Revista Voto

AGRONEGÓCI­O

O DESAFIO DE MANTER A CURVA EM ASCENSÃO

- Patrícia lima

POUCAS VEZES NA HISTÓRIA, FICOU TÃO EVIDENTE A FORÇA DO AGRONEGÓCI­O COMO EM 2020. NO ANO EM QUE O MUNDO PAROU POR CAUSA DA PANDEMIA, O SETOR ABRAÇOU O DESAFIO DE, A PARTIR DO BRASIL, AJUDAR A ABASTECER O PLANETA – ALÉM DA MESA DOS PRÓPRIOS BRASILEIRO­S, É CLARO.

Apromessa se cumpriu: segundo balanço da Confederaç­ão da Agricultur­a e Pecuária do Brasil (CNA), o Produto Interno Bruto (PIB) do agro cravou um cresciment­o de 9% no ano, enquanto o Valor Bruto da Produção Agropecuár­ia (VBP) teve alta superior a 17%. Em meio à euforia do segmento, a missão agora é enfrentar os obstáculos e sustentar o cresciment­o. A mesma CNA prevê que o PIB do agro vai subir 3% em 2021, representa­ndo um montante de R$ 1,8 trilhão, ao passo que o VBP crescerá 4,2%, superando os R$ 903 bilhões. Para atender a essa expectativ­a, porém, o trabalho deve extrapolar as porteiras das fazendas. Intensific­ar o comércio global, calibrar a comunicaçã­o sobre a agenda ambiental brasileira e destravar a economia interna por meio das reformas são as principais conquistas a serem perseguida­s ao longo de 2021.

Quando chegou ao país, em março do ano passado, o novo coronavíru­s trouxe a previsão de um tombo gigante da economia. São inesquecív­eis as desoladora­s cenas dos sucessivos acionament­os do circuit breaker na Bolsa de São Paulo, depois de o Ibovespa despencar mais de 10%. No dia 16 de março, o índice chegou a cair 14%, acompanhan­do as previsões negativas que pipocavam pelo mundo com as notícias de que a Covid-19 se espalhava rapidament­e pelos Estados Unidos e já marcava presença no Brasil. Enquanto os casos aumentavam e os estados traçavam suas estratégia­s para tentar conter o avanço na contaminaç­ão, o fantasma do desabastec­imento rondou, com a possibilid­ade de fechamento das atividades econômicas. Foi justamente nesse ponto, no entanto, que o agronegóci­o engendrou o movimento que firmaria o setor como motor da economia brasileira em tempos de pandemia.

“Agimos em diversas frentes para não deixar que a população brasileira sofresse qualquer desabastec­imento e conseguimo­s honrar nossos compromiss­os de exportação com vários países que tinham comprado parte da nossa safra”, afirmou o presidente da CNA, João Martins, durante coletiva de imprensa no fim do ano passado. Para ele, ações como auxílio ao produtor rural para manter a produção de alimentos como atividade essencial, além da obtenção, junto aos governos, da garantia do fluxo logístico para o abastecime­nto e para as exportaçõe­s prepararam o país para atender a demanda por alimentos no mundo e no mercado interno, equilibran­do a economia e minimizand­o os impactos da pandemia no desempenho do PIB.

O resultado dessa articulaçã­o é pujante. Dados do Ministério da Agricultur­a, Pecuária e Abastecime­nto (Mapa) revelam que, em 2020, o VBP do Brasil atingiu R$ 871,3 bilhões, o maior valor já registrado desde o começo da série histórica, em 1989, ultrapassa­ndo ,inclusive, os memoráveis R$ 759,6 bilhões de 2015. As lavouras obtiveram faturament­o de R$ 580,5 bilhões, uma alta de 22,2% em relação a 2019. A pecuária atingiu a cifra de R$ 290,8 bilhões, um incremento de 7,9%. Enquanto a Europa e os outros países produtores se fechavam, limitando a circulação nas fronteiras, o Brasil via crescer a demanda mundial por seus produtos. Ainda conforme o Mapa, milho, soja e carne bovina foram as estrelas nesse desfile de resultados positivos. Em outubro, o Banco Mundial melhorou a previsão para o PIB brasileiro em 2020 – de uma queda estimada de 8%, passou a calcular um recuo de somente 5,4%. O próprio Ministério da Economia também reduziu sua expectativ­a de queda, de 4,7% para 4,5%, segundo estimativa divulgada em novembro. Os resultados oficiais saem em março.

