ENTRETENIMENTO
setor registrou receita global de us$ 69 bilhões em 2020
STREAMING AMPLIA BUSCA POR CONTEÚDO
INDEPENDENTE
Oque você mais fez para se distrair e passar o tempo durante esta pandemia? Com uma ampla probabilidade de acertar, podemos apostar que a sua resposta é a mesma de milhões de pessoas ao redor do mundo: assistiu a filmes e séries na TV por assinatura e nos canais de streaming. Enquanto o movimento das salas de cinema despencou no mundo todo, em função das restrições de circulação e distanciamento social para conter a disseminação do novo coronavírus, a procura por vídeos na internet e pela programação dos canais por assinatura disparou. O movimento provocou uma explosão, em escala global e com reflexos no Brasil, no mercado audiovisual voltado para o conteúdo sob demanda.
Para se ter uma ideia do tamanho do fenômeno, conforme um estudo da poderosa Motion Picture Association (MPA), a entidade americana que congrega os maiores estúdios de Hollywood, incluindo a Netflix, os streamings de vídeo chegaram a 1,1 bilhão em 2020, um acréscimo de 26% em relação ao ano anterior. Ainda segundo a MPA, o mercado de entretenimento móvel e em casa teve uma receita global de US$ 69 bilhões em 2020 – a cifra representa uma alta de 23% se comparada com a receita de 2019 para o setor. O levantamento da associação mostra, ainda, que 55% dos adultos entrevistados para a pesquisa afirmaram ter assistido a mais filmes por assinatura online durante a pandemia. O consumo de TV paga também aumentou para 46% dos participantes do estudo.
Um dos mais populares serviços de streaming do mundo, a Netflix teve um 2020 dos sonhos, superando as próprias expectativas. Somente no último trimestre, a plataforma incorporou mais de 8,5 milhões de assinantes, fechando o ano com mais de 200 milhões de usuários e um faturamento de US$ 8 bilhões. Para 2021, a companhia projeta um crescimento menos acelerado, mas, ainda assim, positivo.
O Brasil segue a tendência mundial. Enquanto as salas de cinema amargam ora as restrições de funcionamento, ora o receio do público de estar em local fechado com outras pessoas antes de se completar a imunização em massa, os conteúdos consumidos em casa disparam. De acordo com dados do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual, órgão ligado à Agência Nacional do Cinema (Ancine), o segmento sofre com uma queda acumulada de mais de 90% na arrecadação em 2021. Já a Netflix, por exemplo, fechou o primeiro trimestre deste ano com receita de US$ 1,7 bilhão – para se ter uma ideia, em todo o ano de 2019, a plataforma havia faturado US$ 1,87 bilhão. De acordo com a consultoria de mercado e tecnologia inglesa Comparitech, o Brasil é o terceiro mercado em faturamento da Netflix, atrás somente dos Estados Unidos e do Reino Unido, e o segundo em número de assinantes.
Exemplo caseiro que também ilustra o fenômeno é a Globoplay, cujo balanço de março registrou um incremento de 119% na audiência, levando-se em conta o resultado do mesmo mês de 2020. Dados da emissora indicam que o consumo médio antes da pandemia era de 40 milhões de horas por mês. Em março de 2021, os usuários da Globoplay assistiram a 253 milhões de horas de conteúdo.
Cada minuto que o brasileiro permaneceu em frente à tela contribuiu para o desempenho bem-sucedido. A pesquisa Inside Vídeo, feita pelo instituto Kantar Ibope Media, revela que cada brasileiro manteve a TV ligada por 37 minutos a mais do que em 2019, totalizando 7 horas e 9 minutos por dia. Segundo a sondagem, dos 50 dias com maior audiência nos últimos cinco anos, 38 foram em 2020. Sobre os usuários de internet que consomem conteúdo audiovisual, o levantamento aponta que 58% afirmam ter assistido a mais vídeos online e TV por streaming pago durante o período de isolamento; quando o streaming e os vídeos são gratuitos, esse percentual salta para 68%. Ao considerar os últimos três anos, a porcentagem de crescimento dos vídeos online na rotina dos brasileiros somou 84%.
A pandemia de Covid-19, espera-se, vai chegar logo ao fim. Os hábitos de consumo de conteúdo adquiridos ou intensificados durante o período de quarentena, porém, prometem ser mais longevos, influenciando o mercado de audiovisual e streaming no país, abrindo novos horizontes para um setor que virou as costas para a crise.
