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DIAS & RIEDWEG

CAMERA CONTATO FOTOGRAFO SUAS FANTASIAS

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Dupla recria obra de Hovland, fotógrafo de fantasias sexuais

O fotógrafo norte-americano Charles Hovland, que registrou as fantasias sexuais de anônimos nova-iorquinos em cerca de 3 mil negativos de 35 mm em preto e branco, é tema de série de trabalhos de Dias & Riedweg

Stills de Arquivo Fantasia (2017), trabalho de Dias & Riedweg em que folhas de contato p&b de Charles Hovland foram recriadas em animações de vídeo digital

DESCONFIO DO VALOR DA PALAVRA GÊNERO. DESCONFIO QUE ELA SEJA, SOBRETUDO, UM NOME CRIADO PELA INFELICIDA­DE DE ALGUNS PARA FALAR DA FELICIDADE DE OUTROS.

Serve, mas não resolve, e talvez atrapalhe. É difícil falar de sexo. Sexo incomoda, amassa a roupa, deixa mancha... pode ser duro ou ir fundo demais para caber em explicaçõe­s e ser feito ou dito às claras. Aí o gênero serve, mas não gosto dessa palavra. Não tem sexo nela, não tem classe. Tem muita coisa e muita gente sem sexo e sem classe. E é importante garantir classe e sexo em todas as classes sociais, sobretudo em épocas eleitoreir­as, ainda que a última edição da Bienal de São Paulo tenha preferido inutilizar o senso e a existência de urgências e se manter no território das afinidades. Afinidade é importante, mas talvez elimine aquilo que temos de melhor, o potencial da diferença, que irremediav­elmente vem à tona quando tratamos de sexo e de classe. O respeito à diferença garante o sexo com classe e a classe com sexo, o sexo de todas as classes e a classe de todos os sexos.

Foi para focar em diferença que eu e Walter Riedweg fizemos recentemen­te uma série de trabalhos que intitulamo­s Cameracont­ato. São trabalhos sobre a vida e a obra de um amigo novaiorqui­no chamado Charles Hovland, que também se apresenta como Chuck por achar que o nome Chuck é mais viril do que Charles. Hovland é um fotógrafo que atingiu sua maior expressão de virilidade artística no mundo pornô.

A história começa quando ele decide deixar a fazenda dos pais, no interior do estado de Minnesota, em busca de sexo e arte, e se instala em Nova York. Ele era pintor, mas rapidament­e passa da pintura à fotografia pela simples razão de que precisa de menos espaço para fotografar do que para pintar. Para Hovland, espaço é muito caro em Nova York. Um dia, um amigo pediu-lhe que o fotografas­se nu para que pudesse usar as fotos em resposta a um anúncio pessoal, de contato, típico das últimas páginas dos jornais dessa época. Essas páginas eram as predecesso­ras do Tinder, Grinder etc. Ele atendeu o amigo. Outros amigos vieram e pediram o mesmo. Hovland descobriu que poderia fazer desse ofício um ganha-pão, usar sua câmera para atender à busca de contato com o outro. Durante 20 anos, ele publicou um mesmo pequeno anúncio nos jornais de Nova York, entre eles o recentemen­te extinto e já saudoso Village Voice. O anúncio dizia: “Fotografo suas fantasias sexuais. Preços moderados. Número de telefone”. Entre 1980 e 2000, Hovland registrou as fantasias sexuais de anônimos nova-iorquinos em cerca de 3 mil filmes fotográfic­os negativos de 35 mm em preto & branco. Anônimos de todos os sexos e classes, que encontrara­m em sua câmera um porto seguro para seus desejos; um contato seguro em tempos em que a Aids se anunciava e se propagava; uma câmera de contato, enquanto o próprio Hovland participav­a da fundação do grupo Act Up e de diversas campanhas ativistas.

À esq., anúncio publicado por Charles Hovland no jornal Village Voice; acima, cena do filme Esperando um Modelo, de Dias & Riedweg, sobre a vida e o trabalho do fotógrafo americano

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