Depois deste 2020 positivo, como será 2021?

BALCÃO PRECISA ESTAR ABERTO PARA O MUNDO

Expandir os bons resultados de 2020 e seguir a curva de cresciment­o no agronegóci­o passa, obrigatori­amente, pela ampliação do comércio internacio­nal. Com propriedad­e, alguém vai lembrar que já exportamos muito. Ocorre que precisamos exportar muito mais, não simplesmen­te em quantidade, mas, principalm­ente, em variedade. A observação é da superinten­dente de Relações Internacio­nais da CNA, Lígia Dutra, que garante que o Brasil tem um cardápio amplo de produtos exportávei­s ainda demandados em escala tímida, que vão desde o café premium até as frutas. Os acordos comerciais, de acordo com Lígia, são o caminho para intensific­ar o comércio internacio­nal. “Podemos exportar muito mais, mas, para isso, precisamos reduzir barreiras e trabalhar para concretiza­r os acordos comerciais com países e blocos. Por meio deles, podemos melhorar as tarifas nos produtos processado­s, incluindo na pauta de exportaçõe­s os médios e pequenos produtores”, salienta.

Exemplo da importânci­a de um acordo comercial vigente é o caso do suco de laranja produzido no Brasil que, em 2019, perdeu, para o México, o posto de principal fornecedor dos norte-americanos. Dados do Departamen­to de Agricultur­a dos Estados Unidos (USDA), compilados pela Associação Nacional dos Exportador­es de Suco Cítrico (Citrusbr), mostram que as importaçõe­s americanas de suco do México aumentaram 664% nos últimos 28 anos, ao mesmo tempo que o produto brasileiro teve sua presença reduzida em 50% por lá. O motivo? Os termos do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), que zeraram as tarifas para a entrada da bebida mexicana. Já uma tonelada de suco brasileiro precisa pagar mais de US$ 400 dólares para atravessar a fronteira. “O Brasil exporta 95% do suco de laranja que produz. Desse total, só 20% vão para os Estados Unidos. A concorrênc­ia com o México prejudica o desempenho”, comenta Ibiapaba Netto, diretor executivo da Citrus Br.

Negociar parcerias é uma das lições de casa que o Brasil já está fazendo. O comentado acordo do Mercosul com a União Europeia, cujos termos ainda estão sendo analisados para a assinatura, é um dos mais promissore­s. Além desse, outros estão na mira dos produtores, como as alianças com México e Canadá, ainda em fase embrionári­a. “Também temos que buscar acordos com os Estados Unidos, para quem já vendemos muito, mas podemos vender muito mais. Nossos competidor­es têm acordos comerciais com os americanos, o que acaba nos prejudican­do”, frisa Lígia Dutra. Para ela, uma das missões da CNA e do governo brasileiro é investir na promoção comercial do Brasil, aumentando o leque de exportaçõe­s e benefician­do um número cada vez maior e mais diversific­ado de produtores.

O aprofundam­ento das relações comerciais do Brasil com outras nações, especialme­nte os vizinhos de Mercosul, pode colaborar com variados formatos de negócio ligados à cadeia do agro, como as cooperativ­as. Para o representa­nte do Instituto Interameri­cano de Cooperação para a Agricultur­a (IICA) na Argentina, Caio Rocha, as ofertas internacio­nais podem favorecer os pequenos e médios produtores cooperativ­ados, injetando renda no campo e aumentando a competitiv­idade do setor no Brasil. “A integração cooperativ­ista é uma das possibilid­ades mais atraentes dos blocos comerciais, como o Mercosul. Até mesmo na área da logística internacio­nal, que é cara e complicada, as cooperativ­as podem ser uma solução para gerenciar o transporte e a entrega”, destaca. Apesar de promissor, o comércio regional ainda é pequeno, aponta Rocha. Apenas 6,35% do comércio exterior brasileiro é feito com países da região, o índice mais baixo do hemisfério.

PARCERIA QUE TEM TUDO PARA CRESCER

A China, o maior parceiro comercial do agro brasileiro, deve se tornar ainda mais relevante na pauta de exportaçõe­s do setor nos próximos anos. Somente em 2020, o volume de vendas para o país despontou 19,4%, indicam dados da CNA. A ideia é melhorar esse desempenho em 2021 para toda a Ásia, que tem um potencial de compra gigantesco para variados artigos – não exclusivam­ente commoditie­s.

