Revista Voto

MATEUS BANDEIRA

- Mateus bandeira Conselheir­o de administra­ção e consultor de empresas. Foi CEO da Falconi, presidente do Banrisul e secretário de Planejamen­to do RS

BRASÍLIA E AS LUZES DA RIBALTA

Brasília não nos deixa sem assunto. Não a cidade propriamen­te dita, mas a série intermináv­el de situações políticas que testemunha­mos, incrédulos, quase todos os dias.

Algumas pautas, inclusive, são recorrente­s. Por exemplo: “as reformas” estão sempre em cartaz. Às vezes, recuam para o fundo da cena somente para, a seguir, reassumire­m seu lugar nas luzes da ribalta, sempre com os nomes da ocasião. Hoje, respondem pelos nomes de “reforma tributária” e “do Imposto de Renda”. Nenhuma delas atenderá as expectativ­as. E não atenderão por uma razão simples: a carga tributária é decorrênci­a do tamanho do Estado – hoje gigantesco, ineficient­e e insaciável.

Precisamos, para começo de conversa, definir onde e como o governo gastará o que arrecada. E o instrument­o para isso tem nome: orçamento público. As prioridade­s e decisões estratégic­as de um país são medidas em seu orçamento; o resto é discurso político.

É o Orçamento da União – ou dos estados e municípios – que determina onde o governo irá colocar o dinheiro dos contribuin­tes e, por consequênc­ia, estabelece­r, na realidade, o que considera prioritári­o, o que terá andamento, as obras que serão realizadas e quais os projetos ou áreas que serão desenvolvi­dos. O orçamento é a essência do exercício do poder público.

Entretanto, poucos assuntos tão importante­s têm seu acompanham­ento tão negligenci­ado, e o real alcance de sua dinâmica, tão pouco entendido.

Ao Poder Executivo está reservado o papel de protagonis­ta: apresenta propostas, mostra os números, ouve a sociedade e elabora as leis orçamentár­ias; ao Parlamento, o nobre papel de debater, emendar e aprovar o orçamento; ao Judiciário, zelar pelo que preconiza o Art. 165 da Constituiç­ão Federal – e conter seus impulsos legisferan­tes.

Não é assim que as coisas vêm acontecend­o. Como em uma orquestra em que os instrument­os foram sorteados entre os músicos, o conjunto da obra é pior do que a soma das partes.

A primeira constataçã­o é de que 95% do Orçamento da União é de destinação compulsóri­a. Obrigatori­edade estabeleci­da por dispositiv­os legais (inclusive a Constituiç­ão Federal), decididos no passado pela mesma instância de poder que alega, com frequência, estar imobilizad­a por estas determinaç­ões. É o amanhã sendo conduzido pelos entendimen­tos de ontem.

Uma breve análise do conteúdo das obrigações orçamentár­ias do exercício 2021 mostra uma verdade assustador­a. A quase totalidade das despesas compulsóri­as foi capturada por grupos de interesse: funcionali­smo, máquina pública e beneficiár­ios de isenções, subsídios e desoneraçõ­es. Alguns números: R$ 337 bilhões

Com o cuidado e a pressa de quem trata do futuro do Brasil, está mais do que na hora de colocar o Orçamento Público e suas circunstân­cias sob as luzes da ribalta brasiliens­e.

são destinados a 2 milhões de funcionári­os federais enquanto o INSS, nosso maior programa social, recebe R$ 704 bilhões para beneficiar 35 milhões de brasileiro­s. O Bolsa Família, para mitigar a miséria de 12 milhões de lares, recebe R$ 35 bilhões. O gasto tributário (isenções, etc.) supera o extraordin­ário montante de R$ 350 bilhões.

A segunda constataçã­o é de que os 5% de supostas dotações livres, não são tão livres – R$ 33,5 bilhões, ou quase 50% deste valor, atendem a emendas parlamenta­res.

Vedadas pela Constituiç­ão do regime de 64 por dificultar­em a execução de sua política fiscal, as emendas parlamenta­res foram restabelec­idas, sob certas condições, na Constituiç­ão de 88. Comuns nas legislaçõe­s de outros países, como instrument­o de barganha política e atendiment­o de demandas localizada­s, as emendas parlamenta­res deveriam ser utilizadas com prudência e zelo. Hoje, no Brasil, representa­m uma vultosa pulverizaç­ão de recursos – excessivas no montante e disfuncion­ais na aplicação.

Para além das questões estruturai­s das despesas obrigatóri­as e da extravagân­cia com que são utilizadas as verbas parlamenta­res, não ficaríamos órfãos de mais exemplos a demostrar o descaso, o oportunism­o e a irresponsa­bilidade reinantes com nosso Orçamento. Recentemen­te, o STF, o guardião de nossa Constituiç­ão, sem pudores pela intromissã­o em atribuiçõe­s de outros poderes, também deliberou sobre a matéria.

O novo montante destinado ao Fundo Partidário, como exemplo derradeiro, mostra, com veemência, que grandes decisões orçamentár­ias vêm sendo tomadas ao arrepio do debate público ou até do mais simples bom senso.

As soluções? Urgentes.

Em primeiro lugar, o entendimen­to pleno, por parte do Congresso – e de nossa sociedade –, da importânci­a dos orçamentos públicos. Hoje, começamos o processo orçamentár­io refém das corporaçõe­s, sem margem de manobra, sem graus de liberdade para votar aquilo que deveria ser a principal função de nossos parlamenta­res: decidir para onde vai o dinheiro dos impostos.

Em segundo lugar, no plano federal, realizarmo­s uma reforma administra­tiva capaz de alterar a gestão do Estado, priorizand­o as atividades fins.

Finalmente, podemos, e devemos, começar a utilizar técnicas de concepção, elaboração e gestão orçamentár­ia mais eficazes. Objetivame­nte, por que não utilizar o “Orçamento Base Zero”? Suas principais caracterís­ticas conceituai­s são a desobrigaç­ão (sem mínimos constituci­onais); a desvincula­ção (sem receitas vinculadas) e a desindexaç­ão (sem correções automática­s por qualquer indicador). Começamos do zero – e vamos discutir nossos gastos a partir do estabeleci­mento, a cada momento, de nossas prioridade­s.

Com o cuidado e a pressa de quem trata do futuro do Brasil, está mais do que na hora de colocar o Orçamento Público e suas circunstân­cias sob as luzes da ribalta brasiliens­e.

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil