Tarcísio Gomes de Freitas
Para o ministro da Infraestrutura, a eficiência dos marcos legais depende diretamente do fortalecimento das agências regulatórias, responsáveis pelo regramento dos setores e pela fiscalização do cumprimento dos contratos e da qualidade da prestação dos serviços. Freitas sustenta que a escolha de um corpo técnico experiente e qualificado é o segredo para que esse processo resulte em concessões realmente benéficas para a população e para a economia do país. “A maior concessão de ativos da nossa história só poderá ser bem-sucedida com agências institucionalmente fortes. Hoje temos, além de um ambiente pro-business, segurança jurídica e uma estruturação sofisticada, com um corpo de diretores com credibilidade”, ressalta.
Confira, a seguir, a íntegra da entrevista concedida pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, à Revista VOTO.
Revista VOTO – Segundo dados do Ministério da Infraestrutura (Minfra), somente em abril, os leilões atraíram um total de R$ 27,3 bilhões de investimentos futuros das novas concessionárias. A pasta espera investimentos que oscilam entre R$ 100 bilhões e R$ 130 bilhões somente em 2021, na concessão de mais de 100 ativos. Qual a importância de atrair estes investimentos privados para a infraestrutura brasileira?
Ministro Tarcísio de Freitas – Os investimentos em infraestrutura têm ficado, historicamente, muito aquém do desejado e das reais necessidades do Brasil, um país gigantesco, com desafios logísticos complexos e com gargalos históricos. Como é sabido por toda a sociedade, o país enfrenta um cenário de crise fiscal, o que limita a utilização de recursos do orçamento público. É necessário, portanto, trazer investimentos privados para nossa infraestrutura. Entramos no dia 1º de janeiro de 2019 dizendo exatamente o que íamos fazer. Transferência maciça de ativos para a iniciativa privada, conclusão de obras inacabadas, resolução dos passivos herdados e fortalecimento da regulação. Estamos cumprindo. Atualizando os números: foram 74 ativos concedidos e R$ 73 bilhões contratados em nosso programa. E, agora em outubro, começamos a temporada dos grandes leilões. Serão R$ 15 bilhões com a Dutra, o maior leilão rodoviário de nossa história; R$ 1 bilhão com terminais no Porto de Santos, o maior leilão portuário de nossa história; mais R$ 7 bilhões com a Br-381/262/minas/ Espírito Santo, primeira privatização portuária com a Companhia Docas do Espírito Santo.
Vamos fechar 2021 com R$ 100 bilhões contra
tados. É muito? Bom, o orçamento do meu ministério é de R$ 6 bilhões, então é bastante significativo. Com o que temos contratado nos próximos anos, esse país vai virar um canteiro de obras.
Revista VOTO – Entre os leilões previstos, estão muitas das nossas principais rodovias, como as BRS 230 – Transamazônica (Paraíba-pará), 116/101 – Via Dutra (Rio de Janeiro-são Paulo) e 381/262 (Minas Gerais-espírito Santo). Essa previsão vai ao encontro da demanda de setores produtivos, especialmente o agronegócio, que enfrenta dificuldades para escoar sua produção em períodos de safra, pela má conservação das rodovias. Quais outros setores esses projetos devem beneficiar? Qual a previsão para que comecem a ser entregues?
Ministro Tarcísio de Freitas – Observe: estamos falando de contratos de concessão que somam mais de R$ 24 bilhões de Capex. Ou seja, os investimentos privados previstos apenas para essas três importantes rodovias significam emprego e muita obra. Estamos falando de uma projeção de quase 400 mil empregos, entre diretos, indiretos e efeito renda. Aqui você já começa tendo um benefício direto para a base da sociedade, alcançando o conjunto da indústria da construção, os insumos, o comércio local. Num segundo momento, esse benefício chega para o caminhoneiro, para o transportador, que roda mais rápido, em melhores condições, com mais segurança. Você reduz perdas, torna o transporte mais eficiente. Baixa o custo que ele vai ter com o frete e possibilita ganho de tempo, permitindo mais viagens. Tem benefícios diretos
A maior concessão de ativos da nossa história, que estamos realizando, só poderá ser bem-sucedida com agências fortes institucionalmente. Hoje temos, além de um ambiente pro-business, segurança jurídica e uma estruturação sofisticada, um corpo de diretores com credibilidade, o que nem sempre foi possível no passado.
ao setor produtivo, que ganha competitividade, com uma logística e um sistema de transporte mais moderno. Traz ganhos para a economia do Brasil, ao gerar mais divisas, no caso de produtos exportados. Por fim, esse benefício chega para o conjunto da sociedade.
O leilão da BR-163 foi um sucesso e é um exemplo objetivo de como a infraestrutura pode impactar diretamente na vida do cidadão. Em 2019, completamos a pavimentação da rodovia até os terminais fluviais de Miritituba, no Pará, uma obra de mais de 40 anos. Com o asfalto novo, o custo com frete nesse corredor caiu 26%. E o impacto disso para todo o país foi de 11%, porque esta saída começou a ficar mais competitiva comparada a outras. É disso que estamos falando quando contratamos esse montante de investimento – redução do Custo Brasil na veia.
Revista VOTO – Ainda falando sobre as demandas dos setores produtivos, as ferrovias voltaram à pauta, agora como futuras concessões. No entanto, em comparação com as rodovias, ainda são poucas aquelas em vias
de serem concedidas. Como o ministério vê a necessidade de aumentar a malha ferroviária e quais as oportunidades que surgem neste modal?
Ministro Tarcísio de Freitas – Primeiro é preciso registrar que o Governo Bolsonaro, em dois anos e meio, já é o que mais contratou investimento ferroviário por meio de concessões. Foram R$ 28,82 bilhões e mais R$ 9,6 bilhões em outorgas que, em grande parte, estão também sendo aplicadas na malha ferroviária. Fizemos duas concessões – Norte-sul e FIOL – e renovamos os contratos da Malha Paulista, Vitória-minas e Carajás. O próximo passo agora é instituir o regime de autorizações ferroviárias para termos o instrumento da ferrovia privada no Brasil. Precisamos desse novo Marco Legal das Ferrovias urgentemente, para destravar ainda mais investimentos, e temos condições de contratar mais de R$ 20 bilhões em investimentos autorizados.
No Brasil, o segmento ferroviário responde hoje por 15% da distribuição logística nacional, enquanto o transporte rodoviário chega a 65%. Ou seja, para cada tonelada de carga transportada, apenas 150 quilos seguem por ferrovia. É possível elevarmos a participação do modo ferroviário para 40% do total da carga transportada, até 2035.
Revista VOTO – Também está no radar do ministério a concessão de portos, com o projeto de privatizar o do Espírito Santo, cuja administração seria a primeira do Brasil a passar para a iniciativa privada. Como isso pode melhorar o comércio internacional do país e também o transporte de cargas por cabotagem, nos nossos canais internos?
Ministro Tarcísio de Freitas – A movimentação de cargas do setor portuário brasileiro cresceu 4,2% em 2020 e 9,4% durante os seis primeiros meses de 2021. Ou seja, há um movimento claro de incremento da economia, fruto do avanço regulatório que vem abrindo o setor, e da coragem do presidente em dotar postos chaves com técnicos que sabem o que estão fazendo. Quando assumimos o ministério, recebemos 8 companhias docas dando prejuízo. Liquidamos uma e hoje as outras 7 estão dando lucro. Faz sentido o Porto de Santos, o maior da América Latina, dando prejuízo de meio bilhão por ano? Hoje ele está com R$ 800 milhões em caixa. E com R$ 3 bilhões em obras sendo feitas com investimento privado. Ou seja, a chave virou, e ficou no passado aquela história de que nossos portos são ineficientes.
Outra coisa: o mesmo instrumento de autorizações que queremos levar para as ferrovias já existe no setor portuário e nós já assinamos 96 contratos de adesão para terminais privados, com R$ 3,2 bilhões em investimento. Hoje, dois terços de toda a carga movimentada em portos brasileiros já ocorrem em terminais privados. É um caminho sem volta. Geralmente, quando ressaltamos os números positivos de nossa gestão, tem quem questione a necessidade de privatizar. Respondemos sempre que gerir ativos de infraestrutura que possuem investimentos de longa maturação e prazos longos de amortização demanda estabilidade no longo prazo. Esse modelo privado traz mais governança e segurança jurídica, preservando o interesse público.
Sobre cabotagem, temos uma demanda reprimida e estamos crescendo a dois dígitos por ano, nos últimos anos. E temos potencial para crescer ainda mais, cerca de 30% ao ano. A ideia, com o programa BR do Mar, é justamente abrir o setor para oferecer ao mercado uma experiência multimodal que compense os altos custos do frete rodoviário de longa distância.
Revista VOTO – O ministério comenta com frequência a possibilidade de gerar empregos com as concessões, o que é extremamente bem-vindo em momento de alta no desemprego. Qual a projeção do governo para 2021 e 2022 com relação ao emprego? Pode-se esperar a geração de postos de trabalho qualificados, de alta exigência técnica?
Ministro Tarcísio de Freitas – Já concedemos 74 ativos desde 2019. São mais de R$ 73 bilhões em investimentos contratados, que vão gerar 1 milhão de empregos diretos, indiretos e efeito renda ao longo dos contratos. Nossa carteira prevê a contratação de mais de R$ 200 bilhões, aproximadamente, até o final de 2022. Ou seja, tem muita coisa pela frente, muita obra vai acontecer, gerando demanda. Cada vez temos mais tecnologia envolvida em todas as etapas de obras e, principalmente, nas operações. Então, estamos falando de muitos empregos, incluindo aqueles altamente qualificados. Precisamos formar mais engenheiros, programadores, desenvolvedores e administradores, além de técnicos qualificados em todas as áreas.
Revista VOTO – O que essa possibilidade de R$ 200 bilhões para obras de infraestrutura representa para a competitividade dos setores produtivos do Brasil e para a economia de forma mais geral, considerando a geração de riqueza e de empregos?
Ministro Tarcísio de Freitas – Se hoje já estamos comemorando o que estamos conseguindo entregar em termos de infraestrutura no Brasil, imagina o que deve ocorrer em 2023, 2024, 2025... A gente vai deixar R$ 260 bilhões contratados até o final desse mandato, e o grosso desses investimentos será feito nos próximos anos, o que vai ter uma repercussão econômica muito grande.
Revista VOTO – A concessão de tantas estradas, aeroportos, portos e ferrovias à iniciativa privada requer uma atenção especial aos marcos regulatórios, para garantir que a população seja atendida a contento, com um custo justo. Como o governo está preparando as bases desta regulação e como serão os mecanismos fiscalizatórios para garantir a prestação dos serviços e o cumprimento dos investimentos?
Ministro Tarcísio de Freitas – Avançamos muito na questão regulatória. Eliminamos muita burocracia e entraves aos investimentos privados, e ao mesmo tempo reforçamos o papel fiscalizador da ANAC, da ANTT e da ANTAQ. A maior concessão de ativos da nossa história,
que estamos realizando, só poderá ser bem-sucedida com agências fortes institucionalmente. Hoje temos, além de um ambiente pro-business, segurança jurídica e uma estruturação sofisticada, um corpo de diretores com credibilidade, o que nem sempre foi possível no passado. Todas as nossas indicações para agências atenderam a critérios técnicos, o que é importante para a reputação da agência no diálogo com o TCU, com o Ministério Público e com o próprio mercado. Costumo dizer que uma concessão bem-sucedida é a que tem um contrato bem-sucedido.
Revista VOTO – As estradas são, possivelmente, o exemplo mais tangível, para a população, do efeito da concessão à iniciativa privada na qualidade dos bens públicos. Por outro lado, as concessões de estradas apresentaram ao brasileiro
um mecanismo antipático, que é o pedágio. Haverá, no longo prazo, algum recuo na carga tributária de um modo geral, reflexo da redução dos investimentos estatais na infraestrutura?
Ministro Tarcísio de Freitas – Sem dúvida, esse seria um bom caminho. E é o que todos nós brasileiros no fundo desejamos: um estado menos gastador e mais eficiente. Aprendemos muito com os erros cometidos na modelagem de concessões passadas. Atualmente temos o maior e mais sofisticado pipeline de projetos. O próprio mercado e os operadores de infraestrutura de transportes vêm respaldando as concessões atuais. Grandes players globais têm participado dos nossos leilões e já operam no Brasil nos diferentes modos de transporte, em especial nos aeroportos. Precisamos cada vez mais entender que, ao lado de saúde e educação, infraestrutura também é fundamental para o nosso país, pois gera empregos, reduz custos para o setor produtivo, beneficia os cidadãos, gera riquezas para a nação. Infraestrutura deve ser sempre tratada como uma política de Estado e não de governos. O presidente Bolsonaro tem esse entendimento e, desde o primeiro dia, nos dá liberdade para trabalhar. Não existe obra deste ou daquele governo. Existe obra do contribuinte que serve para atender os cidadãos brasileiros. Nossa obrigação é entregar. E entregar com qualidade.
Sobre o pedágio, o que o usuário quer é uma tarifa justa e de acordo com aquilo que o concessionário entrega. Hoje as rodovias mais bem avaliadas estão em São Paulo, onde o preço médio do pedágio é um dos mais altos. O que não podemos permitir é a cobrança sem a contrapartida do serviço, da obra, do retorno à sociedade. As nossas estruturações foram modeladas para proteger os contratos, evitar descontos oportunistas e, de largada, reduzir o preço médio dos pedágios atuais. Ainda estamos introduzindo inovações, como desconto para usuário frequente e as primeiras experiências com o Free Flow, que é a cobrança sem praça de pedágio.
Revista VOTO – O segundo semestre de 2021 promete ser positivo. O senhor destacaria algum outro projeto?
Vamos fechar 2021 com R$ 100 bilhões contratados.
Ministro Tarcísio de Freitas – Sim. Na verdade, depois do sucesso da Infra Week, nós já estamos bolando um período de cinco semanas em que faremos o leilão de 11 ativos importantes. Será um mês inteiro de boas notícias de infraestrutura. Começamos no dia 29 de outubro, com a Dutra; fazemos mais sete terminais portuários em seguida; e depois outros dois na Alemoa, em Santos. Fechamos no final de novembro, com a Br-381/minas com a BR-262/ Espírito Santo. Até o final do ano ainda teremos a relicitação do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, na Grande Natal, atendendo a um daqueles pilares que comentei lá no início: a resolução do passivo herdado de concessões fracassadas do passado. Aí vem a privatização da Companhia Docas do Espírito Santo, Viracopos, Porto de Santos, a última rodada de aeroportos da Infraero, incluindo Congonhas e Santos Dumont, e por aí vai. Vamos concluir esse mandato sendo o governo que mais leilões de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias fez na história. Aliás, em dois anos e meio, nós já podemos dizer isso. Agora é dobrar a meta.