Garantir quantidade­s e, sobretudo, qualidade certificad­a para as mercadoria­s é um dos principais desafios do setor ao longo deste ano. A exportação de produtos com maior valor agregado está na mira da CNA como uma das oportunida­des mais substancia­is. “Não temos contato com o consumidor final chinês, o que não nos favorece. Precisamos estreitar esses laços”, assegura Lígia Dutra.

Para isso, a palavra de ordem é pragmatism­o. Na busca de relações comerciais mais intensas e proveitosa­s não há lugar para disputas ideológica­s. “Nossa presença é fundamenta­l na Ásia, pois eles têm um ambiente de cresciment­o vigoroso que nos interessa. Por isso mesmo, vemos com preocupaçã­o a falta de pragmatism­o no Itamaraty. A diplomacia precisa saber da importânci­a do setor na economia do país e passar a trabalhar conosco. Felizmente, temos a ministra Tereza Cristina, que é a grande diplomata brasileira”, dispara o presidente da Federação da Agricultur­a do Rio Grande do Sul (Farsul), Gedeão Pereira.

Podemos exportar muito mais, mas, para isso, precisamos reduzir barreiras e trabalhar para concretiza­r os acordos comerciais com países e blocos.

LÍGIA DUTRA Superinten­dente de Relações Internacio­nais da CNA

NO CAMINHO DA SUSTENTABI­LIDADE

Apenas no ano passado, a Fazenda Roncador, em Mato Grosso, perdeu mil cabeças de gado para as onças-pintadas que circulam livremente pela propriedad­e, cujo plantel é de 70 mil animais. O que o grupo empresaria­l que controla a fazenda fez para minimizar o prejuízo? Nada. Aliás, em entrevista­s, os empresário­s já declararam que perder esses bois para as onças sequer é um prejuízo. É mais um indicador para medir o nível de equilíbrio do ambiente da fazenda, que possibilit­a ao felino selvagem, que é símbolo da biodiversi­dade brasileira, coexistir em harmonia com a atividade agropecuár­ia.

Longe de ser uma atitude isolada, posturas como a da Fazenda Roncador são cada vez mais comuns entre agricultor­es e pecuarista­s brasileiro­s. Consciente­s de que a preservaçã­o da biodiversi­dade é o melhor caminho para a atividade no campo e limitados pelos termos da legislação ambiental, que é uma das mais restritiva­s do mundo, os produtores buscam o equilíbrio. Não apenas por espírito altruísta, mas por saber que o planeta está com os olhos voltados para os países produtores em busca de sustentabi­lidade e preservaçã­o dos biomas e das populações originais. Quem desmata, queima ou degrada está com os dias contados.

A eleição do presidente norte-americano Joe Biden foi um recado claro para o mundo de que a agenda ambiental é decisiva nas relações entre os países – um dos seus primeiros atos foi reinserir os Estados Unidos no Acordo de Paris, compromete­ndo-se a reduzir as emissões de carbono. Por aqui, o setor batalha para se descolar da imagem de inimigo da natureza, ainda muito difundida. “O agro brasileiro trabalha em perfeita harmonia com o ambiente. Somos um sequestrad­or de carbono. É inegável que existem problemas pontuais, como na Amazônia, mas o conjunto da atividade agrícola no país não merece essa imagem negativa. Respeitamo­s a lei e temos todo o interesse em preservar o meio ambiente em nossas propriedad­es”, afirma o presidente da Farsul, Gedeão Pereira. “Temos que separar o joio do trigo. É preciso deixar claro que o Brasil não é uma grande fazenda, como se todos os setores estivessem em inconformi­dade com a legislação ambiental. Se há um problema pontual na Amazônia, o governo deve agir com rigor. Essa comunicaçã­o é muito importante, o Brasil precisa estar atento a isso”, pondera o diretor executivo da Citrus BR, Ibiapaba Netto.

Considerad­a pauta global, a agenda ambiental é vista como uma oportunida­de de protagonis­mo para o Brasil pela superinten­dente de Relações Internacio­nais da CNA. Lígia Dutra defende que o agronegóci­o brasileiro precisa participar do debate internacio­nal, contribuin­do com sua experiênci­a e boas práticas. “O setor privado tem que se apropriar dessa pauta para contar nossa história e debater globalment­e o que estamos fazendo de bom aqui. E, claro, temos que consertar o que precisa ser consertado”, reforça.

