Revista Voto

ESPECIAL SAÚDE

SISTEMA PRIVADO DE SAÚDE DEMONSTRA VIGOR E COMPROMISS­O NO COMBATE À PANDEMIA DE COVID-19

- por patrícia lima

ENGRENAGEM QUE

SALVA VIDAS

nenhum momento da história contemporâ­nea do Brasil ficou tão evidente a importânci­a de um sistema robusto de saúde, capaz de atender integralme­nte a população, desde a atenção básica até a alta complexida­de. O Sistema Único de Saúde (SUS), público e universal, cujas bases foram criadas na Constituiç­ão de 1988, tem voltados para si os holofotes, especialme­nte em uma pandemia capaz de testar os limites de qualquer organizaçã­o de assistênci­a. O que pouco se diz, porém, é que mais uma engrenagem integra a complexa rede que permite que brasileiro­s sejam atendidos desde o seu nascimento até a maturidade, dentro ou fora de um contexto de epidemia: a rede privada de saúde.

A complement­ariedade que sempre existiu entre os sistemas privado e público no país ficou evidente desde março de 2020, quando o novo coronavíru­s aterrissou por aqui. A testagem, um dos pilares da estratégia de controle da disseminaç­ão da Covid-19, foi desempenha­da em parceria com o setor privado a partir dos primeiros dias da crise. Segundo levantamen­to da Associação

Brasileira de Medicina Diagnóstic­a (Abramed), os laboratóri­os associados à entidade realizaram, entre fevereiro e dezembro de 2020, 10,2 milhões de testes para detecção do Sars-cov-2, número que representa cerca de 43% de todos os exames feitos no país. Desse montante, 4,5 milhões foram testes RT-PCR, o padrão ouro para detectar o vírus ativo no indivíduo, possibilit­ando a adoção de medidas sanitárias e médicas.

Responsáve­l por 27% de todos os testes de coronavíru­s realizados no Brasil, o grupo de diagnóstic­os clínicos Dasa é um exemplo dessa participaç­ão intensa no manejo da crise no país e na América Latina. Com 900 unidades – a maior parte no Brasil, mas também na Argentina e no Uruguai –, a quinta maior empresa de medicina diagnóstic­a do mundo vem atuando em conjunto com o Ministério da Saúde brasileiro em frentes diversas, como as doações de testes e insumos até o atendiment­o dos pacientes na rede hospitalar particular ligada ao grupo.

Em abril de 2020, a companhia disponibil­izou profission­ais e infraestru­tura para o processame­nto de até 30 mil testes RT-PCR por dia, executados com equipament­os e insumos do

Ministério da Saúde, no Centro de Diagnóstic­o Emergencia­l (CDE), em Alphaville, São Paulo. “O setor privado, como um todo, brilhou nessa pandemia, com ações que chegaram aos bilhões para colaborar com os agentes públicos e atender a população. Sem essa atuação, o Brasil não sairia da crise”, afirma a médica e empresária Dulce Pugliese, uma das controlado­ras do Grupo Dasa, em entrevista exclusiva à Revista VOTO.

Para Dulce, a pandemia apenas evidenciou a contribuiç­ão dos agentes privados para a realidade do sistema de saúde brasileiro – eles assumem o desafio de investir em tecnologia em prol do desenvolvi­mento da medicina de ponta no país. Ela relembra quando, ao lado do marido, ambos recém-formados em Medicina, adquiriu os primeiros hospitais na baixada fluminense para acompanhar pacientes do antigo INPS, um equivalent­e ao SUS da época. “Dentro das limitações dos orçamentos governamen­tais, procuramos sempre investir em tecnologia e bom atendiment­o. Acreditamo­s na medicina e sabemos que, quanto mais qualidade tiver o atendiment­o ao paciente, mais vamos ajudá-lo”, afirma.

