INOVAÇÃO
APROVAÇÃO DO MARCO LEGAL DAS STARTUPS REDUZ BUROCRACIA, CONFERE SEGURANÇA JURÍDICA E ABRE NOVAS POSSIBILIDADES PARA OS EMPREENDEDORES DO SETOR
MARCO LEGAL DAS STARTUPS REDUZ
BUROCRACIA
Fundada em 2014, no Rio de Janeiro, a Extreme Digital Solutions (EDS) começou pequena – início comum para a maioria das empresas. A proposta era oferecer soluções de inovação e tecnologia a clientes diversos, de acordo com suas necessidades. O crescimento que ia ocorrendo de forma orgânica, ao longo dos anos, abriu novas possibilidades para a EDS, que passou a enxergar as vantagens de incorporar outras empresas, desenvolvedoras de soluções direcionadas a determinados segmentos, ampliando o alcance de seus produtos e serviços.
As oportunidades de aquisição e fusão, no entanto, esbarravam em entraves burocráticos que inviabilizavam os negócios. Essa realidade começou a mudar em junho deste ano, quando o Congresso aprovou e o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei Complementar 182/21, que trata do Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador.
Em discussão desde 2019, a lei facilita a abertura e o funcionamento das empresas conhecidas por startups, que trabalham com diversas modalidades de soluções tecnológicas e de informação para múltiplos setores. Segundo o texto aprovado, poderão ser classificadas como startups as empresas e as sociedades cooperativas atuantes na inovação aplicada a produtos, serviços ou modelos de negócios. Será preciso, ainda, ter receita bruta de até R$ 16 milhões no ano anterior e até 10 anos de inscrição no CNPJ para este reconhecimento. O Marco Legal foi elaborado pelo Ministério da Economia, juntamente com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, e em parceria com o setor produtivo.
De modo geral, a aprovação do Marco Legal pretende estimular a criação de empresas voltadas ao mercado de inovação, facilitando inclusive a atração de investimentos para o modelo de negócio. Segundo o secretário especial adjunto da Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, Bruno Portela, o objetivo desta lei é modernizar o ambiente de negócios no Brasil, incentivando o empreendedorismo inovador como um caminho para aumentar a competitividade da economia brasileira, gerando empregos de alta qualificação e melhorando os índices de produtividade do país. “O Marco Legal irá alavancar o ecossistema de startups no Brasil com a melhoria do ambiente de negócios, a criação de novas empresas inovadoras, o aumento da oferta de capital para investimentos, e maior segurança jurídica para empreendedores e investidores. Também facilitará a contratação de startups pela Administração Pública”, salienta Portela.
Um dos pontos mais esperados do Marco Legal foi a possibilidade de concretizar fusões e aquisições (chamadas de M&A no jargão corporativo) com mais facilidade e menos burocracia. Essa foi uma mudança animadora para a turma da EDS, que já está em processo de incorporação de empresas complementares. O processo, que começou antes mesmo da aprovação da lei, agora ficou mais fácil, com menos burocracia e mais segurança. “Sei que o Marco Legal é o primeiro passo na direção de mais segurança jurídica, para que não se perca tanto tempo para fazer aquisições e fusões. É a oportunidade de trazer novos projetos e produtos para dentro de casa, o que beneficia todos os envolvidos. Quando se trata de startups, essa redução de burocracia é fundamental”, destaca João Bosco, diretor de Inovação e Novos Negócios da EDS e que assumiu, em fevereiro deste ano, como CEO da GR1D, uma das startups incorporadas ao Grupo Extreme.
Com mais de 600 pessoas atuando na empresa, a EDS opera hoje com outras três startups, incorporadas no processo de M&A que ficou facilitado com a aprovação da nova legislação. Uma delas, a Beyond
É a oportunidade de trazer novos projetos e produtos para dentro de casa, o que beneficia todos os envolvidos. Quando se trata de startups, essa redução de burocracia é fundamental joão bosco
CEO da GR1D, uma das startups do Grupo Extreme
Company, especializada em produtos digitais integrados à infraestrutura da nuvem, encontrou na fusão uma possibilidade de ganhar escala e dar vazão aos produtos. Nesse caso, a EDS deixa de ser somente uma integradora de produtos e serviços para se tornar fabricante, com a incorporação da Beyond.
Em resumo, um negócio vantajoso para todos, que já começou a dar frutos mesmo antes do processo burocrático da M&A ser concluído. “Teríamos mais dificuldade de nos consolidar no mercado sem essa parceria empresarial que a EDS nos proporciona. Os nossos produtos chegam com mais facilidade e eficiência aos clientes. É um mecanismo vantajoso para todos nós, baseado na confiança e na sintonia”, comenta o fundador da Beyond, Levi Nóbrega.
ACESSO FACILITADO AO SETOR PÚBLICO ANIMA EMPRESÁRIOS
A nova legislação também abre uma possibilidade atraente para as empresas com este perfil, que oferecem soluções compatíveis com as necessidades do setor público, mas que, até hoje, não conseguiam concretizar negócios com os governos devido aos impeditivos impostos pela Lei das Licitações. O Marco Legal disciplina o processo de compra e a contratação de soluções inovadoras pela administração pública, facilitando para governos municipais e estaduais, além do governo federal, a aquisição de produtos desenvolvidos pelas startups.
