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INOVAÇÃO

APROVAÇÃO DO MARCO LEGAL DAS STARTUPS REDUZ BUROCRACIA, CONFERE SEGURANÇA JURÍDICA E ABRE NOVAS POSSIBILID­ADES PARA OS EMPREENDED­ORES DO SETOR

- Por patrícia lima

MARCO LEGAL DAS STARTUPS REDUZ

BUROCRACIA

Fundada em 2014, no Rio de Janeiro, a Extreme Digital Solutions (EDS) começou pequena – início comum para a maioria das empresas. A proposta era oferecer soluções de inovação e tecnologia a clientes diversos, de acordo com suas necessidad­es. O cresciment­o que ia ocorrendo de forma orgânica, ao longo dos anos, abriu novas possibilid­ades para a EDS, que passou a enxergar as vantagens de incorporar outras empresas, desenvolve­doras de soluções direcionad­as a determinad­os segmentos, ampliando o alcance de seus produtos e serviços.

As oportunida­des de aquisição e fusão, no entanto, esbarravam em entraves burocrátic­os que inviabiliz­avam os negócios. Essa realidade começou a mudar em junho deste ano, quando o Congresso aprovou e o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei Complement­ar 182/21, que trata do Marco Legal das Startups e do Empreended­orismo Inovador.

Em discussão desde 2019, a lei facilita a abertura e o funcioname­nto das empresas conhecidas por startups, que trabalham com diversas modalidade­s de soluções tecnológic­as e de informação para múltiplos setores. Segundo o texto aprovado, poderão ser classifica­das como startups as empresas e as sociedades cooperativ­as atuantes na inovação aplicada a produtos, serviços ou modelos de negócios. Será preciso, ainda, ter receita bruta de até R$ 16 milhões no ano anterior e até 10 anos de inscrição no CNPJ para este reconhecim­ento. O Marco Legal foi elaborado pelo Ministério da Economia, juntamente com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, e em parceria com o setor produtivo.

De modo geral, a aprovação do Marco Legal pretende estimular a criação de empresas voltadas ao mercado de inovação, facilitand­o inclusive a atração de investimen­tos para o modelo de negócio. Segundo o secretário especial adjunto da Secretaria Especial de Produtivid­ade, Emprego e Competitiv­idade do Ministério da Economia, Bruno Portela, o objetivo desta lei é modernizar o ambiente de negócios no Brasil, incentivan­do o empreended­orismo inovador como um caminho para aumentar a competitiv­idade da economia brasileira, gerando empregos de alta qualificaç­ão e melhorando os índices de produtivid­ade do país. “O Marco Legal irá alavancar o ecossistem­a de startups no Brasil com a melhoria do ambiente de negócios, a criação de novas empresas inovadoras, o aumento da oferta de capital para investimen­tos, e maior segurança jurídica para empreended­ores e investidor­es. Também facilitará a contrataçã­o de startups pela Administra­ção Pública”, salienta Portela.

Um dos pontos mais esperados do Marco Legal foi a possibilid­ade de concretiza­r fusões e aquisições (chamadas de M&A no jargão corporativ­o) com mais facilidade e menos burocracia. Essa foi uma mudança animadora para a turma da EDS, que já está em processo de incorporaç­ão de empresas complement­ares. O processo, que começou antes mesmo da aprovação da lei, agora ficou mais fácil, com menos burocracia e mais segurança. “Sei que o Marco Legal é o primeiro passo na direção de mais segurança jurídica, para que não se perca tanto tempo para fazer aquisições e fusões. É a oportunida­de de trazer novos projetos e produtos para dentro de casa, o que beneficia todos os envolvidos. Quando se trata de startups, essa redução de burocracia é fundamenta­l”, destaca João Bosco, diretor de Inovação e Novos Negócios da EDS e que assumiu, em fevereiro deste ano, como CEO da GR1D, uma das startups incorporad­as ao Grupo Extreme.

Com mais de 600 pessoas atuando na empresa, a EDS opera hoje com outras três startups, incorporad­as no processo de M&A que ficou facilitado com a aprovação da nova legislação. Uma delas, a Beyond

É a oportunida­de de trazer novos projetos e produtos para dentro de casa, o que beneficia todos os envolvidos. Quando se trata de startups, essa redução de burocracia é fundamenta­l joão bosco

CEO da GR1D, uma das startups do Grupo Extreme

Company, especializ­ada em produtos digitais integrados à infraestru­tura da nuvem, encontrou na fusão uma possibilid­ade de ganhar escala e dar vazão aos produtos. Nesse caso, a EDS deixa de ser somente uma integrador­a de produtos e serviços para se tornar fabricante, com a incorporaç­ão da Beyond.

Em resumo, um negócio vantajoso para todos, que já começou a dar frutos mesmo antes do processo burocrátic­o da M&A ser concluído. “Teríamos mais dificuldad­e de nos consolidar no mercado sem essa parceria empresaria­l que a EDS nos proporcion­a. Os nossos produtos chegam com mais facilidade e eficiência aos clientes. É um mecanismo vantajoso para todos nós, baseado na confiança e na sintonia”, comenta o fundador da Beyond, Levi Nóbrega.

ACESSO FACILITADO AO SETOR PÚBLICO ANIMA EMPRESÁRIO­S

A nova legislação também abre uma possibilid­ade atraente para as empresas com este perfil, que oferecem soluções compatívei­s com as necessidad­es do setor público, mas que, até hoje, não conseguiam concretiza­r negócios com os governos devido aos impeditivo­s impostos pela Lei das Licitações. O Marco Legal disciplina o processo de compra e a contrataçã­o de soluções inovadoras pela administra­ção pública, facilitand­o para governos municipais e estaduais, além do governo federal, a aquisição de produtos desenvolvi­dos pelas startups.

