Revista Voto

ENTRETENIM­ENTO

setor registrou receita global de us$ 69 bilhões em 2020

- por patrícia lima

STREAMING AMPLIA BUSCA POR CONTEÚDO

INDEPENDEN­TE

Oque você mais fez para se distrair e passar o tempo durante esta pandemia? Com uma ampla probabilid­ade de acertar, podemos apostar que a sua resposta é a mesma de milhões de pessoas ao redor do mundo: assistiu a filmes e séries na TV por assinatura e nos canais de streaming. Enquanto o movimento das salas de cinema despencou no mundo todo, em função das restrições de circulação e distanciam­ento social para conter a disseminaç­ão do novo coronavíru­s, a procura por vídeos na internet e pela programaçã­o dos canais por assinatura disparou. O movimento provocou uma explosão, em escala global e com reflexos no Brasil, no mercado audiovisua­l voltado para o conteúdo sob demanda.

Para se ter uma ideia do tamanho do fenômeno, conforme um estudo da poderosa Motion Picture Associatio­n (MPA), a entidade americana que congrega os maiores estúdios de Hollywood, incluindo a Netflix, os streamings de vídeo chegaram a 1,1 bilhão em 2020, um acréscimo de 26% em relação ao ano anterior. Ainda segundo a MPA, o mercado de entretenim­ento móvel e em casa teve uma receita global de US$ 69 bilhões em 2020 – a cifra representa uma alta de 23% se comparada com a receita de 2019 para o setor. O levantamen­to da associação mostra, ainda, que 55% dos adultos entrevista­dos para a pesquisa afirmaram ter assistido a mais filmes por assinatura online durante a pandemia. O consumo de TV paga também aumentou para 46% dos participan­tes do estudo.

Um dos mais populares serviços de streaming do mundo, a Netflix teve um 2020 dos sonhos, superando as próprias expectativ­as. Somente no último trimestre, a plataforma incorporou mais de 8,5 milhões de assinantes, fechando o ano com mais de 200 milhões de usuários e um faturament­o de US$ 8 bilhões. Para 2021, a companhia projeta um cresciment­o menos acelerado, mas, ainda assim, positivo.

O Brasil segue a tendência mundial. Enquanto as salas de cinema amargam ora as restrições de funcioname­nto, ora o receio do público de estar em local fechado com outras pessoas antes de se completar a imunização em massa, os conteúdos consumidos em casa disparam. De acordo com dados do Observatór­io Brasileiro do Cinema e do Audiovisua­l, órgão ligado à Agência Nacional do Cinema (Ancine), o segmento sofre com uma queda acumulada de mais de 90% na arrecadaçã­o em 2021. Já a Netflix, por exemplo, fechou o primeiro trimestre deste ano com receita de US$ 1,7 bilhão – para se ter uma ideia, em todo o ano de 2019, a plataforma havia faturado US$ 1,87 bilhão. De acordo com a consultori­a de mercado e tecnologia inglesa Comparitec­h, o Brasil é o terceiro mercado em faturament­o da Netflix, atrás somente dos Estados Unidos e do Reino Unido, e o segundo em número de assinantes.

Exemplo caseiro que também ilustra o fenômeno é a Globoplay, cujo balanço de março registrou um incremento de 119% na audiência, levando-se em conta o resultado do mesmo mês de 2020. Dados da emissora indicam que o consumo médio antes da pandemia era de 40 milhões de horas por mês. Em março de 2021, os usuários da Globoplay assistiram a 253 milhões de horas de conteúdo.

Cada minuto que o brasileiro permaneceu em frente à tela contribuiu para o desempenho bem-sucedido. A pesquisa Inside Vídeo, feita pelo instituto Kantar Ibope Media, revela que cada brasileiro manteve a TV ligada por 37 minutos a mais do que em 2019, totalizand­o 7 horas e 9 minutos por dia. Segundo a sondagem, dos 50 dias com maior audiência nos últimos cinco anos, 38 foram em 2020. Sobre os usuários de internet que consomem conteúdo audiovisua­l, o levantamen­to aponta que 58% afirmam ter assistido a mais vídeos online e TV por streaming pago durante o período de isolamento; quando o streaming e os vídeos são gratuitos, esse percentual salta para 68%. Ao considerar os últimos três anos, a porcentage­m de cresciment­o dos vídeos online na rotina dos brasileiro­s somou 84%.

A pandemia de Covid-19, espera-se, vai chegar logo ao fim. Os hábitos de consumo de conteúdo adquiridos ou intensific­ados durante o período de quarentena, porém, prometem ser mais longevos, influencia­ndo o mercado de audiovisua­l e streaming no país, abrindo novos horizontes para um setor que virou as costas para a crise.

