Os segredos da pintura entre as sobrancelhas
BASTANTE LIGADA À IOGA PELA FIGURA DE SHIVA, A PINTURA – OU O ADESIVO – ENTRE AS SOBRANCELHAS É CERCADA DE MITOS, LENDAS E HISTÓRIAS
A palavra deriva do termo sânscrito bindu que significa “ponto”, mas bindi é, na verdade, uma maquiagem usada principalmente pelas mulheres para trazer bons presságios. A posição do bindi, entre os olhos, é tida como sede da sabedoria latente, região que controla os diversos níveis de concentração alcançados com a meditação e mais: tradicionalmente, o bindi é um símbolo de casamento, como a aliança nas culturas judaico-cristã, e denota energia feminina, além de proteger a mulher que o usa e o marido dela. Meeta Ravindra, cantora indiana e presidente do Instituto Cultural Índia-brasil Meeta Ravindra, em São Paulo, nasceu em Sevagram e está no Brasil há 32 anos. Ela diz que seu objetivo no País é divulgar a cultura tradicional da Índia e, assim, detalha o uso do bindi. “Ele é um ornamento que simboliza o casamento. As mulheres casadas são obrigadas a usar o vermelho, as jovens usam se quiserem e as viúvas eram proibidas de usar até pouco tempo atrás. Recentemente permitiu-se que elas usem um bindi preto bastante pequeno, apenas para que não estranhem ver seu rosto sem o enfeite após tanto tempo de uso”.
De acordo com a cantora indiana, há cidades interioranas em que as mulheres não mostram o rosto sem bindi. “Antigamente, ele era feito como uma pintura, com o pó avermelhado de kunkum e moldes circulares, às vezes o orifício de uma moeda. Atualmente, quase todas as mulheres usam os auto-adesivos, que são de camurça e têm cola especial. São bastante populares e, assim, descartáveis”, explica ela.
É importante destacar que o bindi é usado apenas por mulheres hindus. Originalmente, cristãs, muçulmanas, parses e budistas não o usam. De acordo com Silvana Duarte, bailarina e professora de dança indiana no Prema Yoga e no Odissi, em São Paulo, hoje existem diversos tipos de bindi. “Com o passar do tempo, tornou-se mais um ornamento. Mesmo na Índia, muitas pessoas não conhecem seu significado e o usam apenas como enfeite. Podem ser encontrados bindis das mais variadas formas, como gota, ramo, folha e pedra e há também diversas cores, empregadas para combinar com as roupas”, explica.
Carlos Eduardo Gonzales Barbosa, professor de cultura indiana e de língua sânscrita no Instituto Narayana em São Paulo, explica o contexto histórico e cultural do costume: “o ponto representa o masculino da figura de Shiva e, antigamente, representava o compromisso da mulher com a divindade, simbolizando a virgindade. No entanto, hoje, o uso se popularizou e o bindi é utilizado por muitas mulheres independentemente de estado civil”. Ainda de acordo ele, o bindi representa a força projetiva do espírito sobre a matéria. “Quando você nasce, há uma força que é a sua porção de participação do divino. Essa energia entra no momento do nascimento astrológico em seu corpo, como um raio, por um ponto no centro da testa, entre as sobrancelhas, chamado vajra (que quer dizer “raio”). Essa força passa pela coluna e se aloja em um bulbo que fica na base da coluna, na região
do períneo, e entra como se fosse um cometa ou uma serpente e se enrola em um orifício imaginário. Essa é a energia que o acompanha pelo resto da vida, é a energia vital, e, se ela sair desse local, você morre. Essa força é o símbolo da pureza e da coerência da pessoa e, quando essa energia se projeta sobre a pessoa, ela é autêntica. O bindi representa o ponto de entrada dessa energia e guardar esse portal com uma pedra ou com um sinal mágico é uma forma de lembrar e ativar a força”.
Carlos Eduardo ressalta ainda que, originalmente, o bindi era um selo ou um pequeno mudra (gesto/ símbolo) para que a pureza não escapasse durante a infância ou a puberdade. Após certa idade, cerca de 16 anos, a pessoa poderia se cuidar e buscar essa ajuda por vontade própria, não por um símbolo divino. “Como o casamento acontecia geralmente por volta dos 12 anos, o bindi ficou associado à virgindade”.
Chê, professora de filosofia indiana, destaca mais um ponto: “os rituais, antes restritos, muitas vezes se popularizam e podem perder seu significado espiritual. O importante para a sacralidade máxima do bindi é que, aquele que aplicá-lo em si mesmo, o faça com reverência à shakti, à energia espiritual, e, sobretudo, a si mesmo como Deus”.