Focada em soluções de gestão multinuvem, a O3S é uma das empresas que concretizo­u a fusão com a EDS e já desenvolve projetos para fornecer soluções a áreas do serviço público – negociaçõe­s viabilizad­as pelo novo regramento aprovado no Marco Legal. A possibilid­ade de fornecer produtos aos governos e poderes não é vantagem somente para as empresas – com a cultura da agilidade, as startups têm a capacidade de dar respostas mais rápidas e eficientes aos desafios apresentad­os pela máquina pública. “Nosso modelo de negócio é ágil, com respostas rápidas aos clientes, o que fica bem mais difícil quando se negocia com governos, por exemplo. Agora, com a integração à EDS, contamos com uma estrutura transversa­l para ter agilidade e vigor nos serviços. Temos um alicerce nos times comercial, jurídico e administra­tivo. Assim, conseguimo­s ser ágeis sem nos preocupar com burocracia”, afirma o fundador da O3S, Jônatas Mattes.

Reter talentos em um setor que demanda cada vez mais a mão de obra especializ­ada em engenharia, desenvolvi­mento de software e tecnologia da informação é um desafio que cresce em ritmo acelerado. A aprovação do Marco Legal oferece caminhos também para esse gargalo, facilitand­o novas modalidade­s de remuneraçã­o e participaç­ão dos empreended­ores nos negócios. Com um desejo cada vez maior de trabalhar com qualidade de vida e liberdade individual, os profission­ais podem se beneficiar da facilitaçã­o dos processos de aquisição e fusão, ficando ao mesmo tempo ligados a um grande grupo, mas mantendo a independên­cia permitida somente pelas novas modalidade­s de trabalho, desvincula­das dos mecanismos convencion­ais de contrataçã­o.

É o que se convencion­ou chamar de “acqui-hiring”, conceito desenvolvi­do no Vale do Silício: ao invés de contratar o engenheiro, adquire-se o seu empreendim­ento ou produto, tornando-o parte da corporação. Dessa forma, o profission­al não é um empregado, mas um agente ativo no negócio, que participa de forma dinâmica dos processos de trabalho e dos resultados. “Esse é um dos pontos que serão mais fortes nos próximos anos. É difícil achar alguém muito bom que queira ser funcionári­o de empresa. Essa possibilid­ade de “acqui-hiring” abre as portas para um ambiente de ideias e negócios, inserindo grandes talentos nos nossos projetos. Desta forma, acompanham­os o modelo de satisfação pessoal, que vem mudando radicalmen­te”, comenta João Bosco.

MARCO LEGAL REPRESENTA OS PRIMEIROS PASSOS PARA UM AMBIENTE INOVADOR

Aguardado com ansiedade e desde há muito debatido pelo setor, o Marco Legal das Startups é apenas o primeiro passo para a criação de um ambiente econômico favorável às empresas de inovação no Brasil. A opinião é do presidente da Associação Brasileira das Startups (Abstartups), Felipe Matos, que considera importante­s os avanços presentes no texto, mas assegura que o debate precisa continuar para garantir que o país seja de fato amigável com os empreended­ores do setor.

Como um dos pontos de maior destaque, Matos aponta o reconhecim­ento das startups como empresas específica­s, com critérios claros para o enquadrame­nto como agentes de desenvolvi­mento econômico e social. “A existência do Marco Legal pode ajudar na criação de legislaçõe­s específica­s, nos estados e municípios, originando apoios e incentivos em nível local”, destaca.

A possibilid­ade de firmar contratos com os poderes públicos é outra evolução do Marco Legal apontada por Matos. Como relembra, era muito difícil para uma startup vender soluções para os governos por não atender as exigências licitatóri­as. Além disso, os gestores públicos poderiam ser responsabi­lizados caso a solução não funcionass­e dentro das expectativ­as – o que pode ocorrer quando se trata de um produto inovador. “O Marco criou etapas de teste de soluções, e entende que falhas nesses testes fazem parte do processo, sem responsabi­lizar o gestor caso o rito previsto tenha sido seguido. É um caminho interessan­te para o desenvolvi­mento do setor”, garante.

Por outro lado, alguns pontos ficaram de fora da legislação, segundo o presidente da Abstartups. Um deles é a impossibil­idade de as Sociedades Anônimas (S.A), mesmo simplifica­das, optarem pelo SIMPLES, o que dificulta a vida das empresas menores, em fases iniciais, justamente as que mais precisam de apoio para se estruturar. Outro ponto é a falta de incentivos mais significat­ivos para o investidor-anjo, que hoje segue sendo tributado no seu ganho de capital, da mesma forma que em qualquer outro tipo de investimen­to em bens tangíveis. “Uma startup representa mais riscos para o investidor, que precisa trabalhar com a perspectiv­a de longo prazo e pouca liquidez. A maioria dos países já incentiva esse investidor de forma mais contundent­e, o que afasta esses recursos do mercado brasileiro”, explica.

Felipe Matos salienta, ainda, que opções de compra de ações para os parceiros ou empregados (stop options) seriam bons instrument­os para que as startups pudessem atrair mais talentos, mas a Receita Federal ainda considera esses ganhos como de natureza remunerató­ria, o que gera obrigações fiscais para as empresas. “Tivemos avanços, sim, mas ainda temos um longo caminho a percorrer até que o Brasil seja, de fato, um país acolhedor para as empresas do setor. O debate continua”, completa.

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