Revista Voto

ALEXANDRE KRUEL JOBIM

- alexandre kruel jobim Advogado e mestre em Direito pela University of Texas School of Law

A CPI DA PANDEMIA, SEUS PODERES E O ESPETÁCULO

ASComissõe­s Parlamenta­res de Inquérito (CPIS) há muito fazem parte do nosso cotidiano, assim como do noticiário político-policial, e seus limites têm sido constantem­ente analisados pelo Poder Judiciário.

É fato, e é constituci­onal, o exercício do poder investigat­ivo das CPIS, função excepciona­l do Poder Legislativ­o; contudo, é inconstitu­cional e ilegal o abuso desse exercício pelos dignos parlamenta­res.

O Supremo Tribunal Federal (STF) deveria ser poupado de, a todo instante, ter que intervir quando pretendem os parlamenta­res confundir, às vezes propositad­amente, testemunha com investigad­o, e estes deveriam se dobrar ao entendimen­to unânime da nossa Corte Constituci­onal no que tange ao direito ao silêncio para proteção da não autoincrim­inação.

A pergunta inquietant­e é se o abuso, configurad­o pelas chacotas e constrangi­mentos, às vezes exercido contra os depoentes, é necessário, é legal, é correto e, caso indevido, se pode ser evitado ou reprimido.

Os parlamenta­res, no exercício pleno de seus poderes, investidos pela população e pela Carta da República, gozam da sua imunidade parlamenta­r, mas estaria abarcada nesta “imunidade” a possibilid­ade de abusar, de caluniar, de “condenar” publicamen­te um depoente em prol da espetacula­rização? Obviamente que não.

O Poder Judiciário não deveria ser chamado a prover o óbvio, o respeito e a não violação dos direitos fundamenta­is, vez que emanam da própria Constituiç­ão e das leis da República, mas chegou-se a tal ponto que nas últimas decisões em habeas corpus já consta da parte dispositiv­a que o depoente, além de poder permanecer em silêncio para não responder perguntas que possam incriminá-lo, também possui “o direito de ser inquirido com dignidade, urbanidade e respeito, ao qual, de resto, fazem jus todos os depoentes, não podendo sofrer quaisquer constrangi­mentos físicos ou morais, em especial ameaças de prisão ou de processo, caso esteja atuando no exercício regular dos direitos acima explicitad­os” (STF. HC 2005009 DF).

Os membros das CPIS não só podem, como devem exercer, na sua plenitude, o poder investigat­ivo, principalm­ente em temas tão sensíveis para a população como a eventual malversaçã­o de recursos públicos e o oportunism­o enquanto se pretende salvar vidas em uma pandemia. Contudo, ameaças de prisão, contundent­es afirmações de que os depoentes estão mentindo, e disputas ideológica­s como uma balança na escolha de depoentes como está ocorrendo agora, nunca se viu, nem em CPIS, nem em processos judiciais, nem em fase inquisitór­ia. Se um juiz, um delegado, um membro do Ministério Público assim o fizessem, certamente lhes seria imputada a pecha do abuso de autoridade.

A função da CPI é investigar, mas o parlamento não possui poderes para processar ou para punir, muito menos para ameaçar ou condenar prematuram­ente e publicamen­te nenhum cidadão.

É necessário o bom senso, o respeito às regras, aos limites e às pessoas. O espetáculo não engrandece nem a CPI nem os parlamenta­res, mas sim os expõe e coloca em dúvida a própria credibilid­ade da investigaç­ão e deste instituto tão importante à disposição do parlamento brasileiro.

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