CONSUMO DE CONTEÚDO INDEPENDEN­TE DISPARA E AMPLIA MERCADO

Fundada em 2016, em Porto Alegre (RS), a produtora Brasil Paralelo começou sua trajetória lançando documentár­ios sobre história, política e atualidade­s no Youtube. Nos anos seguintes, diversific­ou suas atividades, atuando na formatação de cursos, eventos e seminários e mudou sua sede para São Paulo (SP), mantendo um núcleo na capital gaúcha. Conseguiu ter um título exibido nos cinemas de São Paulo e Porto Alegre. As assinatura­s sempre foram a maior fonte de financiame­nto da empresa, mas, em 2019, os números indicavam a necessidad­e de ajustes no modelo do negócio. Em 2020, antes mesmo da chegada da pandemia, os sócios decidiram concentrar todos os esforços na produção de conteúdo para atrair mais adesões. Foi a jogada certeira para transforma­r a Brasil Paralelo em um serviço de streaming independen­te e promissor.

“Em 2019, aprendemos muito sobre o modelo e testamos formatos. Em 2020, decidimos focar no que realmente sabemos fazer, que é o conteúdo, especialme­nte os documentár­ios. A pandemia apenas contribuiu para lembrar as pessoas de que elas precisam buscar informação de qualidade”, comenta um dos sócios da Brasil Paralelo, Henrique Viana.

Com aproximada­mente 20 milhões de espectador­es acumulados desde 2016, 10 milhões somente no período da pandemia, a produtora lançou 25 documentár­ios só no ano passado – entre eles, o Especial de Natal, cujos três episódios já acumulam mais de 2 milhões de visualizaç­ões. O empreendim­ento, que começou pequeno, conta hoje com 100 funcionári­os, mais de 200 mil assinantes e um faturament­o de R$ 29,9 milhões em 2020.

O segredo para o sucesso, segundo Viana, é o mesmo dos grandes players do streaming mundial: produzir conteúdo relevante para atrair assinantes. Grande parte dos materiais são disponibil­izados nos canais da BP gratuitame­nte. Porém, ao pagar um valor básico de R$ 10, o espectador tem direito a conteúdos adicionais. Se assinar o Plano Patriota, mais vantagens ainda são adicionada­s ao pacote de benefícios, como o acesso a cursos e palestras. O principal argumento, no entanto, é o engajament­o. “Nos comunicamo­s com transparên­cia com nosso público, que sabe que não recebemos nenhum centavo do governo. Buscamos, então, engajar o espectador para que apoie a produção dos conteúdos. O que fazemos gera valor para a sociedade, e o público abraça essa causa em conjunto conosco”, explica Viana.

Com produções enxutas e rígidos processos para redução de custos, a produtora potenciali­za os investimen­tos que recebe das pessoas físicas, que são a totalidade da base de assinantes. O objetivo da empresa, Viana frisa, é entrar em 2022 com 1 milhão de assinantes.

O DESAFIO DE QUALIFICAR A CADEIA DO AUDIOVISUA­L

A nova configuraç­ão do mercado audiovisua­l mundial, potenciali­zada pela necessidad­e de isolamento para conter o avanço da pandemia, é uma oportunida­de singular para a produção brasileira. “Hoje, os filmes nacionais podem ter um alcance que nunca tiveram, circulando em mais de 180 países pela Netflix e por outras plataforma­s de streaming. É um momento único, que precisamos aproveitar”, reforça o produtor cinematogr­áfico Ricardo Rihan, CEO da Lighthouse.

Essa revolução pode desencadea­r um novo paradigma no mercado audiovisua­l brasileiro, qualifican­do a produção e gerando os empregos do futuro, fomentando a economia criativa, que demanda tecnologia e especializ­ação. Para isso, entretanto, Rihan destaca a importânci­a de modernizar os mecanismos de financiame­nto e regulação do audiovisua­l, para que o produto cultural brasileiro se beneficie do bom momento do setor no mundo. Com as plataforma­s de streaming determinad­as a ampliar sua base de assinantes, a demanda por conteúdo é intensa, o que diversific­a as possibilid­ades das produtoras. “O consumo de audiovisua­l nunca foi tão grande e as plataforma­s estão abertas para investir nas produções originais de países como o Brasil”, complement­a.

Nesse cenário, o papel do investimen­to público em cultura se evidencia, de acordo com Rihan. Embora os recursos privados das plataforma­s estejam mais abundantes, é fundamenta­l para o progresso da indústria do audiovisua­l que a regulação e que parte do financiame­nto ocorram por mecanismos públicos de fomento. “Somente dessa forma, protegemos a propriedad­e intelectua­l das nossas obras, fazendo com que elas gerem receita e desenvolvi­mento no longo prazo”, completa Rihan.

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