MATEUS BANDEIRA
BRASIL S.A.
AS grandes empresas e as democracias têm semelhanças importantes. Em suas gêneses, ambas eram fechadas e autoritárias. No século 21, a transparência e o respeito aos direitos individuais são marcas de evolução histórica.
No mundo corporativo, poderíamos citar as sociedades anônimas (S.A.) como o estágio mais avançado das empresas privadas – um aperfeiçoamento das sociedades limitadas (Ltda.). Constituídas a partir de modelos sofisticados de gestão, as S.A. têm como alvo o melhor interesse da companhia e de seus acionistas. Em tese, o objetivo dos governos seria o mesmo.
A humanidade tem evoluído lentamente, por meio de figuras geniais. Outra forma de avançar é observar, copiar e adaptar o que deu certo. Assim como as sociedades anônimas permitiram que muitos indivíduos se unissem para constituir um bem comum, os governos que adotam os melhores sistemas representativos são os que mais satisfazem as demandas dos cidadãos.
Para essa analogia, vale relembrar como funcionam as S.A. no Brasil, regidas pela lei 6.404/1976.
A EVOLUÇÃO DAS EMPRESAS
Em vez de um volume fixo de sócios, as S.A. têm um número ilimitado de proprietários. Esses são os acionistas; cada um possui uma fração da empresa.
As S.A. podem ter um acionista controlador (com maioria das ações) ou apenas um acionista de referência (com grande quantidade de ações). Há, porém, uma forma mais desenvolvida de controle. As corporations têm muitos acionistas, sendo que nenhum controla sozinho a empresa. No Brasil, alguns exemplos são B3, Renner, Embraer, CVC e Vale.
Algumas regras as aproximam muito do sistema de representatividade das democracias. A cada ano, até o fim de abril, essas companhias devem realizar suas Assembleias Gerais Ordinárias (AGOS), instância máxima de poder. As AGOS, entre outros objetivos, deliberam sobre os resultados do ano anterior, a destinação de lucros e a remuneração dos administradores.
Abaixo das AGOS, as principais instâncias de poder são o Conselho de Administração (CA) e a Diretoria, sendo o Conselho Fiscal um órgão de controle. Os integrantes do CA têm mandato e são eleitos pelos acionistas. O Conselho de Administração é o elo entre os acionistas e a Diretoria.
A Diretoria é quem gere a companhia no dia a dia, executando a estratégica definida pelo CA. O CEO, principal nome da Diretoria, é escolhido pelos conselheiros – esse, por seu turno, indica os demais diretores, que precisam ser aprovados pelo CA.
Existe, ainda, o Conselho Fiscal, que fiscaliza as contas e os atos dos administradores e reporta-se diretamente à assembleia de acionistas. Como forma de ampliar a governança e o controle existem os Comitês de Auditoria (subordinados ao CA) e as Auditorias Internas (demandadas pelo CEO).
Em resumo, um grupo de investidores se une em torno de uma companhia, cuja autoridade máxima é a Assembleia de Acionistas. Nela, são eleitos os conselheiros, que vão definir as estratégias da empresa.
Os conselheiros, por sua vez, delegam a gestão da empresa aos diretores, que são supervisionados pelo Conselho Fiscal e pelo Comitê de Auditoria. Essa engenharia empresarial complexa está à frente das mais lucrativas companhias do mundo, pois se mostrou bem-sucedida. Observação, cópia e adaptação – eis como o mundo tem evoluído.
E os governos com isso?
A EVOLUÇÃO DO BRASIL
Nós, os eleitores, somos os acionistas desta megaempresa chamada Brasil, cujas receitas, em 2021, são estimadas em R$ 4,3 trilhões – sempre bom lembrar que os governos não produzem nada, apenas retiram de quem produz, os pagadores de impostos. Nosso poder é eleger o CEO (Presidente da República) e o Conselho de Administração (Congresso Nacional). Ou seja, decidimos quem vai mandar e quem vai elaborar as regras e fiscalizar a execução. Não é pouca coisa.
Diferentemente de uma S.A., não elegemos os membros do Conselho Fiscal (TCU, CGU e órgãos do Judiciário), pois esses têm caráter permanente – o que é um problema, mas essa regra pode ser alterada por emenda à Constituição.
Para serem efetivas, as empresas precisam de acionistas ativos e com capacidade de escolher os administradores certos. E trocá-los quando não desempenharem bem seu papel. Há governos onde essa troca extemporânea é prevista em lei.
Para evitar o controle por um pequeno grupo, a Lei das S.A. protege os círculos minoritários. Na Vale, por exemplo, um grupo de minoritários evitou que uma única chapa fosse a opção exclusiva na eleição dos novos conselheiros, preservando, desta forma, o interesse dos acionistas menos poderosos.
Ano que vem, os eleitores serão chamados outra vez para decidir quem vai comandar o Brasil pelo quadriênio 2023-2026. Podemos ficar indiferentes ou partir, desde já, para melhores opções. Como o conjunto de eleitores é uma massa de interesses difusos, quanto maior a representatividade e, muito importante, composta por pessoas honestas e com espírito público, melhor serão geridos nosso país e os tributos.
Além disso, a escolha certa permitirá a indispensável interlocução eleitor-gestor. Caso contrário, o Brasil vai continuar refém de grupos de interesse particulares, como hoje. Privilegiados que se aproveitam da proximidade do poder, como os políticos e servidores, ou que atuam nos desvãos dos palácios em Brasília. Claro, também existem exemplos de corporations capturadas pela diretoria ou pelo CA, que extraem benefícios máximos para si em detrimento de seus acionistas.
Nossa companhia, a Brasil S.A., foi aprisionada por oligarquias, interesses particulares e corporativos, que não representam a maioria. Somos uma empresa disfuncional, onde os conselheiros e a diretoria atuam predominantemente em causa própria. A Brasil Ltda. hoje beneficia prioritariamente seus donos ilegítimos, que se apropriaram do Estado para usufruto pessoal.
Sim, organizar as prioridades de 148 milhões de eleitores é extremamente complexo. O prazo para tal (as eleições de 2022) parece exíguo, mas não é. Já temos 36 anos de experiências eleitorais ininterruptas. A era da informação em tempo real fornece os instrumentos adequados. Se nos mobilizarmos a partir de agora, podemos melhorar a gestão do país e deixarmos para trás um Brasil limitado, a fim de avançar rumo a uma sociedade próspera e justa.