ESPECIAL SAÚDE
SISTEMA PRIVADO DE SAÚDE DEMONSTRA VIGOR E COMPROMISSO NO COMBATE À PANDEMIA DE COVID-19
ENGRENAGEM QUE
SALVA VIDAS
nenhum momento da história contemporânea do Brasil ficou tão evidente a importância de um sistema robusto de saúde, capaz de atender integralmente a população, desde a atenção básica até a alta complexidade. O Sistema Único de Saúde (SUS), público e universal, cujas bases foram criadas na Constituição de 1988, tem voltados para si os holofotes, especialmente em uma pandemia capaz de testar os limites de qualquer organização de assistência. O que pouco se diz, porém, é que mais uma engrenagem integra a complexa rede que permite que brasileiros sejam atendidos desde o seu nascimento até a maturidade, dentro ou fora de um contexto de epidemia: a rede privada de saúde.
A complementariedade que sempre existiu entre os sistemas privado e público no país ficou evidente desde março de 2020, quando o novo coronavírus aterrissou por aqui. A testagem, um dos pilares da estratégia de controle da disseminação da Covid-19, foi desempenhada em parceria com o setor privado a partir dos primeiros dias da crise. Segundo levantamento da Associação
Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), os laboratórios associados à entidade realizaram, entre fevereiro e dezembro de 2020, 10,2 milhões de testes para detecção do Sars-cov-2, número que representa cerca de 43% de todos os exames feitos no país. Desse montante, 4,5 milhões foram testes RT-PCR, o padrão ouro para detectar o vírus ativo no indivíduo, possibilitando a adoção de medidas sanitárias e médicas.
Responsável por 27% de todos os testes de coronavírus realizados no Brasil, o grupo de diagnósticos clínicos Dasa é um exemplo dessa participação intensa no manejo da crise no país e na América Latina. Com 900 unidades – a maior parte no Brasil, mas também na Argentina e no Uruguai –, a quinta maior empresa de medicina diagnóstica do mundo vem atuando em conjunto com o Ministério da Saúde brasileiro em frentes diversas, como as doações de testes e insumos até o atendimento dos pacientes na rede hospitalar particular ligada ao grupo.
Em abril de 2020, a companhia disponibilizou profissionais e infraestrutura para o processamento de até 30 mil testes RT-PCR por dia, executados com equipamentos e insumos do
Ministério da Saúde, no Centro de Diagnóstico Emergencial (CDE), em Alphaville, São Paulo. “O setor privado, como um todo, brilhou nessa pandemia, com ações que chegaram aos bilhões para colaborar com os agentes públicos e atender a população. Sem essa atuação, o Brasil não sairia da crise”, afirma a médica e empresária Dulce Pugliese, uma das controladoras do Grupo Dasa, em entrevista exclusiva à Revista VOTO.
Para Dulce, a pandemia apenas evidenciou a contribuição dos agentes privados para a realidade do sistema de saúde brasileiro – eles assumem o desafio de investir em tecnologia em prol do desenvolvimento da medicina de ponta no país. Ela relembra quando, ao lado do marido, ambos recém-formados em Medicina, adquiriu os primeiros hospitais na baixada fluminense para acompanhar pacientes do antigo INPS, um equivalente ao SUS da época. “Dentro das limitações dos orçamentos governamentais, procuramos sempre investir em tecnologia e bom atendimento. Acreditamos na medicina e sabemos que, quanto mais qualidade tiver o atendimento ao paciente, mais vamos ajudá-lo”, afirma.
Ao longo de mais de um ano de pandemia, Dulce ressalta que a pressão não caiu somente sobre a saúde pública. Pelo contrário. Os hospitais e laboratórios privados também precisaram se esforçar para acomodar os pacientes, o que exigiu enorme capacidade de adaptação. O preço dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIS) subindo em escala de centenas e a necessidade de retirar pessoas com perfil de risco da linha de frente foram desafios de grande magnitude para a Dasa e, segundo Dulce, para todo o setor privado de saúde. “O custo não tem sido somente financeiro. É um sacrifício de todos, um esforço para manter a qualidade do atendimento e ajudar os pacientes e o país.”
A herança, contudo, não será somente de esforços no limite. Também restará um legado de melhoria na saúde do Brasil por completo, destacando o protagonismo do setor privado na incorporação de tecnologias e procedimentos. “Esse exercício que fizemos durante a crise vai ficar como herança para o país. Muita tecnologia e ferramentas de inteligência artificial foram incorporadas em velocidade recorde.
Sempre serei médica, essa é a minha missão. Na verdade, sabia que podia ser o que quisesse, porque minha família me ensinou isso. A missão das famílias, hoje, é ensinar às meninas que elas são capazes de ser o que quiserem.
dulce pugliese
Médica e empresária
xada fluminense. O então marido, também médico, tinha cinco empregos quando o casal decidiu, sem grandes planejamentos, comprar um hospital que estava à beira da falência. “Não tínhamos um tostão e não sabíamos administrar nada. Mas, todo jovem é invencível, né? Então, lá fomos nós administrar um hospital”, conta.