CONSUMO DE CONTEÚDO INDEPENDENTE DISPARA E AMPLIA MERCADO
Fundada em 2016, em Porto Alegre (RS), a produtora Brasil Paralelo começou sua trajetória lançando documentários sobre história, política e atualidades no Youtube. Nos anos seguintes, diversificou suas atividades, atuando na formatação de cursos, eventos e seminários e mudou sua sede para São Paulo (SP), mantendo um núcleo na capital gaúcha. Conseguiu ter um título exibido nos cinemas de São Paulo e Porto Alegre. As assinaturas sempre foram a maior fonte de financiamento da empresa, mas, em 2019, os números indicavam a necessidade de ajustes no modelo do negócio. Em 2020, antes mesmo da chegada da pandemia, os sócios decidiram concentrar todos os esforços na produção de conteúdo para atrair mais adesões. Foi a jogada certeira para transformar a Brasil Paralelo em um serviço de streaming independente e promissor.
“Em 2019, aprendemos muito sobre o modelo e testamos formatos. Em 2020, decidimos focar no que realmente sabemos fazer, que é o conteúdo, especialmente os documentários. A pandemia apenas contribuiu para lembrar as pessoas de que elas precisam buscar informação de qualidade”, comenta um dos sócios da Brasil Paralelo, Henrique Viana.
Com aproximadamente 20 milhões de espectadores acumulados desde 2016, 10 milhões somente no período da pandemia, a produtora lançou 25 documentários só no ano passado – entre eles, o Especial de Natal, cujos três episódios já acumulam mais de 2 milhões de visualizações. O empreendimento, que começou pequeno, conta hoje com 100 funcionários, mais de 200 mil assinantes e um faturamento de R$ 29,9 milhões em 2020.
O segredo para o sucesso, segundo Viana, é o mesmo dos grandes players do streaming mundial: produzir conteúdo relevante para atrair assinantes. Grande parte dos materiais são disponibilizados nos canais da BP gratuitamente. Porém, ao pagar um valor básico de R$ 10, o espectador tem direito a conteúdos adicionais. Se assinar o Plano Patriota, mais vantagens ainda são adicionadas ao pacote de benefícios, como o acesso a cursos e palestras. O principal argumento, no entanto, é o engajamento. “Nos comunicamos com transparência com nosso público, que sabe que não recebemos nenhum centavo do governo. Buscamos, então, engajar o espectador para que apoie a produção dos conteúdos. O que fazemos gera valor para a sociedade, e o público abraça essa causa em conjunto conosco”, explica Viana.
Com produções enxutas e rígidos processos para redução de custos, a produtora potencializa os investimentos que recebe das pessoas físicas, que são a totalidade da base de assinantes. O objetivo da empresa, Viana frisa, é entrar em 2022 com 1 milhão de assinantes.
O DESAFIO DE QUALIFICAR A CADEIA DO AUDIOVISUAL
A nova configuração do mercado audiovisual mundial, potencializada pela necessidade de isolamento para conter o avanço da pandemia, é uma oportunidade singular para a produção brasileira. “Hoje, os filmes nacionais podem ter um alcance que nunca tiveram, circulando em mais de 180 países pela Netflix e por outras plataformas de streaming. É um momento único, que precisamos aproveitar”, reforça o produtor cinematográfico Ricardo Rihan, CEO da Lighthouse.
Essa revolução pode desencadear um novo paradigma no mercado audiovisual brasileiro, qualificando a produção e gerando os empregos do futuro, fomentando a economia criativa, que demanda tecnologia e especialização. Para isso, entretanto, Rihan destaca a importância de modernizar os mecanismos de financiamento e regulação do audiovisual, para que o produto cultural brasileiro se beneficie do bom momento do setor no mundo. Com as plataformas de streaming determinadas a ampliar sua base de assinantes, a demanda por conteúdo é intensa, o que diversifica as possibilidades das produtoras. “O consumo de audiovisual nunca foi tão grande e as plataformas estão abertas para investir nas produções originais de países como o Brasil”, complementa.
Nesse cenário, o papel do investimento público em cultura se evidencia, de acordo com Rihan. Embora os recursos privados das plataformas estejam mais abundantes, é fundamental para o progresso da indústria do audiovisual que a regulação e que parte do financiamento ocorram por mecanismos públicos de fomento. “Somente dessa forma, protegemos a propriedade intelectual das nossas obras, fazendo com que elas gerem receita e desenvolvimento no longo prazo”, completa Rihan.