtores em busca de sustentabilidade e preservação dos biomas e das populações originais. Quem desmata, queima ou degrada está com os dias contados.
A eleição do presidente norte-americano Joe Biden foi um recado claro para o mundo de que a agenda ambiental é decisiva nas relações entre os países – um dos seus primeiros atos foi reinserir os Estados Unidos no Acordo de Paris, comprometendo-se a reduzir as emissões de carbono. Por aqui, o setor batalha para se descolar da imagem de inimigo da natureza, ainda muito difundida. “O agro brasileiro trabalha em perfeita harmonia com o ambiente. Somos um sequestrador de carbono. É inegável que existem problemas pontuais, como na Amazônia, mas o conjunto da atividade agrícola no país não merece essa imagem negativa. Respeitamos a lei e temos todo o interesse em preservar o meio ambiente em nossas propriedades”, afirma o presidente da Farsul, Gedeão Pereira. “Temos que separar o joio do trigo. É preciso deixar claro que o Brasil não é uma grande fazenda, como se todos os setores estivessem em inconformidade com a legislação ambiental. Se há um problema pontual na Amazônia, o governo deve agir com rigor. Essa comunicação é muito importante, o Brasil precisa estar atento a isso”, pondera o diretor executivo da Citrus BR, Ibiapaba Netto.
Considerada pauta global, a agenda ambiental é vista como uma oportunidade de protagonismo para o Brasil pela superintendente de Relações Internacionais da CNA. Lígia Dutra defende que o agronegócio brasileiro precisa participar do debate internacional, contribuindo com sua experiência e boas práticas. “O setor privado tem que se apropriar dessa pauta para contar nossa história e debater globalmente o que estamos fazendo de bom aqui. E, claro, temos que consertar o que precisa ser consertado”, reforça.
Um dos passos mais importantes para o avanço do Brasil nessa questão, segundo o deputado federal e membro da Frente Parlamentar da Agropecuária Paulo Bengston (PTB-PA), será a aprovação do projeto de regularização fundiária que tramita na Câmara.
A integração cooperativista é uma das possibilidades mais atraentes dos blocos comerciais, como o Mercosul.
CAIO ROCHA Representante do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) na Argentina
Para ele, os produtores em situação regular têm acesso aos programas de crédito para aquisição de tecnologia para a propriedade, além de estarem sujeitos à legislação ambiental vigente. “Assim, o produtor tem segurança jurídica para recuperar áreas degradadas, aumentando a produtividade sem a necessidade de desmatar”, explica. Recuperar áreas degradadas, na verdade, é o caminho apontado pelo Ministério da Agricultura para o desejado aumento no desempenho do setor sem a necessidade de abrir mais áreas para pastagens ou plantio.
“Temos 50 milhões de hectares degradados que podem voltar ao sistema com grande produtividade. Nesse volume de terras, que já está aberto, podemos dobrar a capacidade de produção do Brasil. Não precisamos abrir mais nada para crescer”, declarou a ministra da Agricultura Tereza Cristina, em dezembro de 2020, durante o lançamento da plataforma digital Pronasolos, criada para monitorar e oferecer orientação técnica com fins de recuperação de áreas degradadas em todo o país.
DÚVIDA E EXPECTATIVA QUANTO AO CÂMBIO E ÀS REFORMAS
Em tempos de dólar nas alturas frente ao real, é fácil imaginar os bons resultados dos produtores de commodities. A soja, por exemplo, teve boa parte de sua safra vendida antecipadamente e, pela demanda, acumulou uma alta de mais de 70% em 2020. Cotada em dólar, a commodity é ouro no bolso do produtor. É bom lembrar, porém, que nem tudo é vantagem com a disparada da moeda americana – insumos e tecnologia, por exemplo, também flutuam com o câmbio e podem inviabilizar culturas cuja característica não é a exportação. Segundo o superintendente técnico da CNA Bruno Lucchi, a relação entre câmbio e custos de produção será tensionada em 2021, grande parte devido aos insumos como fertilizantes, precificados em dólar, e ao preço do milho, principal componente das rações utilizadas na pecuária.
Assim, o produtor tem segurança jurídica para recuperar áreas degradadas, aumentando a produtividade sem a necessidade de desmatar.
PAULO BENGSTON Membro da Frente Parlamentar da Agropecuária Paulo Bengston (PTB-PA)
O controle do endividamento do país, a aprovação das reformas e o estímulo ao consumo no mercado interno, com atenção à população de baixa renda, são estratégias apontadas pela CNA como decisivas para sustentar o crescimento do agro no cenário econômico do país. Animado com a nova composição das mesas diretoras da Câmara e do Senado, o segmento aposta na aprovação de reformas para destravar muitos pontos e oferecer mais segurança ao produtor. “O Brasil não suporta mais a estabilidade do funcionalismo, por exemplo, que estanca as receitas e faz o Estado pesar. Quando a Reforma Administrativa for aprovada, sobrarão recursos para os investimentos em logística, tão urgentes para o setor”, ressalta o presidente da Farsul, Gedeão Pereira.
Para o deputado federal Paulo Bengston, um dos grandes desafios será a estabilização da moeda, o que deve ser favorecida pela aprovação das reformas estruturais, maior urgência do Congresso, junto ao projeto de regularização fundiária. “Estamos otimistas com o andamento desses projetos, pois os presidentes de ambas as Casas têm um relacionamento próximo com o setor. Os anteriores eram muito urbanos, conheciam pouco a realidade do campo”, completa.
Temos 50 milhões de hectares degradados que podem voltar ao sistema com grande produtividade. Nesse volume de terras, que já está aberto, podemos dobrar a capacidade de produção do Brasil. Não precisamos abrir mais nada para crescer.
TEREZA CRISTINA Ministra da Agricultura