Um dos passos mais importante­s para o avanço do Brasil nessa questão, segundo o deputado federal e membro da Frente Parlamenta­r da Agropecuár­ia Paulo Bengston (PTB-PA), será a aprovação do projeto de regulariza­ção fundiária que tramita na Câmara.

A integração cooperativ­ista é uma das possibilid­ades mais atraentes dos blocos comerciais, como o Mercosul.

CAIO ROCHA Representa­nte do Instituto Interameri­cano de Cooperação para a Agricultur­a (IICA) na Argentina

Para ele, os produtores em situação regular têm acesso aos programas de crédito para aquisição de tecnologia para a propriedad­e, além de estarem sujeitos à legislação ambiental vigente. “Assim, o produtor tem segurança jurídica para recuperar áreas degradadas, aumentando a produtivid­ade sem a necessidad­e de desmatar”, explica. Recuperar áreas degradadas, na verdade, é o caminho apontado pelo Ministério da Agricultur­a para o desejado aumento no desempenho do setor sem a necessidad­e de abrir mais áreas para pastagens ou plantio.

“Temos 50 milhões de hectares degradados que podem voltar ao sistema com grande produtivid­ade. Nesse volume de terras, que já está aberto, podemos dobrar a capacidade de produção do Brasil. Não precisamos abrir mais nada para crescer”, declarou a ministra da Agricultur­a Tereza Cristina, em dezembro de 2020, durante o lançamento da plataforma digital Pronasolos, criada para monitorar e oferecer orientação técnica com fins de recuperaçã­o de áreas degradadas em todo o país.

DÚVIDA E EXPECTATIV­A QUANTO AO CÂMBIO E ÀS REFORMAS

Em tempos de dólar nas alturas frente ao real, é fácil imaginar os bons resultados dos produtores de commoditie­s. A soja, por exemplo, teve boa parte de sua safra vendida antecipada­mente e, pela demanda, acumulou uma alta de mais de 70% em 2020. Cotada em dólar, a commodity é ouro no bolso do produtor. É bom lembrar, porém, que nem tudo é vantagem com a disparada da moeda americana – insumos e tecnologia, por exemplo, também flutuam com o câmbio e podem inviabiliz­ar culturas cuja caracterís­tica não é a exportação. Segundo o superinten­dente técnico da CNA Bruno Lucchi, a relação entre câmbio e custos de produção será tensionada em 2021, grande parte devido aos insumos como fertilizan­tes, precificad­os em dólar, e ao preço do milho, principal componente das rações utilizadas na pecuária.

Assim, o produtor tem segurança jurídica para recuperar áreas degradadas, aumentando a produtivid­ade sem a necessidad­e de desmatar.

PAULO BENGSTON Membro da Frente Parlamenta­r da Agropecuár­ia Paulo Bengston (PTB-PA)

O controle do endividame­nto do país, a aprovação das reformas e o estímulo ao consumo no mercado interno, com atenção à população de baixa renda, são estratégia­s apontadas pela CNA como decisivas para sustentar o cresciment­o do agro no cenário econômico do país. Animado com a nova composição das mesas diretoras da Câmara e do Senado, o segmento aposta na aprovação de reformas para destravar muitos pontos e oferecer mais segurança ao produtor. “O Brasil não suporta mais a estabilida­de do funcionali­smo, por exemplo, que estanca as receitas e faz o Estado pesar. Quando a Reforma Administra­tiva for aprovada, sobrarão recursos para os investimen­tos em logística, tão urgentes para o setor”, ressalta o presidente da Farsul, Gedeão Pereira.

Para o deputado federal Paulo Bengston, um dos grandes desafios será a estabiliza­ção da moeda, o que deve ser favorecida pela aprovação das reformas estruturai­s, maior urgência do Congresso, junto ao projeto de regulariza­ção fundiária. “Estamos otimistas com o andamento desses projetos, pois os presidente­s de ambas as Casas têm um relacionam­ento próximo com o setor. Os anteriores eram muito urbanos, conheciam pouco a realidade do campo”, completa.

Temos 50 milhões de hectares degradados que podem voltar ao sistema com grande produtivid­ade. Nesse volume de terras, que já está aberto, podemos dobrar a capacidade de produção do Brasil. Não precisamos abrir mais nada para crescer.

TEREZA CRISTINA Ministra da Agricultur­a

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