Focada em soluções de gestão multinuvem, a O3S é uma das empresas que concretizou a fusão com a EDS e já desenvolve projetos para fornecer soluções a áreas do serviço público – negociações viabilizadas pelo novo regramento aprovado no Marco Legal. A possibilidade de fornecer produtos aos governos e poderes não é vantagem somente para as empresas – com a cultura da agilidade, as startups têm a capacidade de dar respostas mais rápidas e eficientes aos desafios apresentados pela máquina pública. “Nosso modelo de negócio é ágil, com respostas rápidas aos clientes, o que fica bem mais difícil quando se negocia com governos, por exemplo. Agora, com a integração à EDS, contamos com uma estrutura transversal para ter agilidade e vigor nos serviços. Temos um alicerce nos times comercial, jurídico e administrativo. Assim, conseguimos ser ágeis sem nos preocupar com burocracia”, afirma o fundador da O3S, Jônatas Mattes.
Reter talentos em um setor que demanda cada vez mais a mão de obra especializada em engenharia, desenvolvimento de software e tecnologia da informação é um desafio que cresce em ritmo acelerado. A aprovação do Marco Legal oferece caminhos também para esse gargalo, facilitando novas modalidades de remuneração e participação dos empreendedores nos negócios. Com um desejo cada vez maior de trabalhar com qualidade de vida e liberdade individual, os profissionais podem se beneficiar da facilitação dos processos de aquisição e fusão, ficando ao mesmo tempo ligados a um grande grupo, mas mantendo a independência permitida somente pelas novas modalidades de trabalho, desvinculadas dos mecanismos convencionais de contratação.
É o que se convencionou chamar de “acqui-hiring”, conceito desenvolvido no Vale do Silício: ao invés de contratar o engenheiro, adquire-se o seu empreendimento ou produto, tornando-o parte da corporação. Dessa forma, o profissional não é um empregado, mas um agente ativo no negócio, que participa de forma dinâmica dos processos de trabalho e dos resultados. “Esse é um dos pontos que serão mais fortes nos próximos anos. É difícil achar alguém muito bom que queira ser funcionário de empresa. Essa possibilidade de “acqui-hiring” abre as portas para um ambiente de ideias e negócios, inserindo grandes talentos nos nossos projetos. Desta forma, acompanhamos o modelo de satisfação pessoal, que vem mudando radicalmente”, comenta João Bosco.
MARCO LEGAL REPRESENTA OS PRIMEIROS PASSOS PARA UM AMBIENTE INOVADOR
Aguardado com ansiedade e desde há muito debatido pelo setor, o Marco Legal das Startups é apenas o primeiro passo para a criação de um ambiente econômico favorável às empresas de inovação no Brasil. A opinião é do presidente da Associação Brasileira das Startups (Abstartups), Felipe Matos, que considera importantes os avanços presentes no texto, mas assegura que o debate precisa continuar para garantir que o país seja de fato amigável com os empreendedores do setor.
Como um dos pontos de maior destaque, Matos aponta o reconhecimento das startups como empresas específicas, com critérios claros para o enquadramento como agentes de desenvolvimento econômico e social. “A existência do Marco Legal pode ajudar na criação de legislações específicas, nos estados e municípios, originando apoios e incentivos em nível local”, destaca.
A possibilidade de firmar contratos com os poderes públicos é outra evolução do Marco Legal apontada por Matos. Como relembra, era muito difícil para uma startup vender soluções para os governos por não atender as exigências licitatórias. Além disso, os gestores públicos poderiam ser responsabilizados caso a solução não funcionasse dentro das expectativas – o que pode ocorrer quando se trata de um produto inovador. “O Marco criou etapas de teste de soluções, e entende que falhas nesses testes fazem parte do processo, sem responsabilizar o gestor caso o rito previsto tenha sido seguido. É um caminho interessante para o desenvolvimento do setor”, garante.
Por outro lado, alguns pontos ficaram de fora da legislação, segundo o presidente da Abstartups. Um deles é a impossibilidade de as Sociedades Anônimas (S.A), mesmo simplificadas, optarem pelo SIMPLES, o que dificulta a vida das empresas menores, em fases iniciais, justamente as que mais precisam de apoio para se estruturar. Outro ponto é a falta de incentivos mais significativos para o investidor-anjo, que hoje segue sendo tributado no seu ganho de capital, da mesma forma que em qualquer outro tipo de investimento em bens tangíveis. “Uma startup representa mais riscos para o investidor, que precisa trabalhar com a perspectiva de longo prazo e pouca liquidez. A maioria dos países já incentiva esse investidor de forma mais contundente, o que afasta esses recursos do mercado brasileiro”, explica.
Felipe Matos salienta, ainda, que opções de compra de ações para os parceiros ou empregados (stop options) seriam bons instrumentos para que as startups pudessem atrair mais talentos, mas a Receita Federal ainda considera esses ganhos como de natureza remuneratória, o que gera obrigações fiscais para as empresas. “Tivemos avanços, sim, mas ainda temos um longo caminho a percorrer até que o Brasil seja, de fato, um país acolhedor para as empresas do setor. O debate continua”, completa.