A estratégia adotada pelo casal, muito mais por intuição do que por experiência, foi oferecer atendimento de excelência à população empobrecida do município de Duque de Caxias (RJ), onde se localizava o hospital, que atendia pelo extinto INPS. “Meu marido tinha sido muito pobre, então, ele sabia exatamente como as pessoas queriam ser tratadas. Além de cuidados médicos, tínhamos que oferecer carinho. Um dos maiores sucessos foi oferecer Coca-cola às gestantes no pré-natal. Era um mimo que atraía muita gente. Em um ano, passamos de 40 para 600 partos no hospital”, revela.
Em seis anos, o casal já administrava seis hospitais. Dulce, no entanto, gostava de dizer que não era administradora. Era médica e pesquisadora. Com esse espírito e os contatos que tinha na universidade, inaugurou, como diretora-técnica, um hospital pediátrico com 500 leitos, 50 deles de UTI, voltado para casos de alta complexidade em Duque de Caxias. “Para mim, aquilo não era administração, era pura medicina.” Com o tempo, nasceu a Amil, empresa de previdência privada em que Dulce passou a atuar e, por meio da qual, apaixonou-se por administração. “É uma cachaça”, brinca. Para melhorar seu desempenho, cursou um PHD em Administração pela Universidade do Texas e esteve à frente da empresa até a venda de 90% de seu capital a uma organização americana, em 2012. Hoje, divide o controle acionário da Dasa com o enteado.
Como médica que sempre foi, ouviu o chamado do dever durante a pandemia e voltou à clínica. Atendeu mais de 300 pacientes de todos os cantos do país desde a chegada do coronavírus. Ainda sente a dor de ter perdido uma grande amiga para a doença, mas comemora a evolução da maioria dos pacientes. “Sempre serei médica, essa é a minha missão.” A certeza do que queria ser, aliás, veio 15 anos depois que três tias tentaram convencer seus pais de que ela não poderia ser médica, por ser mulher. “Foi quando tive certeza de que queria ser médica. Na verdade, sabia que podia ser o que quisesse, porque minha família me ensinou isso. A missão das famílias, hoje, é ensinar às meninas que elas são capazes de ser o que quiserem”, completa.
Chegamos a desenvolver um algoritmo em três meses, sequenciamos o genoma do vírus muito rapidamente. Isso fica como legado do setor privado de saúde ao Brasil”, frisa Dulce Pugliese.
O próximo desafio do setor privado – para o qual, aliás, ela acredita que as empresas estão inteiramente preparadas – é contribuir com o SUS no processo de vacinação em massa da população. Segundo a médica, assim que houver mais disponibilidade de doses, hospitais e clínicas privados podem, imediatamente, começar a vacinar, conferindo ainda mais agilidade à corrida pela vacina, que será a solução definitiva para a crise gerada pela Covid-19. E ela reforça: “Temos o sistema de vacinação mais perfeito do mundo e estamos preparados para contribuir”.
ESFORÇO CONTINENTAL PARA FAZER A LOGÍSTICA DE PRODUTOS NA PANDEMIA
Transportar medicamentos, EPIS, insumos para testes e, mais recentemente, vacinas em condições ideais, em um país como o Brasil, é um desafio de dimensões colossais, notadamente durante a pandemia. Essa engrenagem de proporções gigantescas passa, muitas vezes, despercebida pelo público que utiliza o sistema de saúde. Mas representa um elo indispensável na cadeia de atendimento à população, sem o qual o serviço de saúde não seria possível em qualquer nível.
O empresário Roberto Vilela, CEO da RV Ímola, uma das maiores empresas de logística de saúde do país, emociona-se ao pensar em todas as mudanças vividas pela equipe com o surgimento da pandemia. Desde o foco em agilidade para entregar medicamentos especiais para o tratamento de doentes graves em hospitais, até o afastamento necessário dos motoristas e trabalhadores do grupo de risco – tudo foi uma enxurrada de aprendizados e desafios. “No início da crise, separamos tudo em dois depósitos, para o caso de surtos. Se uma das plantas sofresse com infecções, a outra poderia seguir operando. Se parássemos por um grande surto, seria trágico não somente para nós, mas para a sociedade, que dependia do nosso trabalho para ter acesso a medicamentos, EPIS e testes”, relata.