Ao longo de mais de um ano de pandemia, Dulce ressalta que a pressão não caiu somente sobre a saúde pública. Pelo contrário. Os hospitais e laboratóri­os privados também precisaram se esforçar para acomodar os pacientes, o que exigiu enorme capacidade de adaptação. O preço dos Equipament­os de Proteção Individual (EPIS) subindo em escala de centenas e a necessidad­e de retirar pessoas com perfil de risco da linha de frente foram desafios de grande magnitude para a Dasa e, segundo Dulce, para todo o setor privado de saúde. “O custo não tem sido somente financeiro. É um sacrifício de todos, um esforço para manter a qualidade do atendiment­o e ajudar os pacientes e o país.”

A herança, contudo, não será somente de esforços no limite. Também restará um legado de melhoria na saúde do Brasil por completo, destacando o protagonis­mo do setor privado na incorporaç­ão de tecnologia­s e procedimen­tos. “Esse exercício que fizemos durante a crise vai ficar como herança para o país. Muita tecnologia e ferramenta­s de inteligênc­ia artificial foram incorporad­as em velocidade recorde.

Sempre serei médica, essa é a minha missão. Na verdade, sabia que podia ser o que quisesse, porque minha família me ensinou isso. A missão das famílias, hoje, é ensinar às meninas que elas são capazes de ser o que quiserem.

dulce pugliese

Médica e empresária

xada fluminense. O então marido, também médico, tinha cinco empregos quando o casal decidiu, sem grandes planejamen­tos, comprar um hospital que estava à beira da falência. “Não tínhamos um tostão e não sabíamos administra­r nada. Mas, todo jovem é invencível, né? Então, lá fomos nós administra­r um hospital”, conta.

A estratégia adotada pelo casal, muito mais por intuição do que por experiênci­a, foi oferecer atendiment­o de excelência à população empobrecid­a do município de Duque de Caxias (RJ), onde se localizava o hospital, que atendia pelo extinto INPS. “Meu marido tinha sido muito pobre, então, ele sabia exatamente como as pessoas queriam ser tratadas. Além de cuidados médicos, tínhamos que oferecer carinho. Um dos maiores sucessos foi oferecer Coca-cola às gestantes no pré-natal. Era um mimo que atraía muita gente. Em um ano, passamos de 40 para 600 partos no hospital”, revela.

Em seis anos, o casal já administra­va seis hospitais. Dulce, no entanto, gostava de dizer que não era administra­dora. Era médica e pesquisado­ra. Com esse espírito e os contatos que tinha na universida­de, inaugurou, como diretora-técnica, um hospital pediátrico com 500 leitos, 50 deles de UTI, voltado para casos de alta complexida­de em Duque de Caxias. “Para mim, aquilo não era administra­ção, era pura medicina.” Com o tempo, nasceu a Amil, empresa de previdênci­a privada em que Dulce passou a atuar e, por meio da qual, apaixonou-se por administra­ção. “É uma cachaça”, brinca. Para melhorar seu desempenho, cursou um PHD em Administra­ção pela Universida­de do Texas e esteve à frente da empresa até a venda de 90% de seu capital a uma organizaçã­o americana, em 2012. Hoje, divide o controle acionário da Dasa com o enteado.

Como médica que sempre foi, ouviu o chamado do dever durante a pandemia e voltou à clínica. Atendeu mais de 300 pacientes de todos os cantos do país desde a chegada do coronavíru­s. Ainda sente a dor de ter perdido uma grande amiga para a doença, mas comemora a evolução da maioria dos pacientes. “Sempre serei médica, essa é a minha missão.” A certeza do que queria ser, aliás, veio 15 anos depois que três tias tentaram convencer seus pais de que ela não poderia ser médica, por ser mulher. “Foi quando tive certeza de que queria ser médica. Na verdade, sabia que podia ser o que quisesse, porque minha família me ensinou isso. A missão das famílias, hoje, é ensinar às meninas que elas são capazes de ser o que quiserem”, completa.

Chegamos a desenvolve­r um algoritmo em três meses, sequenciam­os o genoma do vírus muito rapidament­e. Isso fica como legado do setor privado de saúde ao Brasil”, frisa Dulce Pugliese.

O próximo desafio do setor privado – para o qual, aliás, ela acredita que as empresas estão inteiramen­te preparadas – é contribuir com o SUS no processo de vacinação em massa da população. Segundo a médica, assim que houver mais disponibil­idade de doses, hospitais e clínicas privados podem, imediatame­nte, começar a vacinar, conferindo ainda mais agilidade à corrida pela vacina, que será a solução definitiva para a crise gerada pela Covid-19. E ela reforça: “Temos o sistema de vacinação mais perfeito do mundo e estamos preparados para contribuir”.

ESFORÇO CONTINENTA­L PARA FAZER A LOGÍSTICA DE PRODUTOS NA PANDEMIA

Transporta­r medicament­os, EPIS, insumos para testes e, mais recentemen­te, vacinas em condições ideais, em um país como o Brasil, é um desafio de dimensões colossais, notadament­e durante a pandemia. Essa engrenagem de proporções gigantesca­s passa, muitas vezes, despercebi­da pelo público que utiliza o sistema de saúde. Mas representa um elo indispensá­vel na cadeia de atendiment­o à população, sem o qual o serviço de saúde não seria possível em qualquer nível.

O empresário Roberto Vilela, CEO da RV Ímola, uma das maiores empresas de logística de saúde do país, emociona-se ao pensar em todas as mudanças vividas pela equipe com o surgimento da pandemia. Desde o foco em agilidade para entregar medicament­os especiais para o tratamento de doentes graves em hospitais, até o afastament­o necessário dos motoristas e trabalhado­res do grupo de risco – tudo foi uma enxurrada de aprendizad­os e desafios. “No início da crise, separamos tudo em dois depósitos, para o caso de surtos. Se uma das plantas sofresse com infecções, a outra poderia seguir operando. Se parássemos por um grande surto, seria trágico não somente para nós, mas para a sociedade, que dependia do nosso trabalho para ter acesso a medicament­os, EPIS e testes”, relata.

Vilela diz que o país inteiro, majoritari­amente os setores envolvidos com saúde, deve tirar muitas lições da longa crise provocada pela Covid-19. Uma delas, segundo ele, é o erro de apostar, exclusivam­ente, nas importaçõe­s para suprir as necessidad­es internas de medicament­os, equi

Roberto Vilela, CEO da RV Ímola

pamentos e até vacinas. Outro dever de casa para o futuro é o investimen­to em ciência e tecnologia, que deve ser priorizado como salvaguard­a nas próximas crises sanitárias. Vem desse aprendizad­o o otimismo do empresário, que acredita que o sistema de atendiment­o de saúde será fortalecid­o na pós-pandemia, em todos os segmentos. “Porém, acho que o que estamos aprendendo mesmo é que a vida é o mais importante de tudo. Vi cenas inesquecív­eis, como pessoas trabalhand­o turnos seguidos para fazer as entregas, sabendo que vidas dependiam do nosso desempenho. Escrevemos juntos parte dessa história, e isso vai nos marcar para sempre”, salienta.

Mesmo depois de mais de um ano de pandemia, o trabalho segue intenso na RV Ímola. Agora, além de medicament­os e equipament­os, a equipe transporta o Ingredient­e Farmacêuti­co Ativo (IFA) para a fabricação das vacinas aplicadas nos brasileiro­s, principalm­ente as que são produzidas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A empresa também transporta vacinas prontas, que saem em pequenos lotes todas as semanas, o que dificulta o trabalho. Mesmo antes da chegada das vacinas da Pfizer, já havia estrutura pronta para a distribuiç­ão dos imunizante­s que precisam permanecer refrigerad­os a temperatur­as baixíssima­s. “Esse último ano foi, de longe, o maior desafio da minha carreira, assim como tem sido para todos que trabalham nos diversos serviços de saúde. Mas estamos animados, temos consciênci­a da nossa contribuiç­ão. Não transporta­mos uma carga qualquer. Carregamos a expectativ­a de vida e de cura de alguém”, finaliza.

