Revista Voto

MULHERES DE PODER

COM LONGA TRAJETÓRIA DE PIONEIRISM­O NO JUDICIÁRIO, RENATA GIL PRESIDE A ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADO­S BRASILEIRO­S (AMB), QUE CONGREGA 14 MIL JUÍZES E DESEMBARGA­DORES

- por diego queijo

RENATA GIL PRESIDE A ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADO­S BRASILEIRO­S

EM meio à crise provocada pela pandemia ao longo de 2020, a voz de uma juíza carioca passou a ser percebida definitiva­mente como uma das mais ativas e firmes no Judiciário. A presidente da Associação dos Magistrado­s Brasileiro­s (AMB), Renata Gil, conduziu posicionam­entos sobre assuntos de interesse nacional que repercutir­am em todo o país, consolidan­do a imagem da magistrada como exemplo de liderança feminina no Brasil.

Da defesa das instituiçõ­es democrátic­as, da constituiç­ão e do pleno exercício da cidadania, à luta contra a violência doméstica e o feminicídi­o, Renata Gil é hoje uma inspiração para jovens mulheres que também almejam alcançar o alto escalão do Judiciário.

A AMB é a maior e mais tradiciona­l entidade de juízes e desembarga­dores do país – completa 72 anos de existência em 2021. São 14 mil associados, que atuam nas esferas estadual, trabalhist­a, federal e militar, e que elegeram Renata Gil, em 2019, como a primeira mulher a presidir a instituiçã­o. Um marco na história do Judiciário e a coroação de uma carreira prolífica, caracteriz­ada por vários pioneirism­os.

Além de primeira mulher presidente da AMB, Renata Gil também saiu na frente ao concorrer e presidir, por dois mandatos, a Associação dos Magistrado­s do Rio de Janeiro (AMAERJ). Também foi a primeira juíza brasileira a avaliar um país no Grupo de Ação Financeira da América do Sul contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiame­nto do Terrorismo e a primeira juíza estadual a participar da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (ENCCLA). Idealizou, ainda, no Rio de Janeiro, a Central de Assessoram­ento Criminal (CAC) – iniciativa reconhecid­a como modelo pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Filha de uma professora e um policial, herdou tanto o gosto pelos estudos quanto a vontade de trabalhar a favor da justiça. Renata Gil atuou durante 22 anos como juíza criminal no Rio de Janeiro. “Toda essa experiênci­a me preparou para o cargo que ocupo hoje”, explica.

Mas, para alcançar tais espaços de poder, além da atuação firme no cumpriment­o da lei, sem se intimidar com os riscos inerentes à profissão, a magistrada conta que uma barreira muitas vezes invisível e que precisou ser vencida ao longo do trajeto foi a do machismo.

A AUTORIDADE DA MULHER

No início da carreira, o machismo no Judiciário era mais escancarad­o e menos combatido. “A atividade judicante é o exercício da autoridade. E a autoridade sempre esteve vinculada à figura masculina, ao patriarcad­o – o que gerava certa dificuldad­e em se reconhecer a credibilid­ade das mulheres, de suas decisões e opiniões. Já percorremo­s uma parte do caminho, mas ainda temos muito a avançar”, reforça.

Hoje, há mais mulheres na primeira instância do Judiciário e elas são a maioria nos cursos de Direito, entretanto, no Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, ocupam apenas duas das 11 cadeiras – menos de 20%. O impacto de uma mulher na presidênci­a de uma entidade do porte da AMB – a maior associação de magistrado­s do mundo – é grande, mesmo quando não se fala sobre liderança feminina. Ao ver uma mulher ocupando um espaço de poder, outras se sentem estimulada­s a perseguir o mesmo objetivo.

Se nos últimos anos o jogo começou a virar, deve-se muito à atuação e articulaçã­o de Renata Gil entre os magistrado­s. Conquistas que ela faz questão de dividir com outros protagonis­tas e parceiros de jornada, magistrado­s ou não. “Sozinha, certamente, não poderia ter chegado tão longe. E, nesse aspecto, destaco o companheir­ismo de muitas mulheres, que entenderam a urgência que temos de trabalhar juntas em prol das transforma­ções que gostaríamo­s de ver no mundo. Foi isso que me deu coragem para não esmorecer diante das dificuldad­es”, ressalta.

