Críticas e Reviews
Paul B. Preciado parte da noção da “mais-valia” para construir sua teoria contrassexual
O livro Manifesto Contrassexual: Práticas Subversivas de Identidade Sexual, de Paul B. Preciado, é antes de tudo um apelo à ação – a contrassexualidade é o fim da “Natureza como ordem que legitima a sujeição de certos corpos a outros”. O autor anuncia que, como Marx, ele parte da noção da “mais-valia” – e não de ideias de gênero e diferenças sexuais – para falar de sexo. Assim, na sociedade contrassexual, cria uma nova plataforma filosófica para tratar os assuntos ligados à sexualidade. O livro é um misto de guia, quase um livro de autoajuda, com um modelo de contrato e 13 artigos que tratam dos princípios da sociedade contrassexual. Ninguém precisa se sujeitar a qualquer norma que diz respeito ao gênero ou sexo. Além de provocadora, é uma leitura divertida. No princípio era o dildo e é o cu que nos une, afirma o autor.
O livro, dividido em cinco partes – seis se incluirmos a introdução –, abre afirmando que a contrassexualidade não é a criação de uma nova natureza, uma nova letra na famigerada sigla LGBTX++, mas uma tentativa de repensar o “contrato social heterocentrado, cujas performatividades normativas foram inscritas nos corpos como verdades biológicas” e instrumentalizar o leitor – autoajuda – para entender que essa “verdade biológica” é uma construção do século 17 para cá. A sociedade contrassexual tem duas funções principais: uma negativa, que é desconstruir as “práticas sexuais e o sistema de gênero”; e, a segunda, a positiva, proclamar “a equivalência (e não a igual-
Manifesto Contrassexual: Práticas Subversivas de Identidade Sexual Paul B. Preciado, n-1 edições, 225 págs., R$ 44
dade) de todos os corpos-sujeitos falantes”. Esta é a chave do manifesto escrito no ano 2000 e traduzido e publicado no Brasil pela n-1 edições em 2017. A tradução para o português é bem cuidada e o capítulo Práticas de Inversão Contrassexual (Dildotectônica + Dildotopia) é didaticamente ilustrado. A capa do livro vem com um simpático furinho, um cuzinho, que vai de cabo a rabo do livro. O uso do termo dildo, que tem papel central no manifesto, vem do conceito de Jacques Derrida, descrito em Dildotectônica, de que a escritura é “o dildo da metafísica da presença”. Assim, um dildo pode ser qualquer coisa que substitui qualquer outra coisa – pode ser um braço, uma perna, uma bola, um vibrador.
Nascido como Beatriz Preciado, segundo definições heteronormativas, na cidade espanhola de Burgos, o autor começou a sua carreira acadêmica em seu país e a sua lenta transformação para Paul B. Preciado ocorreu nos EUA, por volta de 2010. Nesta altura, estudou e lecionou em instituições de prestígio no mundo do pensamento, como as universidades Paris VIII (França) e Princeton (EUA). Segundo um dos anexos do livro, o “Sobre o autor”, Preciado afirma que não interessa se é homem ou mulher, pois essa pergunta “só reflete uma obsessão ansiosa do Ocidente”. Sem acreditar na nação ou em Deus, afirma que há uma multiplicidade infinita do sexo. Manifesto Contrassexual é um livro profundo sobre dildos, sobre sexos de plástico, “sobre a plasticidade dos sexos” e também sobre o cu. Afirma o autor: “Os trabalhadores do ânus são os novos proletários de uma possível revolução contrassexual”. E, antes de tudo, era o dildo.