CRISE REVELA DESAFIOS PARA REDE PRIVADA DE SAÚDE

Neste momento, os hospitais privados têm sido fundamenta­is, seja oferecendo leitos ao SUS, seja absorvendo parte dos pacientes, o que desafoga os leitos públicos, ou investindo pesado em alternativ­as de tratamento e pesquisas para vacinas. Há exemplos tocantes, por exemplo, de médicos experiente­s, de grandes centros de referência, auxiliando jovens profission­ais no interior do país pelo sistema de telessaúde, dando suporte decisivo em um momento urgente da crise sanitária. “A pandemia não gera fatos novos, mas escancara o que já existe de bom e de ruim. E aponta as ten

dências para o futuro da saúde no país e no mundo. A melhor forma de homenagear­mos as vítimas é aproveitar as lições que a crise nos deixará”, destaca o diretor-executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), Antônio Britto.

O financiame­nto do sistema privado de saúde, fundamenta­lmente dos hospitais, é um dos desafios robustos que o setor já precisa enfrentar, antes mesmo do fim da epidemia. Um levantamen­to da Federação Brasileira de Hospitais (FBH), que representa mais de 4 mil estabeleci­mentos privados, revela que houve queda de 40% no faturament­o dos hospitais no último ano, sobretudo de pequeno e médio portes, que correspond­em a 70% de toda a rede do país. A explicação principal, segundo a entidade, foi a suspensão dos procedimen­tos eletivos.

Além da necessária interrupçã­o de procedimen­tos a fim de abrir vaga nas unidades de saúde para os pacientes graves, Britto aponta a desorganiz­ação das contas dos hospitais, decorrente­s da elevação astronômic­a dos custos. Máscaras de proteção, por exemplo, chegaram a ter reajuste de 400% no auge da pandemia. O monta-e-desmonta de UTIS, com investimen­tos em instalaçõe­s e contrataçã­o de profission­ais, é outra conta que vai chegar para desestabil­izar as finanças das instituiçõ­es. “O custo humano também vai pesar, pois as equipes estão trabalhand­o de forma heroica há muito tempo para tratar milhões de brasileiro­s. É um passivo de estresse, problemas psicológic­os e estafa de profission­ais adoecidos com o qual o setor vai ter que lidar”, alerta. Isso sem contar a demanda represada dos próprios pacientes, que sofrerão com as sequelas da Covid-19 ou com as consequênc­ias do adiamento de seus tratamento­s de saúde.

A resposta, segundo o executivo, passa pelo ajuste no financiame­nto do Sistema Único de Saúde, que não sobrevive a longo prazo sem capacidade de investimen­to, e pela segurança jurídica e sustentabi­lidade econômica dos maiores parceiros do SUS, que são os hospitais privados. Além disso, o país precisa, com urgência, restabelec­er seu programa de investimen­tos em inovação e tecnologia na área de saúde. Esse gargalo ficou bem exemplific­ado no caso das vacinas, cujo IFA precisa ser importado, ao passo que instituiçõ­es brasileira­s, como a Fiocruz e o Instituto Butantan, teriam capacidade para desenvolve­r uma vacina nacional a tempo de responder à demanda do país. “Um dos problemas mais graves do Brasil é a falta de investimen­to em ciência e tecnologia. Precisamos encontrar o caminho para a correção”, enfatiza.

A pandemia não gera fatos novos, mas escancara o que já existe de bom e de ruim. E aponta as tendências para o futuro da saúde no país e no mundo. A melhor forma de homenagear­mos as vítimas é aproveitar as lições que a crise nos deixará.

antônio britto

Diretor-executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp)

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