Vilela diz que o país inteiro, majoritariamente os setores envolvidos com saúde, deve tirar muitas lições da longa crise provocada pela Covid-19. Uma delas, segundo ele, é o erro de apostar, exclusivamente, nas importações para suprir as necessidades internas de medicamentos, equi
Roberto Vilela, CEO da RV Ímola
pamentos e até vacinas. Outro dever de casa para o futuro é o investimento em ciência e tecnologia, que deve ser priorizado como salvaguarda nas próximas crises sanitárias. Vem desse aprendizado o otimismo do empresário, que acredita que o sistema de atendimento de saúde será fortalecido na pós-pandemia, em todos os segmentos. “Porém, acho que o que estamos aprendendo mesmo é que a vida é o mais importante de tudo. Vi cenas inesquecíveis, como pessoas trabalhando turnos seguidos para fazer as entregas, sabendo que vidas dependiam do nosso desempenho. Escrevemos juntos parte dessa história, e isso vai nos marcar para sempre”, salienta.
Mesmo depois de mais de um ano de pandemia, o trabalho segue intenso na RV Ímola. Agora, além de medicamentos e equipamentos, a equipe transporta o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) para a fabricação das vacinas aplicadas nos brasileiros, principalmente as que são produzidas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A empresa também transporta vacinas prontas, que saem em pequenos lotes todas as semanas, o que dificulta o trabalho. Mesmo antes da chegada das vacinas da Pfizer, já havia estrutura pronta para a distribuição dos imunizantes que precisam permanecer refrigerados a temperaturas baixíssimas. “Esse último ano foi, de longe, o maior desafio da minha carreira, assim como tem sido para todos que trabalham nos diversos serviços de saúde. Mas estamos animados, temos consciência da nossa contribuição. Não transportamos uma carga qualquer. Carregamos a expectativa de vida e de cura de alguém”, finaliza.
CRISE REVELA DESAFIOS PARA REDE PRIVADA DE SAÚDE
Neste momento, os hospitais privados têm sido fundamentais, seja oferecendo leitos ao SUS, seja absorvendo parte dos pacientes, o que desafoga os leitos públicos, ou investindo pesado em alternativas de tratamento e pesquisas para vacinas. Há exemplos tocantes, por exemplo, de médicos experientes, de grandes centros de referência, auxiliando jovens profissionais no interior do país pelo sistema de telessaúde, dando suporte decisivo em um momento urgente da crise sanitária. “A pandemia não gera fatos novos, mas escancara o que já existe de bom e de ruim. E aponta as ten
dências para o futuro da saúde no país e no mundo. A melhor forma de homenagearmos as vítimas é aproveitar as lições que a crise nos deixará”, destaca o diretor-executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), Antônio Britto.
O financiamento do sistema privado de saúde, fundamentalmente dos hospitais, é um dos desafios robustos que o setor já precisa enfrentar, antes mesmo do fim da epidemia. Um levantamento da Federação Brasileira de Hospitais (FBH), que representa mais de 4 mil estabelecimentos privados, revela que houve queda de 40% no faturamento dos hospitais no último ano, sobretudo de pequeno e médio portes, que correspondem a 70% de toda a rede do país. A explicação principal, segundo a entidade, foi a suspensão dos procedimentos eletivos.
Além da necessária interrupção de procedimentos a fim de abrir vaga nas unidades de saúde para os pacientes graves, Britto aponta a desorganização das contas dos hospitais, decorrentes da elevação astronômica dos custos. Máscaras de proteção, por exemplo, chegaram a ter reajuste de 400% no auge da pandemia. O monta-e-desmonta de UTIS, com investimentos em instalações e contratação de profissionais, é outra conta que vai chegar para desestabilizar as finanças das instituições. “O custo humano também vai pesar, pois as equipes estão trabalhando de forma heroica há muito tempo para tratar milhões de brasileiros. É um passivo de estresse, problemas psicológicos e estafa de profissionais adoecidos com o qual o setor vai ter que lidar”, alerta. Isso sem contar a demanda represada dos próprios pacientes, que sofrerão com as sequelas da Covid-19 ou com as consequências do adiamento de seus tratamentos de saúde.
A resposta, segundo o executivo, passa pelo ajuste no financiamento do Sistema Único de Saúde, que não sobrevive a longo prazo sem capacidade de investimento, e pela segurança jurídica e sustentabilidade econômica dos maiores parceiros do SUS, que são os hospitais privados. Além disso, o país precisa, com urgência, restabelecer seu programa de investimentos em inovação e tecnologia na área de saúde. Esse gargalo ficou bem exemplificado no caso das vacinas, cujo IFA precisa ser importado, ao passo que instituições brasileiras, como a Fiocruz e o Instituto Butantan, teriam capacidade para desenvolver uma vacina nacional a tempo de responder à demanda do país. “Um dos problemas mais graves do Brasil é a falta de investimento em ciência e tecnologia. Precisamos encontrar o caminho para a correção”, enfatiza.
A pandemia não gera fatos novos, mas escancara o que já existe de bom e de ruim. E aponta as tendências para o futuro da saúde no país e no mundo. A melhor forma de homenagearmos as vítimas é aproveitar as lições que a crise nos deixará.
antônio britto
Diretor-executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp)