Ora, pois! É, com certeza, uma casa portuguesa
HÁ
200 anos, no dia 7 de setembro de 1822, tivemos um marco na história do Brasil – o Grito da Independência, realizado por Pedro de Alcântara, o Dom Pedro I, durante o Primeiro Reinado, às margens do Rio Ipiranga. É a partir dessa data que o país começa, progressivamente, a tomar várias medidas para se separar totalmente de Portugal.
Dois séculos depois, muito aconteceu nas relações luso-brasileiras, mas é inegável que o povo português e a sua cultura fazem parte da nossa história, de nossos costumes, e ainda influenciam muitos de nossos hábitos.
Segundo a Associação Brasileira de Enologia (ABE), as primeiras videiras do Brasil foram trazidas pela expedição colonizadora de Martim Afonso de Souza, em 1532. Brás Cubas, fundador da cidade de Santos (SP), é reconhecidamente o primeiro a cultivar a vinha em nossas terras. Já no Rio Grande do Sul, a videira chegou em 1626, trazida por um jesuíta. Embora existisse necessidade da produção de vinho para utilização nas missas, a dificuldade de adaptação de variedades viníferas em nossas terras impediu a disseminação da vitivinicultura no país.
Além disso, motivos políticos atrapalhavam sua difusão, afinal, o objetivo era importar a bebida de Portugal, o que levou a corte portuguesa a proibir a produção dos vinhos por um período. Em 1742, veio o renascimento da vitivinicultura rio-grandense, com a chegada de 60 casais açorianos e madeirenses radicados em Rio Grande e Porto Alegre.
Já com o Brasil independente, a chegada dos imigrantes italianos resultou em melhoria das práticas vitivinícolas e aumento da produção das vinhas. Ainda assim, a relação comercial de vinhos entre Brasil e Portugal não deixou de existir. No último ano (2021), Portugal foi a segunda origem mais importada de vinhos para cá, com 17% do volume total de importações (dados Ideal Consultoria), perdendo só do invicto Chile, que representa hoje quase 45% de todas as importações. É inegável que o fato de falarmos a mesma língua facilita o entendimento dos rótulos dos vinhos de Portugal e, consequentemente, favorece o momento da venda.
Com a melhoria da viticultura brasileira e com o intercâmbio comercial luso-brasileiro sempre aquecido – o que se viu nos últimos anos, especialmente na época da crise financeira de 2007-2008 –, muitos enólogos portugueses encontraram no Brasil oportunidades para negócios. Miguel Ângelo Vicente Almeida, ainda no time dos jovens enólogos, começou, em 2007, a vindimar no ambicioso projeto da vinícola Miolo – a Quinta do Seival. Miguel e inúmeros colegas portugueses influenciaram o que é hoje o estilo do vinho produzido no Brasil.
Recentemente, o que se vê é um movimento inverso, com inúmeros brasileiros investindo em vinícolas em Portugal. No meio de tantos casos notáveis, está o dos empresários brasileiros Marcelo Lima, com a Quinta de Covela; André Esteves, com a Quinta da Romaneira; Rubens Menin, com a Menin Douro Estates; Marcelo Villela, com o Textura Wines; e, finalmente, e não menos importante, a empresária carioca Juliana Kelman, com o Kelman Estates no Dão.
A Portus Cale (que deu origem ao nome de Portugal), empresa na qual me encontro como CEO, é só mais um dos inúmeros exemplos de importadoras de vinho com DNA extremamente português. Não poderia deixar de citar as notáveis concorrentes e amigas Qualimpor, Adega Alentejana e Barrinhas. Hoje, eu não só me apropriei desse DNA, como faço questão de fomentar negócios ora à frente do grupo de mulheres da Câmara Portuguesa de São Paulo, ora como sócia do Grêmio Luso-português.
No que tange ao turismo, os brasileiros representam em torno de 5% a 6% das visitas a Portugal, fazendo do Brasil a quinta nação em número de turistas que o visitam, mas o primeiro da lista entre os países não-europeus. No gigante produtor de vinhos grupo Bacalhôa, o percentual de brasileiros entre os visitantes é de 8%. Não tenho dúvida que a tendência é só aumentar, uma vez que as vinícolas lusas estão cada vez mais interessadas no potencial econômico do turista de classe alta. O ticket médio do visitante brasileiro representa 20% do faturamento das vendas do enoturismo no grupo Bacalhôa, justificando investimentos corriqueiros na relação entre as duas nações.
Em Portugal, o vinho sempre foi algo sério e motivo de orgulho nacional. O que se nota é que o mesmo vem acontecendo no Brasil, e o intercâmbio cultural e comercial entre os países tem traçado a história vinícola de ambas as nações de forma intrínseca.
Um brinde aos 200 anos de parceria entre as duas nações!
Saúde!
Enófila por paixão, Karene Vilela (@kvilela) é publicitária formada pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Imersa nos vinhos pela Associação Brasileira de Sommeliers (ABS) e Sommelier formada pela Court Master Sommelier (@court_of_ms_europe). É detentora do título DIPWSET (Nível 4 da escola Wine & Spirit Education Trust @wsetglobal), certificada pela Wine Scholar Guild (FWS/IWS/SWS) e CEO da Portus Cale (@portuscalevinhos). Além disso, é sócia idealizadora do projeto Got Wine? (@gotwinesp). Atualmente, é uma das poucas brasileiras a ser aceita como estudante do Instituto Master of Wine (@masterofwine)