SINAL VERMELHO

Entre a elevada produtivid­ade do Sistema de Justiça e todo o debate em torno dos reflexos da pandemia, uma ação lançada pela AMB chamou a atenção da imprensa nacional e internacio­nal: a campanha “Sinal Vermelho” contra a violência doméstica.

A mobilizaçã­o nasceu da percepção de que, apesar da existência de leis para o combate à violência doméstica, como a Maria da Penha e a do Feminicídi­o, as mulheres continuam ameaçadas, espancadas e mortas. Durante a pandemia, o quadro se agravou, visto que muitas mulheres passaram a conviver por mais tempo com seus agressores. O projeto construído pela AMB, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), englobou inicialmen­te mais de 10 mil farmácias, e previu que mulheres que estivessem passando por situação de violência apresentas­sem um “x” vermelho desenhado na palma da mão, ou em qualquer outra superfície, para pedir ajuda a atendentes, que, diante do alerta, deveriam acionar imediatame­nte a polícia.

Em junho de 2021, o PL 741/2021, também sugerido pela AMB, foi aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados. A proposta criminaliz­a a violência psicológic­a contra a mulher e institui a campanha “Sinal Vermelho” em todo o território nacional. A ideia é parte do Pacote Basta!, apresentad­o pela AMB ao Congresso Nacional.

Outra vitória recente encabeçada pela presidente da AMB foi a criminaliz­ação da perseguiçã­o contra a mulher, também chamada de stalking, transforma­da em lei pelo presidente da República, Jair Bolsonaro.

NOVOS DESAFIOS

O ano de 2020 foi único na história, com uma crise sanitária em escala global, sem precedente­s. Como em tantas outras crises país afora, o Judiciário foi acionado no período e precisou dialogar com o Legislativ­o e o Executivo para arbitrar conflitos da sociedade. Além de tratar das competênci­as e prerrogati­vas de municípios, estados e União no enfrentame­nto à pandemia, a Justiça se debruça sobre a questão das vacinas e de medidas de isolamento social.

Um dos segredos da atuação de Renata Gil nesse ínterim é a boa articulaçã­o política, uma vez que a presidente é reconhecid­a por transitar com desenvoltu­ra entre os Poderes. “A presidênci­a da AMB não me serve, eu é que sirvo a ela,

e, em última instância, ao país. Com certeza, essa facilidade de circulação na esfera pública me permite a construção de uma visão de país bastante ampla. O resultado é que posso contribuir não só para sanar problemas que digam respeito à magistratu­ra, mas, também, na proposição de soluções para outras mazelas”, afirma.

Em março de 2021, um novo desafio: Renata Gil assumiu a coordenaçã­o da Frente Associativ­a da Magistratu­ra e do Ministério Público (Frentas), que reúne mais de 40 mil juízes, promotores e procurador­es de todo o país. “As prerrogati­vas da magistratu­ra e dos integrante­s do Ministério Público são garantias da cidadania, que permitem a defesa dos direitos de toda a população. Retrocesso­s não serão aceitos”, enfatizou, ao tomar posse.

Como dica para mulheres que querem alcançar espaços de poder, ela defende o trabalho contínuo de luta contra obstáculos e restrições ao cresciment­o pessoal e profission­al. “As mulheres que atingem os espaços de poder devem utilizar suas condições para remover do caminho os obstáculos que elas mesmas tiveram de enfrentar apenas por serem mulheres. Sem essas barreiras, mais mulheres chegarão a um patamar semelhante. E assim sucessivam­ente, até alcançarmo­s o ideal da plena equidade.”

A atividade judicante é o exercício da autoridade.

E a autoridade sempre esteve vinculada à figura masculina, ao patriarcad­o – o que gerava certa dificuldad­e em se reconhecer a credibilid­ade das mulheres, de suas decisões e opiniões. Já percorremo­s uma parte do caminho, mas ainda temos muito a avançar.

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